Se em 2016 a resposta a um ano mau em termos de incêndios foi mais um pacote legislativo apelidado de reformador, após a tragédia de 2017 a reposta não poderia ser a mesma. Foi constituída uma Comissão Técnica Independente que elaborou dois relatórios sobre os acontecimentos de Junho e de Outubro. Esses documentos seriam o guião para o futuro, mas infelizmente não foram.
Optou o Governo por alterar mais uma vez o Decreto 124, a famosa gestão de combustíveis mais conhecida por limpeza da floresta. Esta alteração reforçou a restrição e a punição daqueles que não cumprem com as prescrições técnico-administrativas que emanam desse documento. O objectivo dessa alteração não foi a sua melhoria técnica, foi sim, em traços muitos gerais, “limpar” a floresta para que em 2018 não se repita a tragédia. Ou seja, primeiro repete-se muitas vezes que a “floresta suja” é a causadora do problema, depois manda-se limpar e assim quem decide já pode dizer que a culpa não é sua, é de quem não limpa.
Assim andou um País ocupado durante largos meses a discutir a necessidade de limpar ou não a floresta, perdendo tempo em conversas surdas, gastando recursos e dinheiro a cortar erva e mato para que este volte a crescer e torne a ser cortado. Tudo acompanhado por directos e reportagens mostrando como todos são bons alunos e cortam.
Mas e a Reforma Florestal de 2016? A discussão sobre a vitalidade da Floresta e do Mundo Rural onde ficou? Perdeu-se na cacofonia da discussão à volta da prevenção e do combate, que invariavelmente acaba por se transformar na conversa dos meios aéreos que fazem falta.
Mas e os Relatórios da CTI? Foi constituída uma Agência e os fogos já não são florestais, são rurais. Mas os Relatórios só propunham isto?
Claro que não, propunham muito mais. Mas o problema é sempre o mesmo: um Estado Central pesado, burocrático, administrativo, sem capacidade de intervenção e sem vontade de perder um protagonismo que já não tem e se calhar nunca teve: o de estratega do Mundo Rural. Assumir que as pessoas precisam que o País lhes ensine a gerir o território é um erro, pois desde sempre as comunidades rurais souberam qual a forma mais eficiente de gerir o campo e as suas matas.
Esse Estado pesado e lento nunca percebeu que as actividades rurais não precisam de estratégias urbanas e de índole de planeamento de infraestrutural. Precisam sim de políticas de promoção e dinamização das actividades económicas que contrariem a burocracia e o excesso de tecnocracia.
Um exemplo dessa falta de lógica das Políticas Florestais está na perseguição às espécies de rápido crescimento apenas baseada em critérios e considerações morais e éticas. Ao invés de definir para essas e para as todas as espécies, quais as zonas indicadas para cada um desses sistemas produtivos, a máquina continua a produzir medidas meramente administrativas.
Em vez de definir quais as zonas adequadas para cada espécie, baseados em produtividades, custos de produção, canais de escoamento e na criação de valor para os proprietários, são criadas regras abstractas para regular actividades concretas. Um bom exemplo é a escolha cíclica na biomassa para energia sem saber produções, custos e necessidades de mercado.
São estas sucessivas campanhas sensacionalistas que transformam a legislação num caos de regras muitas vezes contraditórias entre si. E tudo começa pela definição do objectivo. O famoso cadastro é bem o exemplo, pois ninguém dúvida da sua utilidade, o problema está na razão para a escolha desta bandeira. Ao escolher a falta de cadastro como problema central para a falta de dinamismo do sector florestal, o tal Estado pesado aproveita para esconder as suas responsabilidades, passando-as para os proprietários. Ao mesmo tempo esse cadastro serve para quê? Para identificar os proprietários que não limpam, que não cumprem a tal legislação da limpeza.
Ou seja, o cadastro não serve como ferramenta de promoção da gestão florestal. Serve sim como ferramenta de caça à multa.
Outra forma errada de abordar o problema é a criação sistemática de novos modelos de organização de proprietários sem avaliar e reforçar os que já demostraram serem eficientes e robusto. Aliás esta falta de avaliação de políticas e instrumentos é bem demonstrativa da rigidez das Políticas Públicas Rurais.
Infelizmente passados quase dois anos e mesmo depois de tudo o que aconteceu em 2017, pouco ou nada mudou. Continuamos a ter um Mundo Rural essencialmente privado planeado e ordenado por políticas públicas, políticas essas de cariz meramente administrativo e que não reconhecem as especificidades das zonas rurais do nosso País. Mais grave é continuarem sem perceber como as pessoas usam o espaço rural e não continuam sem prever como o irão fazer no futuro, sabendo que algumas terão menos pessoas e outras mais.
Enquanto essas Políticas não se centrarem nas pessoas e teimarem em não promover as suas actividades rurais, continuaremos a assistir ao abandono das aldeias e vilas do nosso interior (cada vez mais próximo do litoral). Enquanto não se resolverem os problemas do pouco dinamismo das economias rurais mais tarde ou mais cedo vamos voltar a passar por anos como 2017.
Técnico florestal