Há questões importantes que nunca se tornam notícias. Algumas surgem sem ninguém notar e desaparecem do mesmo modo. Outras estariam destinadas ao esquecimento até que um acontecimento inesperado as recupera. Os ataques de Paris recuperaram uma proposta legislativa da Comissão Europeia, perdida nos gabinetes do Parlamento Europeu.
Em Fevereiro de 2011 (há quase quatro anos), a Comissão Europeia propôs uma Directiva sobre os dados de passageiros de voos entre países da União Europeia e outros países (“Passenger Name Record”). A proposta da Comissão é absolutamente clara em relação aos seus objectivos: proteger a segurança dos países europeus das ameaças das redes terroristas e do crime organizado. A Comissão teve o cuidado de incluir uma séria de medidas para proteger a privacidade individual. A proposta está em conformidade com o espírito liberal dos direitos fundamentais.
A aprovação da Directiva e a sua transposição para as ordens jurídicas nacionais permitiria um maior controlo sobre as viagens de terroristas entre a Europa e os países do Médio Oriente e reforçaria a cooperação entre as autoridades nacionais. Os dois objectivos são cruciais para reforçar a segurança dos cidadãos europeus. E não é difícil de perceber. O terrorismo não ameaça a França, o Reino Unido ou a Alemanha. Ameaça a Europa, como a última década demonstrou. Por isso, os países europeus devem reforçar a cooperação na luta contra o terrorismo.
Pelo que sabemos sobre as redes terroristas, e sobre os ataques terroristas dos últimos dez anos na Europa, a generalidade dos jihadistas viaja frequentemente para o Iraque, a Síria, o Iemen, o Paquistão. Nestes países, tornam-se mais radicais e recebem os treinos que permitem atacar e matar. Um controlo mais rigoroso destas viagens permite um melhor conhecimento sobre as intenções e movimentos dos jihadistas.
No entanto, o Parlamento Europeu recusou, até hoje, aprovar a proposta da Comissão. Em 2013, o Comité parlamentar dos Direitos Fundamentais (LIBE) votou contra a Directiva. Nem todos os grupos políticos se opõem à proposta da Comissão. Os grupos de centro direita, o PPE e os conservadores, são a favor. Há, contudo, uma maioria composta pelos liberais, os socialistas e os verdes, que rejeitam a nova legislação, em nome da proteção da privacidade individual, dos dados pessoais e do princípio da não-discriminação.
Os ataques de Paris podem alterar a situação de um modo significativo. Numa reunião em Paris no Domingo, uma grupo de ministros do interior europeus pediu ao Parlamento Europeu para alterar a sua posição e aprovar a proposta da Comissão. E governos de esquerda, como o francês e o italiano, também querem a aprovação da Directiva, o que irá aumentar a pressão política sobre a maioria de esquerda no Parlamento. O episódio mostra de resto a diferença entre o realismo da esquerda que governa e a recusa de aceitar a realidade por parte da esquerda que não tem que governar. Um dos relatores parlamentares, o deputado verde alemão, Jan Philipp Albrecht, já afirmou que o Parlamento continuará a opor-se à proposta da Comissão. Vejamos como se irá resolver o braço de ferro entre os governos nacionais e os deputados europeus. Será um boa indicação sobre as lições do ataque ao Charlie Hebdo.