Como o próprio nome indica, um governo tem como principal missão governar. E pode fazê-lo de várias formas. E quando o faz, se tivesse uma ideia clara sobre o que quer para o País nas suas vertentes multissectoriais, ajudava. Se não tiver ideias, apenas se limitará a gerir o dia-a-dia, sem inovar, nem reformar.

E, como em qualquer empresa que não pense para além de uma sobrevivência medíocre, numa sociedade competitiva como a nossa, não inovar, nem reformar, é desistir e morrer.

Independentemente de cada um gostar, ou não, da forma como está a ser governado, não nos podemos esquecer que o atual governo português esteve no poder, em coligação, durante quatro anos e que, nas eleições legislativas seguintes, a maioria do povo português que votou optou por lhe dar uma maioria absoluta de deputados no Parlamento. Apesar de durante esses quatro anos não ter feito, nem grande inovação, nem um mínimo de reformas no que quer que seja, e de ter defendido, até à exaustão, ministros e outros dignatários que, aparentemente, não mereciam estar no cargo. Este seu modo de governar, aparentemente, agradou tanto ao povo português que este, gozando da liberdade consagrada na Constituição e que os meios de comunicação lhe permitem, decidiu que esta seria a melhor solução para o País.

O sistema político que temos consagra a existência de um Presidente da República que serve, em princípio, para ser um escrutinador do governo. Há formas diferentes, como se viu no passado e agora, de interpretar a função presidencial. Jorge Sampaio optou por dissolver um Parlamento que tinha uma maioria estável por causa de uma demissão ou exoneração de um ministro (já não me lembro bem como, nem porquê). Aníbal C. Silva deixou José Sócrates e o seu governo levarem o País à bancarrota sem nada fazer que o impedisse. Marcelo R. de Sousa parece incapaz de não se deixar colar ao governo de António Costa, independentemente do que este fizer, para garantir a nebulosa estabilidade que tanto apregoa. Admito que Marcelo R. Sousa, possa não ficar na História como ele gostaria de ser lembrado. Ambos, António Costa e Marcelo R. de Sousa, foram reeleitos no final dos seus mandatos.

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Não se pode, por isso, dizer que a maioria das pessoas não tem o que desejava, pois a forma de atuar do Primeiro-Ministro e do Presidente da República não se alterou do primeiro para o segundo mandato de ambos. Só que agora, com a maioria absoluta que apoia o governo, a oposição está muito mais limitada para exercer a sua função (em boa verdade, no primeiro mandato do governo a oposição nem sequer existiu).

Quem gostava de ver o País numa atitude reformista, promovendo a inovação, vai ter que esperar que o povo português decida, noutras eleições, dizer que afinal está disponível para aceitar as reformas que o País precisa para conseguir sair do miserabilismo a que se foi habituando. Ou então, dizer que esta forma de governar, caminhando alegremente e com estabilidade para um empobrecimento geral, é o que pretende que se perpetue no tempo.

Para aqueles que, apesar das dificuldades, gostavam de ver atitudes diferentes e mais responsáveis dos governantes, resta-lhes tentar chamar a atenção para questões que conhecem, devido à atividade profissional que foram desenvolvendo ao longo da sua vida e as experiências que viveram.

É com este contexto que gostava de pôr à consideração de quem nos governa e tem capacidade para tomar decisões, o seguinte:

