Há quase um ano escrevi alguns artigos que versaram sobre possibilidade de se utilizar a energia nuclear na produção de energia elétrica, em complemento das renováveis, sobre a vantagem em encarar a dessalinização para abastecimento de água em zonas carenciadas, sobre a localização do novo aeroporto de Lisboa e sobre os planos divulgados para a implementação de uma rede de alta velocidade ferroviária em Portugal.
Pareceu-me fazer sentido, um ano depois, ver como tinha evoluído a discussão destas matérias no contexto nacional.
Energia nuclear
A Europa e a Comissão Europeia continuam muito preocupadas com as questões energéticas embora, aparentemente, a dificuldade imediata do abastecimento de gás aos países do leste da Europa não pareça ser tão gravosa para o dia-a-dia dos cidadãos como se temia inicialmente, apesar da continuação da guerra na Ucrânia e dos anunciados embargos ao gás russo.
Por outro lado, mantém-se a vontade de diminuir drasticamente a utilização dos combustíveis fósseis, tendo até subido de tom a contestação ao gás natural, cujas centrais têm, apesar de tudo, consequências ambientais menos gravosas que as centrais a carvão na produção de energia elétrica.
Até em Portugal já tivemos jovens acorrentados em locais de ensino a protestar e em greve da fome, para que não se diga que a sociedade portuguesa passa ao lado das modas europeias. As greves da fome, em minha opinião, pareceram mais um jejum intermitente acentuado e foi pena que, em vez de se acorrentarem aos portões, não se tivessem acorrentado a livros de ciência para estudar e compreender formas de ultrapassar os problemas energéticos adversos.
O governo passa olimpicamente ao lado destas questões, de mão dada com os ambientalistas apocalíticos que têm mais eco na imprensa. Esta não se consegue libertar do sensacionalismo das notícias que possam gerar maiores audiências. É a gestão do medo e do pavor do desconhecido.
Por outro lado, temos que ser compreensivos para com o governo. Com tantas trapalhadas em que se enreda por culpa própria, com tantos “casos e casinhos” que gera, não deve ter tempo para mais nada se não preparar os desmentidos para o dia seguinte e puxar pela cabeça para ter, todos os dias, novos anúncios que desviem a atenção das pessoas para os reais problemas do país. É a novela da TAP (que com humor negro expõe a incompetência do governo), as perigosas e desastrosas medidas de igualdade de género nas escolas, as novas medidas referentes aos fumadores, a liberalização das drogas leves e qualquer outra medida que, possivelmente, se irá inventar amanhã.
Menos compreensivos, talvez, devamos ficar quando vemos que esta falta de visão para o futuro do país vai ao encontro da estratégia do primeiro-ministro e do PS: reformas nem pensar e o status quo que existe é para manter a todo o custo. É a estabilidade que tanto orgulha o Senhor Presidente da República.
Embora haja uma recusa total do partido do governo, e também dos partidos da oposição, em sequer falar do nuclear como uma opção a analisar, não posso deixar de referir que começam a existir algumas vozes nas redes sociais e nas redes profissionais onde se defende a utilização da energia nuclear de forma fundamentada e séria. É o caso da REPLANET, um movimento ambiental com planos suportados cientificamente para melhorar a qualidade do planeta e a qualidade de vida que este pode e deve oferecer, e do Instituto de Plasmas e Fusão Nuclear do Instituto Superior Técnico, nomeadamente, através das excelentes intervenções do seu Presidente.
Mas sem apoio político não há visibilidade social. A religião, que antes do renascimento condicionava as evoluções científicas que se iam desenhando, foi agora substituída pela política barata de reality shows que os partidos fazem na ânsia de aprovação pública imediata e bons resultados em sondagens.
Resumindo, a energia nuclear pode e deve constituir um bom, se não imprescindível, complemento das energias renováveis disponíveis, promovendo, ao mesmo tempo, a mais rápida substituição possível das centrais a carvão e a gás natural. Do meu ponto de vista é a única forma de acabar de vez com os problemas ambientais provocados pela utilização dos combustíveis, que todos odeiam mas não querem, ou de que não podem, prescindir.
