De acordo com a administração Biden, o conflito entre a Ucrânia, com uma população de 44 milhões de pessoas, e a Rússia poderá gerar um movimento de refugiados para os países vizinhos (Polónia, Hungria, Roménia, Eslováquia e Letónia) na ordem de um milhão a cinco milhões de pessoas, sem contar com o número de deslocados internos que este conflito poderá gerar. Estima-se, portanto, que esta invasão e o subsequente fluxo migratório terá um impacto na Europa maior do que a crise dos refugiados sírios de 2015-17. Tendo já o Alto Comissariado para os Refugiados das Nações Unidas estimado uma catástrofe humanitária na Ucrânia.
No entanto, este conflito não terá apenas uma dimensão humanitária, terá impacto, igualmente, na destabilização económica, social e política em toda a Europa. Assim como as suas consequências humanitárias, económicas e políticas não serão apenas para os ucranianos, mas também para os países que irão acolher estes refugiados e na forma como este acolhimento será realizado.
Esta crise humanitária terá, no entanto, e para já, algumas diferenças quanto à crise dos refugiados sírios de 2015-17. Por um lado, ao contrário dos refugiados do Médio Oriente, aos ucranianos a União Europeia não exige, para já, visto para entrada em território europeu. Esta isenção eliminará, por agora, das nossas televisões e dos media em geral, imagens de centenas de refugiados a saltarem e treparem vedações ou a fugirem a forças miliares para entrar em território europeu. Bastará um passaporte.
Por outro lado, evitará, por agora, o surgimento de campos de refugiados dos dois lados da fronteira. Com uma entrada facilitada e sem entraves na passagem da fronteira, será expetável que não se acumulem refugiados nas fronteiras, como assistimos na Grécia, dentro de território europeu, ou na Turquia, fora da União.
Por fim, a aplicação do Princípio da Partilha de Responsabilidades entre Estados-Membros, previsto no Tratado de Lisboa, poderá também estar resolvida e a aplicação do Princípio da Solidariedade entre Estados-Membros poderá nem se colocar, ao contrário do que sucedeu com a crise dos refugiados sírios, onde Itália e Grécia geriram praticamente sozinhos este fluxo.
As maiores comunidades ucranianas na Europa situam-se na Alemanha, Áustria, Bélgica, França, Polónia, República Checa e Roménia, de maneira que o mais provável é que os refugiados ucranianos apenas utilizem os seus países vizinhos como passagem e para entrada em território europeu, não como países de destino final, onde tencionem permanecer. Desta forma, não só não se coloca problemas de aplicação do Princípio da Partilha de Responsabilidades, como temos facilitadas as formas de integração destes refugiados em território europeu. Assim, a instalação e distribuição dos refugiados ucranianos em território europeu tenderá a não ficar dependente da vontade de cada Estado-Membro. No entanto, apesar de não depender da sua vontade, os Estados-Membros deverão ser apoiados em função do número de refugiados que as suas comunidades ucranianas vieram a acolher.
À partida parece-nos que esta poderá ser uma crise migratória facilmente gerida pela União Europeia e pelos seus Estados-Membros – caso a sua distribuição seja repartida em função das suas próprias comunidades e a sua integração facilitada pela existência destas. Mais, este fluxo de refugiados ainda poderá vir a servir como uma resposta à necessidade de mão-de-obra que diferentes Estados-Membros necessitam.
Mas, vejamos a forma como é que os Estados europeus fronteira com a Ucrânia têm reagido. O ministro do Interior eslovaco afirma que o país está a preparar-se para uma possível entrada de um grande número de refugiados ucranianos. Na Polónia, o ministro do Interior afirma que estão, igualmente, a preparar-se para receber mais de um milhão de pessoas. E Orban, da Hungria, espera centenas de milhares de ucranianos a entrar em território europeu através do seu país. Que, desta vez, parece disposto a acolher. Para já reina a tranquilidade entre estes países.
No entanto, esta tranquilidade é contraditória com a forma como estes países têm lidado com movimentos migratórios, sejam eles de refugiados ou de imigrantes.
A Hungria, na crise dos refugiados sírios de 2015-17, nunca aceitou acolher no seu território nenhum refugiado da Grécia ou Itália, através dos Programas de Recolocação da Comissão Europeia. E, mais recentemente, com a nova rota migratória da Bielorrússia, a Polónia anunciou a construção de um muro, no valor de 350 milhões de euros, e aprovou medidas que legalizam a realização de push-backs como forma de impedir a entrada de cidadãos refugiados e migrantes no seu território.
Se a esta contradição adicionarmos dois dados novos, a situação poder-se-á alterar: a crise económica decorrente da pandemia da COVID-19 e os previsíveis efeitos económicos deste conflito.
A gestão europeia deste fluxo de refugiados ucranianos, portanto cidadãos que não podem voltar ao seu país de origem, terá de ser realizada com a necessária exigência, equilíbrio e humanidade. A integração destes cidadãos ucranianos em território europeu é o caminho do sucesso para a resolução do problema humanitário que se avizinha.
Assim, à União Europeia cabe utilizar a sua agência de fronteira, a FRONTEX, para vigiar e controlar este fluxo. E, por outro lado, deverá enviar ajuda humanitária para território ucraniano, apoiando quem lá ficou.
Aos Estados-Membros caberá criar efetivas condições de acolhimento a estes cidadãos, não deixando espaço ao discurso de ódio proferido por diversos movimentos extremistas e populistas, alimentados, muitos deles, precisamente por financiamento russo. Contando com o apoio próximo da Comissão Europeia.
Não podemos deixar que se multipliquem as caravanas de refugiados com destino a vários Estados-Membros, que se multipliquem as imagens de estações de comboios amontoadas de refugiados ucranianos ou histórias de negação da atribuição do Direito de Proteção Internacional ou, até mesmo, de push backs para território da Ucrânia.
Para já ficamos com a certeza de que a geografia política da Europa, inalterada desde o fim da Guerra da Bósnia, irá mudar.
Esperemos que o valor humano subjacente à necessidade de proteção internacional não sofra mais uma derrota com a gestão da crise dos refugiados ucranianos.