  1. Produção de energia elétrica a partir de centrais nucleares. Tal como já acontece em muitos países desenvolvidos do mundo, começa a haver uma evolução das posições passadistas, que não aceitavam a utilização da energia nuclear como fonte de produção de energia elétrica. Atualmente, com o enquadramento energético existente, caminha-se para um esforço de renovação e construção de centrais nucleares com novas tecnologias, cada vez mais seguras e com consequências menos negativas para o ambiente (evitando que a produção de energia se apoie na utilização de combustíveis fósseis). Parece-me fundamental que se assuma que a utilização da energia nuclear é incontornável e que se promova a realização de estudos de viabilidade, sérios e profissionais, sobre a sua utilização, conjuntamente com as energias renováveis, para que possam vir a constituir uma solução energética que satisfaça a procura atual e o seu inevitável crescimento futuro. E, de uma vez por todas, encaremos o facto de que as energias renováveis, por si só, não conseguirão satisfazer a procura, nem a atual, nem a futura. Pelo menos, até que haja avanços tecnológicos significativos que, infelizmente, ainda não estão no horizonte.
  2. Dessalinização da água do mar. As alterações climáticas têm agravado a ocorrência de fenómenos extremos e, no caso português, os longos períodos sem pluviosidade têm começado a criar situações de seca grave, que se irão acentuar no futuro. Podemos restringir o uso da água na produção de energia elétrica (diminuindo a produção das renováveis), mas a utilização da água para o abastecimento das populações e para rega poderá vir a tornar-se verdadeiramente crítica. Claro que se deve continuar a incentivar e a investir na reutilização de águas residuais, na diminuição das perdas de água das redes em alta e em baixa e na utilização de água para rega de forma mais eficiente. Mas tal pode não ser suficiente. Convinha encarar desde já a dessalinização como uma alternativa viável e inultrapassável, para suprir falhas de abastecimento que irão, seguramente, verificar-se.

Estas duas preocupações têm a ver com duas questões estruturantes do nosso desenvolvimento e da nossa vida do dia-a-dia. Pouco ou nada têm a ver com política e foi dececionante não as ver minimamente tratadas no PRR. Sobre a energia nuclear nada é referido. Continuamos a estar obstinadamente a defender os mesmos conceitos apresentados, nos anos setenta, em placas à entrada de povoações que diziam que, ali, se estava livre de energia nuclear. E esta negação da utilização da energia nuclear é tanto mais incompreensível quanto permitiria diminuir a utilização dos combustíveis fósseis cujas emissões são tão prejudiciais para o ambiente. No PRR há uma referência “en passant” a uma central de dessalinização no Algarve, sem pormenorizar e sem entender que esta questão não é pontual. A dessalinização tem que ser encarada como uma fonte adicional possível, a nível global, para o abastecimento de água. Não fazê-lo é colocarmo-nos à mercê de uma variável exógena não controlável: a distribuição da pluviosidade no espaço, no tempo e na quantidade.

Mas estas duas preocupações não são só minhas. Basta ver a quantidade de pessoas, técnicos e especialistas que advogam que estes assuntos sejam tratados de forma séria, responsável e com urgência. As perguntas que ficam no ar são: o que leva os políticos a permitirem-se ignorar, ou a não considerar, a experiência e a opinião dos técnicos nas matérias que dominam? Se têm dúvidas sobre estes assuntos, ou receio que qualquer decisão os possa penalizar eleitoralmente, porque não promovem uma discussão técnica e científica sobre eles, de modo a permitir apresentá-los à opinião pública de forma séria e fundamentada? Já nem sequer são ideias experimentais ou inovadoras, das quais se possa ter receio que não funcionem. Embora um governo maioritário tivesse como obrigação liderar este processo, a responsabilidade não deixa, também, de recair sobre todos os políticos eleitos. Já basta de estarmos sempre à espera de milagres, vindos do interior ou do exterior, ou de soluções teóricas sem aplicação prática imediata.

Haverá outras pessoas que poderão falar de forma mais assertiva sobre outros assuntos, que também me preocupam e preocupam grande parte da população, como sejam o estado deteriorado do Serviço Nacional de Saúde, a inoperância da prevenção e combate aos fogos que nos assolam todos os anos (e que, para os combater, necessitam de disponibilidade de água), as desvirtuações ideológicas na educação e a falta de apoio aos professores, a política fiscal e a voracidade dos impostos diretos e indiretos que pagamos, a ineficácia e o atraso na justiça, entre outros. Mas estas são questões institucionais e operacionais que se podem resolver a mais breve trecho, caso haja inteligência, vontade e sensibilidade política para o fazer. As minhas preocupações iniciais são estruturantes, precisam de planeamento adequado e capacidade e coragem para entender o futuro. E, se não se agir já, pode ser tarde de mais.

Por fim, não posso deixar de salientar que este é mais um artigo a dizer o óbvio. E tantas pessoas, com eu, a dizer repetidamente o óbvio pode ser frustrante e maçador de ler. Mas com tanta falta de sensibilidade, coragem e responsabilidade dos políticos eleitos, como podemos deixar de o fazer?