Vale a pena gastar mais uns minutos com a entrevista de Pedro Nuno Santos ao Observador. Encurralado pelos jornalistas, o secretário de Estado esbracejou: o PS governa com o PCP e o BE, porque a “visão da sociedade” do PS está “próxima” da dos comunistas e bloquistas. Eis, à primeira vista, mais uma ocasião para as oposições impressionarem a classe média com a “radicalização” do PS. Mas o PS não é o Partido Trabalhista de Jeremy Corbyn. Aquilo que aproximou o PS do PCP e do BE não foi a convergência de “visões da sociedade”: foi a derrota eleitoral, que deixou António Costa sem outra saída: ou aceitava a velha oferta comunista da “maioria de esquerda”, ou encerrava o dossier da sua carreira política. É curioso: Pedro Nuno Santos preferiu criar um equívoco acerca da boa-fé do PS como partido democrático e europeísta, a reconhecer o tremendo fracasso político que explica esta maioria. Os oligarcas não levam a sério a ideologia, mas levam a sério a aparência de poder.
António Costa e a sua maioria adoptaram a mais fácil de todas as soluções políticas: governar com uma parte da sociedade — os dependentes do Estado –, contra a outra parte. Para os clientes do poder, há “devolução de rendimentos”; para os outros, há impostos e serviços públicos descurados. Ao contrário do que se diz, o quadro europeu não limita este projecto. Pelo contrário, torna-o possível: com uma economia estagnada, uma dívida enorme, e uma coligação com partidos hostis ao investimento privado, é só graças à garantia da Comissão Europeia e do BCE que continua a haver financiamento externo. Ora, o que exigem as autoridades europeias? Um certo valor do défice, deixando a cada parlamento nacional o modo de o alcançar. Se a economia diverge das médias europeias, já não é da conta de Draghi ou de Juncker. A famosa má governação da zona euro, que ignora a economia, favorece este governo e esta maioria: permite-lhes, sem reformas, continuar a explorar o que, de facto, é um mecanismo de transferências.
Muita gente pergunta: para onde é que tudo isto nos leva? Segundo alguns, às eleições autárquicas de Outubro de 2017, depois das quais o habilidoso António Costa, finalmente livre de Passos Coelho, provocará eleições legislativas e inventará novas formas de vida governamental. Segundo outros, o caminho é de volta a 2011, com um segundo resgate a dar a Passos Coelho mais uma ocasião para mostrar o seu sentido de missão e resiliência. Estas fantasias deviam fazer-nos sorrir. O BCE e a Comissão Europeia aguentarão Portugal enquanto o país lhes mostrar os défices requeridos, e nenhumas eleições autárquicas bastarão para desfazer os nós atados pela classe política nos últimos anos. O destino do país pode mesmo ser o do gradual declínio desta economia endividada e dependente, até que alguma coisa aconteça na Europa ou no mundo.
Portugal tem dois caminhos possíveis: ou as “reformas estruturais”, ou a “saída do Euro”. Ambos têm os seus custos, mas ambos dariam talvez uma nova competitividade à economia. As “reformas estruturais” significariam libertar o país do peso das rendas que o Estado garante a muitas corporações, classes profissionais e grupos de interesse. A “saída do Euro” serviria para voltarmos a ser o Portugal de mão-de-obra barata das desvalorizações do escudo nos anos 70 e 80. O PCP e o BE falam de saída do Euro e o PSD e o CDS de reformas estruturais. Mas nenhum deles, até agora, fez essas ideias corresponder a um programa para ser debatido e decidido em eleições. O PS de Pedro Nuno Santos não fala nem de uma coisa nem de outra. A sua visão de sociedade corresponde bem a esta sociedade sem visão.