Freitas do Amaral, nas suas memórias políticas, recorda que dois dos seus amigos, António Sousa Franco e Rui Almeida Mendes, se tornaram, após o 25 de Abril, militantes do então PPD, embora com propósitos diferentes. Sousa Franco porque entendia que o PPD era um partido social-democrata e de centro-esquerda; Almeida Mendes porque entendia que tal posicionamento era meramente táctico, no sentido de fazer sobreviver o partido durante o período revolucionário, e que se converteria depois num partido liberal e de centro-direita.

Passaram cinquenta anos e parece continuar a não existir uma resposta inequívoca a este dilema, mesmo no seio daquele partido, como, aliás, salientou Pedro Gomes Sanches, no Expresso: o PSD é, depois de ter sido muitas coisas, um partido de centro-esquerda ou convenceu-se de que o país é de esquerda e é preciso seduzir esta área política para ganhar eleições que lhe dêem uma maioria que permita, então, uma governação de direita? Talvez seja tudo isto, e não apenas isto.

Estas dúvidas remetem-nos, hoje, para cinco certezas: que haverá Orçamento do Estado para 2025, que André Ventura está preso na sua própria ratoeira, que os Liberais julgam tirar algum proveito eleitoral revelando a aproximação política do PSD ao PS, que todos os partidos vão continuar a oscilar entre o desejo de ir ou não ir a eleições rapidamente, e que, em todo o caso, o resultado de umas novas eleições, sejam elas quando forem, só pode ser imprevisível.

Na verdade, parece cada vez mais evidente que PS, AD e Chega estão absolutamente viciados na ideia do sucesso eleitoral como fim em si mesmo; que BE, PCP e Livre se tornaram demasiado dependentes do PS para ambicionarem a sobrevivência e, ao mesmo tempo, sabem que parte do seu sucesso não depende das urnas, mas da cultura dominante.

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O Governo decidiu, de facto, seguir o trilho do socialismo: abraçou a gestão da pobreza e da mediocridade como modo de sobrevivência política e, quiçá, de sucesso eleitoral, agindo agora como um mecanismo de redistribuição das misérias e não como agente reformador. Os mais crédulos dirão que o Governo faz o que pode, que não tem uma maioria que possibilite essas reformas. Não será irrelevante ter PS ou a AD a governar, concedo. As nuances existem, pelo menos entre alguns dos ministros, e os Liberais exageram na sua propaganda. Mas, em bom rigor, que diferenças profundas, afinal, sentimos desde Março?

A ambição reformadora do país é minoritária. Talvez a AD tenha sido motor reformador do país apenas noutros quadros e contextos históricos, e eles alteraram-se. O país vive há cerca de trinta anos numa espiral recessiva da liberdade em termos culturais, económicos e sociais: a dependência do Estado aumentou, o miserabilismo foi elevado à condição de normalidade. Será mesmo, porventura, este o grande sucesso do estatismo dominante em que o país vive embrulhado: não importa quem governa; com as pequenas diferenças que ajudam a distinguir os partidos uns dos outros, o estatismo manda sempre.

E pode ser, de facto, que a AD tenha razão na sua estratégia: num país apaixonado pela sua própria mediocridade, dependente do Estado em larga escala social e económica, dependente dos media e do comentariado autorizado em termos culturais, intelectualmente influenciado por uma esquerda pueril e que diariamente sinaliza a sua própria virtude, pode ser que a AD consiga, desta forma, manter o poder e, eventualmente, o chegue mesmo a renovar com uma maioria mais ampla. Sabemos todos que para os dirigentes da AD isso é importante, e é até compreensível que o seja. O país poderá mesmo apreciar a pasmaceira e premiar os pasmados eleitos. Não sendo possível mudar de povo, os partidos convenceram-se de que a sua sobrevivência só é possível acenando com a manutenção do status quo. Caso contrário, têm à sua espera resultados eleitorais sofríveis. É o mais profundo vazio político e intelectual. Talvez não se mereça melhor do que isto, de facto.