No dia em que Pedro Passos Coelho saiu do parlamento, o insuspeitíssimo Eduardo Ferro Rodrigues disse sobre o ex-primeiro-ministro: “Merece a consideração e o respeito de todas as bancadas e, em primeiro lugar, do presidente da Assembleia da República pela forma correta e convicta com que defendeu sempre os seus pontos de vista”. Sublinho aqui a palavra “convicta”. Vinte dias antes, em jeito de despedida, Passos proferiu um dos seus mais notáveis discursos enquanto líder do PSD. Em Lisboa, avisou: “Nós temos de saber onde moram as nossas convicções. Quando não percebemos o que queremos, o resultado é uma quebra de confiança. Uma quebra de confiança que se paga sempre. É uma questão de tempo”. Sublinho novamente a utilização da palavra “convicções”.

O ponto que pretendo recordar é que Passos Coelho, independentemente da fidelidade política dos seus observadores, foi sempre reconhecido como portador de convicções – até pelos seus críticos e adversários. Dentro do seu partido, aliás, a perseverança dessas convicções – a “obstinação” ou “teimosia” – era juízo corrente. Se olharmos para outro espectro ideológico e geracional, também é possível reconhecer casos paralelos. Ninguém duvida, por exemplo, que Pedro Nuno Santos é um socialista com convicções. O modo como o secretário de Estado se vem demarcando do crescente cinismo de António Costa em relação aos seus parceiros de governo é prova disso. Pessoalmente, posso não concordar com nada do que Pedro Nuno defende – mas estou certo que ele acredita no que defende. À direita e à esquerda, portanto, tal trata-se de um ativo político por motivos simples: não há carisma sem crença, não há confiança naqueles que não acreditam em nada.

Esta semana, nesse sentido, assistimos a uma notória demonstração de ausência de convicções por parte do atual primeiro-ministro. O António Costa “chocado com a transmissão pela RTP de touradas” era o António Costa que antes tecera elogios públicos à “arte taurina”, exibindo assim um manifesto caso de dupla personalidade. As relativizações da humilhação variaram: tivemos propostas de “mudança de ideias” e até esclarecimentos sobre a diferença entre forcados e cavaleiros. Nenhuma ocultou satisfatoriamente o grau de incoerência a que Costa se sujeitou, mas é importante dar-lhes resposta. É óbvio que os políticos têm direito a mudar de opinião – Churchill mudou de partido duas vezes –, mas a história dos estadistas mostra-nos que estes mudavam de lado para melhor protegerem as suas convicções. Costa, por outro lado, muda de convicções para melhor proteger o seu lado. E isso não é bem a mesma coisa, pois não?

O seu jeito amoral de fazer política – dizendo de tudo, não acreditando em nada – está muito para lá das touradas. Costa foi de considerar o Bloco de Esquerda “um partido inexistente” e uma “inutilidade total” para muito convenientemente convertê-lo num tão útil parceiro de governo. Foi de saudar a eleição de Tsipras como “um sinal” de mudança na Europa para depois se dizer “alinhado” com as reformas de Macron – flutuando do eurocepticismo para o federalismo consoante a paisagem. Foi também de ter uma bancada parlamentar contra “os falcões de Berlim” enquanto na oposição para sorrir ao lado de Merkel enquanto governo. E foi, claro, a favor do “fim da austeridade” para agora bater palmas ao défice zero. Em resumo, diz de tudo, não acreditando em nada. E se nem Costa acredita no que diz, quem é que pode acreditar?

A perda de confiança, como advertiu o seu antecessor, é só uma questão de tempo. E paga-se sempre.

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