A comunicação social está na “berra” por causa dos subsídios do Estado. Se fosse esse o seu único problema poderíamos dormir descansados. Mas não é. O problema é mais antigo e deve-se à falta de pluralidade e de um jornalismo que seja representativo de todos os sectores da sociedade portuguesa.
A imprensa é um contrapoder essencial para o funcionamento de qualquer sociedade democrática. A sua primeira função é dar informação e o seu conteúdo é determinante para a liberdade. Mas a imprensa actua também como um quarto poder, em complemento dos outros três expostos por Montesquieu. Quando actua como contrapoder, a imprensa está efectivamente a fiscalizar os restantes e tem por isso uma imensa influência na sociedade, pois condiciona a visão que o seu público tem.
Mas este poder só é útil se for usado para promover a liberdade e o pluralismo numa sociedade descentralizada, para divulgar ideias e valores diversificados e uma análise séria mas variada sobre a situação nacional e internacional.
Uma imprensa livre não é obrigatoriamente neutra, pois esse é um eufemismo de quem não quer admitir que os jornalistas têm preferências e ideias políticas próprias. Como qualquer ser humano, e ainda mais como qualquer ser humano directamente envolvido em questões políticas, os jornalistas não são neutros, nem devem pretender ser.
Em Portugal, esta questão é frequentemente distorcida porque os jornalistas tendem a confundir rigor com isenção. Ser rigoroso significa apresentar os factos como eles são e ser isento é não transmitir qualquer posição sobre um assunto. São duas coisas bastante diferentes. Mas os jornalistas portugueses destacam sempre a sua isenção, que terá como consequência lógica, segundo pensam, o rigor no seu trabalho. Na realidade, os bons jornalistas (e não serão muitos) são muito mais rigorosos do que isentos.
É verdade que há situações em que isso não sucede. Um exemplo clássico é o número de participantes em greves que a CGTP anuncia, e que a comunicação social apresenta sempre como sendo verdadeiro, sem qualquer sentido crítico – muitas vezes limita-se a repetir a informação que a CGTP forneceu à Lusa, onde esta central está bem representada.
Ficaram célebres as fotografias no Terreiro do Paço de uma manifestação convocada pela CGTP que não o enchia mas que os jornais anunciaram como tendo meio milhão de participantes, e da Missa celebrada pelo Papa Bento XVI que estava à cunha e que a comunicação social anunciou como tendo 5 vezes menos (100 mil pessoas).
Nestes casos é difícil saber se há intenção ou se é ligeireza, mas também é difícil de acreditar que os jornalistas nunca pretendem induzir o público em erro. O caso da CGTP é evidente, os jornalistas já teriam aprendido se quisessem. Alguns não querem.
A falta de isenção sempre foi evidente no jornal Público e na rádio TSF, por exemplo, cujos jornalistas promoveram o Bloco de Esquerda desde o seu início. O actual apoio ao Bloco dado pelo jornal Expresso e pela SIC é muito mais recente. Ou ainda nas sondagens eleitorais organizadas por militantes partidários que não são referenciados pela comunicação social quando as noticiam. Todos recordamos o mau jornalismo que foi a publicação de sondagens nas eleições de Novembro de 2015, quando semana após semana o Expresso apresentava resultados favoráveis por larga margem ao partido que seria derrotado nas eleições.
Acontece que a falta de isenção não é em si um problema desde que haja transparência e os jornalistas assumam as suas ideias sem tentar intoxicar o público disfarçando-as nas notícias. Apenas há fragilidade quando apoiam uma causa e se fingem isentos, enganando desta forma o público.
Em Portugal não é a falta de rigor ou de isenção que tornam a imprensa frágil. O caso da CGTP exemplifica o seu principal problema: a falta de pluralidade, de órgãos de comunicação social que transmitam visões diversificadas sobre a sociedade portuguesa. A comunicação social portuguesa influencia a visão do seu público, mas normalmente sempre na mesma direcção.
Há quatro áreas que o confirmam e que vão para além da muito badalada influência da Universidade Nova:
1 – A qualidade da maioria dos jornalistas deixa a desejar. Há uma velha máxima que diz que as rádios noticiam, as televisões mostram e os jornais explicam. Muitos jornalistas acreditam que isto é verdade mas em Portugal não se aplica. Não são transparentes os critérios seguidos pelas rádios para noticiar e pelas televisões para mostrar. E os jornais nacionais pouco explicam do que verdadeiramente se passa porque a investigação é rara.
A razão é que os jornalistas assumem ter flexibilidade suficiente para discorrer sobre todos os assuntos, mesmo que muitas vezes estejam apenas a repetir argumentos que ouviram. Talvez por esse motivo, ou talvez porque o número de pretendentes a jornalista (estagiários, avençados) seja elevado, têm dificuldade em contra-argumentar quando entrevistam um político ou um professor. Mas como o jornalismo é muito opinativo, recorre a entrevistados cujo conhecimento dos temas é frequentemente deficiente mas de quem se espera opiniões sobre tudo, mesmo sobre o que não percebem.
