Um preto de cabeleira loura, um branco de carapinha ou um homossexual no CDS não é natural. Natural é o homossexual ser do Bloco de Esquerda. Ou pelo menos de esquerda. Quando, a propósito de Adolfo Mesquita Nunes, Fernando Rosas declarou “O CDS até tem um dirigente gay! Ai que moderno que ele é!” exprimiu com notório mau gosto mas com muita clareza a intrumentalização ideológica subjacente a essas entidades que agora por aí pululam – as comunidades – e ao discurso comunitarista.

É a comunidade homossexual mais a comunidade cigana. A comunidade muçulmana. A comunidade lésbica. Há comunidades, como a dos afro-descendentes, que ao certo nem se percebe por quem é constituída: um negro nascido na Amadora é mais afro-descendente que um branco nascido em Luanda?

Por todas estas comunidades falam uns alegados representantes cuja importância decorre não do reconhecimento que têm entre aqueles que dizem representar mas sim do eco conseguido pelas suas declarações. Estas invariavelmente reproduzem, devidamente adaptadas às suas particulares e físicas circunstâncias, a cartilha marxista leninista. Onde antes estava a condição de classe está agora a pertença a uma ou várias comunidades.

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Na luta contra o modo de vida ocidental, a comunidade substituiu o proletariado. Este último não só perdeu o préstimo político como até desatou a votar em que não devia. Consequentemente as suas filhas podem ser violadas, abusadas, prostituídas e em alguns casos assassinadas perante o silêncio das autoridades como aconteceu  em Rotherham e Telford, Inglaterra.

Como foi possível que entre 1980 e 2012 grupos de homens sequestrassem, drogassem, espancassem, violassem… milhares de meninas e adolescentes, em Inglaterra? Muitas das vítimas estavam sob alçada dos serviços sociais mas quando se queixavam à polícia e aos serviços sociais ninguém as tomava a sério. Muito menos se registava a identidade dos agressores e escamoteavam-se os dados que mostravam a existẽncoa de redes de pedofilia. Tudo isto foi possível porque as vítimas eram a chamada “easy meat”: raparigas brancas provenientes de meios pobres. Mas não só. Isto foi possível  porque os agressores pertenciam a uma das comunidades que substituiu o operariado no organograma instrumental da esquerda: muçulmanos originários, eles mesmos ou as suas famílias, de países como o Paquistão e o Bangladesh. E assim a maior preocupação das autoridades não era proteger as crianças mas sim protegerem-se a si mesmas das temidas acusações de racismo, que inevitavelmente surgiriam do mundo do activismo quando se revelasse a identidade dos agressores. Logo não podiam admitir qualquer referência étnica aos violadores.

Quando alguns técnicos como foi o caso de  Jayne Senior começaram a tomar a sério as denúncias e a produzir relatórios em que não só incluíam as agressões relatadas pelas jovens mas também dados sobre a identidade e o funcionamento em rede dos seus agressores constataram que ninguém lia essa documentação. Pior, muita dessa informação foi destruída, apagada e alterada como aconteceu aos dossiers produzidos pela advogada Adele Weir cujo trabalho de denúncia lhe valeu uma tenaz perseguição por parte dos serviços sociais e a inscrição num curso sobre diferenças étnicas. Em resumo, o absurdo tornou-se a regra.

À medida que o comunitarismo avança o mundo torna-se de facto um labirinto de paradoxos grotescos. Enquanto o socialismo e o comunismo geraram a miséria e a opressão, o comunitarismo está a tornar a nossa vida uma corrida entre absurdos: em França, forças sindicais da área da educação, o SUD-Education 93, em nome do combate ao racismo, organizam ateliers interditos a brancos e acusam de fascismo aqueles que denunciam essa clara discriminação; em Madrid, o bairro de Lavapiés viveu horas de motim quando vários vendedores ambulantes (“manteros”) de origem senegalesa devidamente instigados por activistas vários atacaram a polícia porque estavam convictos  de que o vendedor ambulante Mame Mbaye morrera a fugir à polícia.

Na verdade Mame Mbaye sofreu um ataque cardíaco e os polícias foram os primeiros a socorrê-lo. Mas quando tal se soube já era tarde: os indignados da comunidade “mantera” tinham destruído lojas e parques para bicicletas, incendiado caixotes… Como não podia deixar de ser os líderes do Podemos acusaram a polícia e pediram a legalização dos “manteros”. Já os residentes de Lavapiés que outrora eram alvo da solidariedade marxista agora pedem sim o apoio da polícia.

Em Portugal, o PCP ainda aposta no controlo do indivíduo-trabalhador: aquilo a que entre nós se chama defesa dos direitos dos trabalhadores mais não é do que o retirar de poder a cada trabalhador e às suas comissões para, por exemplo, negociarem bancos de horas. Mesmo que patrões e trabalhadores estejam de acordo não podem decidir nada porque tudo depende daquilo que os sindicatos decidem na contratação colectiva. Mas é óbvio que o comunitarismo e a respectiva indústria da vitimologia e dosrespectivos pedidos de indemnização por discriminação, sem esquecer o revisionismo histórico, estão em franco crescimento. (Confesso que aguardo com curiosidade o alcance desse revisionismo nomeadamente na sua vertente feminista e no que respeita ao machismo de alguns líderes.)

Algures no estrépito da queda do Muro de Berlim e do falhanço óbvio do comunismo como utopia realizável, a ideologia tornou-se biologia e o comunista deu lugar ao activista. A troca revela-se proveitosa pois não só garante financiamento a rodos através duma nada escrutinada rede de apoios, funcionários, associações, comissões, grupos… como permite manter uma influência que não é afectada pelos resultados eleitorais pois está indexada ao estardalhaço conseguido nos noticiários.

Herdeira da luta de classes aí está a  luta das comunidades capitaneada pelos mesmos que já quiseram dirigir o proletariado. Não por acaso os ditos representantes e os mediadores cumprem muito frequentemente o papel outrora reservado aos controleiros: detectam os desvios agora não à linha justa mas sim à tradição ou à lei particular da comunidade.

Como sempre acontece no marxismo-leninismo, o que cada um pensa, sente ou escolhe não conta nem pode contar. Não há lugar para o indivíduo mas sim para os membros das comunidades. E a comunidade pensa em bloco, vota em bloco (e o Bloco espera que no Bloco). Não cumprir este destino em que biologia e ideologia se cruzam num pesadelo determinista é tornar-se por assim dizer num erro da Natureza (devida e muito biologicamente maiusculada) e num traidor agora não de classe mas sim da respectiva comunidade.

Por isso o dirigente homossexual do CDS é visto como o preto de cabeleira loura do velho anúncio: não é natural.