Perdeu-se mais um ano em que estas questões podiam ter ser discutidas, mas não foram. Os ambientalistas apocalíticos continuam a não querer, nem renováveis, nem carvão, nem gás, sem prescindirem de forma efetiva das alegrias da sociedade que os mantém. Entrou-se num círculo vicioso ideológico que a realidade tem tido dificuldade em quebrar. Pena!
Dessalinização
O verão está a chegar e com ele os incêndios, a seca, populações com abastecimento de água potável deficiente, o gado sem pastagens, a agricultura com falta de água para rega, as recriminações à utilização da água nos campos de golfe e mais umas tantas situações semelhantes que seria fastidioso enumerar.
Não é diferente do que já se passou. As televisões nem precisariam de fazer novas reportagens. Já ninguém se lembra das caras, nem das histórias que foram contadas em anos anteriores.
Será, por isso, interessante perguntar:
- Que medidas inovadoras se tomaram (se bem me recordo até houve um Relatório Internacional de Peritos sobre este assunto) em relação ao combate aos incêndios? O SIRESP já está a funcionar sem os sobressaltos usuais? Há mais aviões operacionais no combate aos incêndios? Há guardas florestais adequadamente formados e operacionais em número suficiente?
- E o combate à seca? Aumentaram-se as reservas de água através da criação de mais barragens e reservatórios que garantam o armazenamento das águas superficiais e alguma regularização plurianual de abastecimento? Equacionou-se a possibilidade de fazer transferência de águas entre bacias, nomeadamente, do norte para o sul? Evoluiu-se na reparação de barragens e sistemas de rega com problemas construtivos, que provocam perdas de água significativas?
- As Câmaras Municipais foram incentivadas a fazer melhorias nos sistemas de abastecimento domiciliário às populações? Reutilizar após tratamento águas residuais? E a distribuição em alta, da responsabilidade do poder central, teve algum plano para diminuir eventuais perdas de percurso?
- Os agricultores foram sensibilizados para a necessidade de tratarem a água como um recurso escasso e, através das Associações de Regantes ou Beneficiários, repartirem o custo associado à manutenção das infraestruturas de rega que disponibilizam a água que utilizam? E tiveram algum apoio financeiro organizado e devidamente planeado para que esta situação se enquadre numa estratégia agrícola de futuro? E as atividades de agricultura intensiva, resultantes de investimentos privados que aumentam as nossas exportações, foram devidamente tidas em conta de forma racional e justa para todas as partes, nomeadamente agricultura, ambiente e conservação da natureza? E os trabalhadores estrangeiros, que impulsionam esta agricultura intensiva, de quem só se fala quando ocorrem desastres e acidentes?
- E, quando se sabe que o nosso PIB vive em parte das receitas do Turismo, porque não definir de forma séria, profissional e desdramatizada uma mediação sensata para resolução de situações de conflito na utilização da água?
Até tenho receio das respostas. Não das que qualquer membro do governo dê, porque desses já imagino a conversa. Sim a tudo, estamos a melhorar e a obter resultados fantásticos, tal como dizem os indicadores económicos acabados de sair do forno e, mesmo que alguns problemas não estejam totalmente resolvidos, sê-lo-ão até ao final da legislatura, graças a um governo unido e coeso que se preocupa com as pessoas. De certeza. Gostaria mais de ter respostas objetivas, sérias e profissionais mas receio que pudessem ser incómodas e pouco eleitoralistas.
A dessalinização continua a ser claramente evitada. Não iria resolver todos os problemas mas pode atenuar muitas das questões que se colocam em termos de recursos hídricos em zonas menos ou mais distantes da costa. Nomeadamente, para abastecimento de aglomerados urbanos carenciados, apoio ao desenvolvimento industrial, agrícola e agropecuário, e ainda para rega de zonas selecionadas, cujo contributo económico para a região e para o país seja fundamental ou, pelo menos, importante.