Isto não quer dizer que os bons jornalistas portugueses não tentem ser rigorosos, e não me parece ser por aqui que a imprensa portuguesa está atrás da de outros países. Mas que o grau de exigência em Portugal face aos jornalistas é baixo ficou comprovado pelas reacções às perguntas feitas na entrevista da Ministra da Saúde a seguir às comemorações do 1º de Maio.
2 – As notícias internacionais que a imprensa portuguesa veicula transmitem uma perspectiva única sobre os assuntos. A chamada “imprensa de referência” internacional usada como fonte pela comunicação social portuguesa é toda conotada com a esquerda e apresenta toda a mesma perspectiva: CNN, The Guardian, The New York Times, TheWashington Post, El País ou Le Monde repetem-se nos mesmos argumentos quando abordam o mesmo assunto.
Os exemplos vão desde o odiado Trump ou o Brexit, onde a comunicação social repete ad nauseam e em uníssono sempre a mesma perspectiva, até ao Covid-19, em que converge com unanimidade na crítica aos EUA ou ao Brasil e desvia um olhar que deveria ser crítico perante a incompetência dos governos em Itália, França ou Espanha. O facto de 99% dos jornalistas portugueses ter simulado votar Obama é revelador da pobreza da imprensa nos assuntos externos.
Note-se que não há mal nenhum em citar aqueles jornais quando têm notícias que interessam ao público português. Mas quando as citações são quase exclusivas é porque os jornalistas estão a fazer uma escolha, e essa escolha tem uma razão de ser. Em suma, quando quisermos perceber o que se passa no estrangeiro temos de recorrer a fontes locais.
3 – Outra razão para a diminuta pluralidade da imprensa portuguesa é a dimensão do mercado. A comunicação social portuguesa deu um “tiro no pé” quando começou a disponibilizar gratuitamente o seu trabalho. Não sei se foi porque ia de encontro aos preconceitos anticapitalistas com que os nossos jornalistas são moldados, ou porque os seus concorrentes também o faziam ou porque o viam lá fora. A verdade é que a comunicação social se condenou a um défice financeiro permanente (e daí a “alegria” pelos subsídios que agora receberam), apenas parcialmente coberto pelas receitas de entretenimento.
Também não sei se é por falta de recursos e de receitas que todos os órgãos tendem a noticiar o mesmo. Como se copiam uns aos outros, geralmente apresentam a mesma versão, confirmada pelos mesmos comentadores “especialistas”. Na realidade, quem lê um jornal lê-os todos, e não precisa de ver telejornais à noite ou de ouvir noticiários na rádio. O que leva a pensar se não haverá mais comunicação social do que aquela que é necessária em Portugal.
4 – A falta de pluralidade na imprensa portuguesa também está associada à dependência do Estado. Um dos sinais evidentes da sua fragilidade é a existência de uma agência Lusa estatal, para além da RTP. É verdade que a comunicação social já não depende de telexes, mas também é verdade que os jornais normalmente se limitam a transcrever o que a Lusa lhes envia, sem qualquer verificação.
Esta prática jornalística é duplamente perigosa. Primeiro, porque reduz a diversidade de pontos de vista, como é desejável em sociedades livres. Segundo, porque tem origem numa entidade do Estado, controlada pelo Governo, que é exactamente a quem a comunicação social deve fiscalizar em primeiro lugar. E este problema é agravado pela promiscuidade existente entre jornalistas e governantes e a publicação de notícias por encomenda.
As quatro razões são suficientes para justificar a preocupação com a falta de pluralismo na comunicação social. É um meio corporativo, que alimenta um falso consenso amplificador de um olhar parcial, e que afunila as notícias e abafa a diferença. Apesar das redes sociais e do digital, a imprensa portuguesa precisa de muito mais pluralismo para que possa efectivamente representar as diferentes visões que coexistem na sociedade portuguesa.
Daqui resulta que a imprensa constitui uma das fragilidades da nossa democracia e esse é um aspecto com que nos devemos preocupar. Especialmente se a compararmos com países onde a democracia já é uma tradição enraizada há muitos anos, como o Reino Unido ou os EUA, onde existe uma diversidade muito grande de órgãos de comunicação social, em que diferentes posições são abertamente noticiadas e defendidas.
O facto de haver alguns jornais nacionais diferentes, porque especializados, não invalida esta conclusão. Aliás, essa é uma possível explicação para as vendas de jornais desportivos e do Correio da Manhã. As pessoas pressentem que as notícias destes meios de comunicação estão desligadas da isenção encapotada que existe na imprensa. Crimes e golos levam a discussões que não afectam o funcionamento da democracia e, no primeiro caso, mostram uma realidade que as pessoas sabem que existe mas que a imprensa “de referência” despreza.