Estamos tramados. Acabei de ver o Rodrigo Guedes de Carvalho com aquele ar de educador das massas, a dar as últimas notícias sobre o crescimento do Covid. Fugi logo da SIC. Mas a RTP, a TVI e a CMTV também só falam sobre o Covid.

Antes de se entrar de novo num estado de pânico e histerismo total, convém dar um pouco de atenção aos números. Entre 2 de Março e ontem (22 de Setembro), houve cerca de 70 mil casos de Covid em Portugal. Ou seja, cerca de 0,7% da população portuguesa. Menos de uma pessoa em cem apanhou Covid. Dito de outro modo, é cerca de 7 pessoas em mil habitantes.

Dos 70 mil casos de Covid, houve cerca de 2000 mortes, e 68 mil casos de recuperação. Ou seja, 3% dos casos com Covid perde a vida, mas cerca de 97% recupera. Tenho absoluta consciência de que a linguagem dos dados é fria, e que os mortos são muito mais do que números. Não quero seguramente magoar algum leitor. Mas os números são importantes para encararmos os problemas de um modo racional, para evitar males bem maiores.

Continuando com números, a taxa anual de mortalidade em Portugal, até 2019, era de cerca de 10 pessoas por mil habitantes, ou seja um por cento. Em Portugal, o número de mortes por mil habitantes, até 2019, era superior ao número de infectados por Covid. Continuam assim a morrer muito mais pessoas por outras doenças do que por Covid. Há ainda dados de hospitais e de instituições de saúde que nos dizem que há falta de cuidados médicos para doenças que matam mais do que o Covid.

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Não nego a gravidade do Covid, mas a nossa reação está a causar danos muito mais sérios para o país. Dito de outro modo, não há uma relação racional entre a gravidade do Covid e os danos que as reações das pessoas e algumas decisões das autoridades estão a causar ao país.

O que se passou entre o início de Março e o final de Agosto em Portugal foi irreal. A maioria das pessoas foi para casa, sem que aumentasse o desemprego. Os bancos ofereceram moratórias ao crédito à habitação. Por isso, muitos portugueses, paradoxalmente, acabaram com mais recursos disponíveis. Depois veio o Verão, e nessa época os portugueses em geral abandonam o mundo e vão para a praia.

Só agora se vai encontrar a realidade que começou a emergir em Março. E não é nada agradável: uma recessão económica de mais de 10%, o desemprego a aumentar (e praticamente todo no sector privado, aquele que paga sempre a maiores facturas em todas as crises), os ordenados vão baixar, e a pobreza vai agravar-se. Será uma tragédia social e económica.

Não estamos numa “segunda vaga”, nem devemos falar de vagas. O Covid estará entre nós até chegar a vacina. Será difícil haver uma vacina acessível ao público antes do fim do próximo ano. Não podemos viver com medo e cheios de restrições até chegar a vacina. Não é aceitável ter pessoas a passar fome e a perder as suas casas por causa do Covid.

Os nossos antepassados enfrentaram problemas muito maiores, e não foi assim há tanto tempo. E os nossos descendentes viverão igualmente com problemas mais sérios, se não soubermos enfrentar riscos, incertezas e o medo com racionalidade e sensatez.

Os hospitais estão melhor preparados do que estavam em Março. Há mais equipamentos médicos. Há um conhecimento mais aprofundado sobre a pandemia. Sabemos quem são os grupos mais vulneráveis. Vamos protegê-los com profissionalismo e dedicação. Quanto ao resto, vamos tomar as precauções necessárias, sem exageros e sem pânico, e levar uma vida o mais normal possível. Sobretudo, vamos trabalhar para salvar o futuro e vamos exigir que os nossos filhos estudem e vão às escolas e às universidades.

O Covid também é, no limite, um teste ao nosso amor pela liberdade. Os confinamentos diminuem-nos como cidadãos. Devemos querer e saber libertar-nos desta prisão mental, chamada Covid. Assim exige a nossa dignidade.