De facto, tudo o que requer alguma forma de estar diferente ou vai contra o status quo estabelecido, que já mencionei anteriormente, tem uma rejeição total por parte do governo, que por acaso tem maioria absoluta. O que nos leva a ter que esperar por uma outra legislatura, se o resultado de futuras eleições não for o mesmo. A estatização do país recolhe votos mas tem aumentado a miséria. Mas se for essa a vontade da maioria da população, como alguém dizia há tempos, temos de nos habituar.
Resumindo, mais um ano tudo na mesma.
Aeroporto de Lisboa
A localização do futuro aeroporto de Lisboa foi, tanto quanto me recordo, o único assunto de convergência política mediática entre o PS e o PSD. O PS, receoso como sempre de tomar uma decisão racional e para não comprometer clientelas, fez um golpe de mestre. Propôs ao PSD fazer mais estudos, de modo a não ser apenas sua a responsabilidade de qualquer não decisão. Este partido, relutante de início, acabou por aceitar. Entre tantas coisas importantes a nível nacional em que teríamos todos a ganhar com um consenso partidário reformista, como o SNS, a Educação e a Justiça, foi na localização do aeroporto que se encontraram. É poucochinho. E encontraram-se para adiar uma decisão que já devia ter sido tomada há anos mas que o PS, numa manifestação inequívoca de incompetência e de falta de capacidade de liderança, resiste em tomar. Mas agora não está só. Arranjou um bode expiatório.
Os estudos irão certamente continuar, porque há sempre uma alternativa nova, um facto que não foi devidamente analisado, uns autarcas que não podem ser esquecidos, uns interesse que não podem ser ignorados e uns favores que não podem deixar de ser feitos. Não escondo agora, como não escondi há um ano atrás que, pelo estudo e envolvimento que tive neste processo ao longo de vários anos, a solução do Campo de Tiro de Alcochete me parece a mais adequada. Está tão perto de Lisboa quanto possível, pode ser construída de forma tão faseada como qualquer outra, em tempos e a custos não diferentes de outras soluções (contrariamente ao que se diz), permitiria melhorar significativamente a mobilidade urbana viária e ferroviária na zona metropolitana de Lisboa, bem como o desenvolvimento regional das áreas que iria afetar, tem boas condições aeronáuticas e ambientais e não implica fazer expropriações a privados. Acho que poucas cidades na Europa têm a sorte de ter um “deserto” destes à porta de casa. Como sempre defendi, por questões ambientais, de segurança e de racionalidade económica aeroportuária, a Portela tem que ser fechada.
Resumindo, em termos de processo decisório estamos pior que há um ano. O tráfego aéreo não para de aumentar e as implicações no Turismo, importante motor do nosso crescimento económico, são óbvias. Mas, porque é que a definição da localização do aeroporto haveria de ser diferente, neste marasmo socialista?
A Alta Velocidade
Depois de notícias fantásticas sobre as novas linhas de alta velocidade, ligações ultra rápidas, comboios de alta velocidade a funcionar em linhas existentes, aparente resolução mágica do problema das bitolas, nunca mais ouvi falar de nada. Do ponto de vista ferroviário as únicas notícias da atualidade são as greves dos ferroviários.
Resumido, estamos com estávamos há um ano e talvez os otimistas compulsivos e grandes defensores das políticas de investimento público deste governo estejam um pouco entristecidos porque nada aconteceu neste domínio. Também, com o Ministério das Infraestruturas que temos e com os seus atuais e anteriores responsáveis, não admira muito.
Para concluir. Estamos piores do que estávamos há um ano. O que quer dizer que foi mais um ano perdido. Um agradecimento final ao Senhor Presidente da República por ter contribuído de forma ativa para que nada mudasse.
Estou desejoso de contrariar todo este cenário negro num outro artigo que escreva para o ano, se me for possível, porque mesmo que nada aconteça vou sempre achar que vale a pena continuar a remar contra a maré.