A fotografia ficou famosa. É um bonito pôr-do-Sol na Azambuja. Os animais posam de tacha arreganhada, olhar vazio, membros flácidos e inertes. Não é preciso ser-se especialista em caçadas para perceber que se trata de um casal de espanhóis. Atrás deles, jazem filas e filas de veados, gamos e javalis. Enfim, é impossível não ficar incomodado com a quantidade de Bambis e Pumbaas mortos. (Eu sei que o Pumbaa, fiel amigo do Rei Leão, não é um javali, é um facochero, mas, para efeito de apelo à emoção baseado em personagens de histórias infantis, vai ter de servir).

Felizmente, consola-me o facto de, quer esta mortandade, quer a desflorestação à bruta que também está a ser levada a cabo na Herdade da Torre Bela, não serem em vão. Extinguem-se animais e árvores com um propósito nobre: a construção de uma central fotovoltaica que vai fornecer energia solar e salvar o planeta do aquecimento global que extingue animais e árvores. Ok, se calhar, como a Economia Verde promete, podia-se ter reconvertido os postos de trabalho dos bichos, que iriam animar uma Quinta Pedagógica a instalar nos Restauradores, por exemplo. Fica a dica para uma próxima vez. Mas o que interessa é que os animais e as árvores foram sacrificados por um bem maior. Algumas centenas de árvores arrancadas e de animais mortos para haver energia limpa para todos os portugueses, é uma óptima permuta.

Quer dizer, não é bem para todos os portugueses. Uma central fotovoltaica daquela dimensão satisfaz as necessidades energéticas de apenas alguns milhares de portugueses. E dos poupadinhos, daqueles que vão à casa de banho às escuras. Para produzir a mesma quantidade de electricidade que, suponhamos, uma central a gás produz, é necessária uma área muito maior de terra forrada a painéis solares. É que a densidade da energia solar é muito menor do que a dos combustíveis fósseis, ou seja, para fornecer energia renovável a todos os portugueses, vai ser preciso arrancar mil vezes mais árvores e matar mil vezes mais animais. É bastante, mas o que é isso comparado com a salvação do planeta? Se é o que é preciso para alcançarmos a tão almejada descarbonização com energia limpa, avancemos!

Quer dizer, não é bem para a almejada descarbonização. Quando muito, é para a micro-fracção de uma mini-semi-descarbonizaçãozinha. É que os painéis solares são construídos com metais de terras raras, cuja mineração e refinação são efectuadas por maquinaria pesada movida a combustíveis fósseis. E também não ficamos com energia lá muito limpa. Trata-se de metais tóxicos e de muito difícil e cara reciclagem. Ou seja, é obrigatória a devastação de florestas e de vida selvagem e a utilização de químicos tóxicos que exigem a queima de grande quantidade de combustíveis fósseis, mas o que são essas minudências comparadas com a salvação da Terra? É óbvio que isto vale a pena para, de uma vez por todas, ficarmos livres dos combustíveis fósseis para geração de electricidade.

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Quer dizer, não dá para ficamos completamente livres de combustíveis fósseis. Só durante algumas horas de alguns dias. (Mas, durante esses momentos, ui!, é ver o gás e o carvão a meterem o rabo entre as pernas!) A energia solar, apesar de tão bela, é intermitente. Só funciona quando o Sol brilha, o que significa que não está sempre disponível. Para, mesmo de noite ou em dias enublados, podermos acender as luzes (parece que é por pirraça, querermos acender a luz precisamente quando não há Sol!), precisamos de manter em funcionamento centrais alimentadas a gás ou carvão, para entrarem em acção a qualquer momento. Há baterias, mas não têm capacidade de armazenamento para alimentar o país mais do que alguns minutos. A não ser, claro, que estejamos a falar de dezenas de milhares de quilómetros quadrados de baterias. Ou seja, se reservarmos o Baixo Alentejo para centrais fotovoltaicas e o Alto Alentejo para pilha, é possível que consigamos acabar com a nossa dependência de combustíveis fósseis. E, de caminho, com aquela vista monótona nas viagens para o Algarve. Só seara e montado já aborrece, queremos lavar os olhos com alumínio, silício e arsenieto de gálio.

Julgo que é altura de reconhecer que o Ministério do Ambiente e da Transição Energética é um paradoxo. Ou é de uma coisa, ou é de outra. É como ser Ministério do Sol na Eira e da Chuva no Nabal.

Resumindo: arrasar fauna e flora, minerar metais tóxicos, ao mesmo tempo que trocamos energia fiável e barata por blackouts e contas exorbitantes. Mas ao menos evitamos que a Terra aqueça. O que é bizarro, se pensarmos que, com apagões e com o preço proibitivo da electricidade, não conseguimos ligar o ar condicionado para arrefecer a nossa casa.