Se o combate ao populismo fosse água, os portugueses estavam encharcados. Da esquerda para a direita, no poder ou longe dele, a praça política inunda-se em grandes proclamações contra «os populistas», «os extremismos» e a importação de «radicalismos». Independentemente da piscina que cada um favoreça, acabamos por mergulhar, todos juntinhos, na mesma «luta pela democracia». Se a democracia se fizesse de matéria verbal, garanto-vos, a nossa estaria sã e salva. Mas não faz, pois não, caro leitor? Faz-se de instituições. Depende delas. E as nossas, como uma praia em maré vazia, fedem.
Em meia década, o Partido Socialista liderado por António Costa procedeu a um assalto institucional que não se pode exatamente classificar como sem precedentes – pois Sócrates, afinal, era primeiro-ministro há menos de dez anos –, mas cuja eficácia e inimputabilidade passaram com relativa discrição. Sejamos sérios: se o governo de Viktor Orbán, na Hungria, indicasse uma ex-deputada e ex-autarca do seu partido para o Conselho Geral Independente (risos) da televisão pública, nomeasse o seu ministro das Finanças para governador do banco nacional (avaliando-se a si mesmo), candidatasse o ex-porta-voz do seu antecessor ao Tribunal Constitucional do país e afastasse o presidente do Tribunal de Contas em vésperas de chegada de dinheiro europeu, o que não diríamos nós?
Diríamos, caro leitor, que se tratava de um sequestro do Estado de Direito, de uma interferência do governo húngaro na separação de poderes e de uma inclinação autocrata do senhor Órban. E diríamos bem. Mas, como não se trata de Órban, nem da Hungria, nem de um político de direita, sorrimos, acenamos e mergulhamos alegremente na piscina do costume.
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