Parece que abundam razões, à esquerda e à direita, para não votar no actual Presidente da República. À direita, há quem até tenha dez. Resta-me invejar tanta opulência. Eu sou mais modesto. Para votar no Presidente não tenho dez razões, nem nove, nem cinco, nem sequer duas. Mas tenho uma. E essa me basta, na sua simplicidade: não consigo descortinar nenhuma vantagem em enfraquecer a Presidência da República nos próximos cinco anos; pelo contrário, vejo várias desvantagens.

Porque é que as mais azedas reacções contra a reeleição do Presidente provêm da direita? Por esses lados, dir-se-ia às vezes que o Presidente se transformou numa espécie de Donald Trump, de quem fica sempre bem dizer mal. Parte dessa desafeição, como seria de esperar, tem explicação em manobras partidárias. É o caso, por exemplo, da facção derrotada no último Congresso do CDS, incompatível com o Presidente da República apenas na medida em que está determinada a pôr em causa tudo o que possa dar algum crédito a Francisco Rodrigues dos Santos, seja o acordo dos Açores, seja a reeleição de Marcelo Rebelo de Sousa. É também o caso dos novos partidos de direita, o Chega e a Iniciativa Liberal. Ambos viram em candidaturas presidenciais uma oportunidade para captarem o suposto “descontentamento” dos eleitores do PSD e do CDS. Para isso, convém-lhes fingir que o Presidente é o principal, quando não mesmo o único responsável do que aconteceu nos últimos cinco anos, dos fogos de Pedrogão à epidemia.

Mas para além destes interesses de comércio partidário, há desilusões sinceras e objecções sustentadas. Não vou, a esse respeito, tentar reconciliar ninguém nem disputar factos. Vou apenas chamar a atenção para esta coisa que me parece paradoxal: uma direita que se diz muito impaciente com o governo socialista, mas a quem não ocorre melhor maneira de enfraquecer esse governo senão atacar e diminuir o Presidente da República. A pergunta é esta: em que medida é que o poder de António Costa será abalado se o Presidente tiver um resultado que possa ser interpretado no sentido de o limitar no exercício das suas funções? A quem interessa debilitar o Presidente?

Há quem, como solução para o imbróglio, avance esta teoria: uma má votação seria entendida pelo Presidente como um aviso para ser menos condescendente com António Costa. Mas como é que o Presidente da República, menorizado por uma reeleição frouxa, iria enfrentar António Costa, quando este, com alguma razão, até poderia reclamar a recondução de um Presidente acusado de ser seu colaborador como mais uma prova da confiança do eleitorado no governo?

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Posto isto, não, não vou argumentar que um Presidente reeleito com uma grande votação será mais agreste com o governo socialista. Ninguém deve esperar nada do Presidente da República, a não ser que cuide do regular funcionamento das instituições democráticas. Dirão os mais cépticos: mas o presidente nem sempre terá feito isso no primeiro mandato. É provável que o presidente tenha, por vezes, entendido ser mais importante conservar alguma estabilidade governativa do que arriscar uma ruptura que nada, em nenhum momento, indicou poderia corresponder a uma alternativa. É também provável que, por vezes, o tenha feito com excesso de zelo. E é ainda provável que o mesmo possa suceder num segundo mandato. Digo de outra maneira, para que fique claro: não espero iniciativas presidenciais. Mas neste momento, dentro do país, é a Presidência da República que pode zelar pela regularidade democrática. É bom registar o óbvio: trata-se da única instituição do regime não capturada pelo poder socialista – depois das ocupações do Banco de Portugal, da Procuradoria Geral da República e do Tribunal de Contas. Dir-me-ão: mas o Presidente deveria tê-las evitado. Não vou discutir isso. Pergunto apenas: uma vez consumadas, qual a vantagem em contribuir para anular a instituição que ainda está de fora da colonização socialista?

Marcelo Rebelo de Sousa é o primeiro Presidente neste regime que se diz de direita (mesmo que através da fórmula bastante infeliz da “direita social”, a que se costuma dar um sentido mais sociológico do que político). Nas actuais eleições, é o único candidato – com a natural excepção de André Ventura – a reconhecer o Chega como um partido democrático. Por isso mesmo, é também o único candidato de quem se poderá esperar que dê posse, se isso se proporcionar, a um governo apoiado numa maioria parlamentar de direita como a dos Açores. Os outros candidatos – mais uma vez, com a natural excepção de Ventura –, não. Uns querem proibir o Chega; outros recusam um governo com o Chega. Caso o Chega consiga consolidar-se no leque partidário da direita, essas  intransigências só podem ter um resultado: sacrificar indefinidamente o país no altar da estagnação e retrocesso socialista. Marcelo Rebelo de Sousa, culpado à direita por tolerar a governação socialista, é no entanto o candidato que admite uma eventual alternância no governo e o fim do poder socialista.

Não sei se essa transição irá acontecer nos próximos anos. Sei, porém, que, a acontecer, não será fácil. Que ninguém tenha ilusões: socialistas, comunistas e neo-comunistas receberão um próximo governo de direita, quando esse governo vier, aos gritos de que é o fim da democracia e o advento do fascismo. Fá-lo-iam de qualquer maneira, como fizeram sempre que a direita chegou ao poder, com Sá Carneiro, Cavaco Silva, Durão Barroso, ou Passos Coelho. Mas agora, se a nova maioria integrar uns quantos deputados do Chega, teremos um escarcéu de fim do mundo, tanto mais que às manifestações, greves gerais, e barricadas da esquerda, não deixará certamente de se juntar o refugo dos dissidentes do PSD e do CDS, agora sempre muito empenhados em provar “purezas democráticas”. Repito: não sei se essa transição irá acontecer nos próximos anos. Mas se acontecer, podem estar certos de que terá um capítulo na história. Estão chocados com a recusa de Trump em sair graciosamente da Casa Branca? Pois nada se comparará à saída dos socialistas de São Bento, se isso lhes parecer o princípio do fim do seu senhorio em Portugal. E é para assegurar o regular funcionamento das instituições num momento desses, que importa um Presidente da República forte — forte pelo voto popular, e forte, perante a opinião pública, pela independência demonstrada no exercício das suas funções. Por essa razão, e tendo presente tudo – tudo, repito – o que se passou nos últimos cinco anos, votarei mais uma vez em Marcelo Rebelo de Sousa.