Desde há pouco mais de uma semana, a Venezuela tornou-se um barril de pólvora. A chamada “Oposição” organizou um plebiscito simbólico perguntando à população se favorecia a permanência do governo e sete milhões apareceram para dizer que não. Esta demonstração da vontade popular está longe de ter convencido Nicolás Maduro, que está preparado para o verdadeiro referendo revogatório deste domingo. Os resultados, sejam eles quais forem – com a agravante de que podem ser falsificados – têm consequências imprevisíveis. Há quem vá apontado para uma possível guerra civil.

A verdade é que sabemos pouco sobre o conflito do ponto de vista interno. Contam venezuelanos expatriados que a cortina de fumo é demasiado espessa, e que as campanhas de desinformação, de ambos os lados, já deixaram de ser controláveis.

Por um lado, sabemos que Hugo Chavez, eleito em 1998, governou como um populista, especialmente a partir de 2004, quando enfrentou o seu próprio referendo revogatório: granjeou enorme popularidade junto da população, rural, mais desfavorecida, e a partir daí apresentou-se, com sucesso, como o pai do povo venezuelano, foi distribuindo petrodólares. Sempre que surgiu a oportunidade, usou meios eleitorais para aumentar os seus poderes constitucionais. Simultaneamente, construiu uma rede de clientelistas, incluindo nas esferas militares de onde era oriundo, beneficiários diretos do seu poder, rede essa que deixou de herança a Maduro, quando morreu em 2013. Essa, e um fortíssimo antiamericanismo, que continua a alimentar parte da elite do PSUV.

Mas a Nicolás Maduro (que pretende fazer o mesmo que Chavez) faltam três elementos: carisma, a devoção dos pobres e cofres cheios para manter os laços patrimoniais. Mais, desde 2014, a má gestão do país levou a que se atingissem níveis de hiperinflação nunca vistos. Falta quase tudo na Venezuela e a ajuda humanitária não consegue entrar. Maduro vai mantendo os seus fieis, quer por razões de sobrevivência política quer por razões verdadeira crença na revolução bolivariana. Seja qual for o motivo, todos sabem que a queda do presidente resultaria num qualquer tipo de destituição do status quo a que se agarram com unhas e dentes.

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Já a oposição, não se encontra em muito melhor estado. Os radicais, que acabam por dominar pelo seu ímpeto já revisionista, têm como objetivo o derrube total do regime e a substituição por um de tipo completamente diferente – na senda da social democracia. O objetivo é nobre, mas a verdade é que a história do mundo, especialmente a da América do Sul, mostra-nos que o sistema não funciona assim. Transições abruptas acabam, regra geral, em tragédias e, muito frequentemente, em regimes mais autoritários que os anteriores. Daí que os moderados, menos influentes, prefiram manter parte das estruturas oligarcas no poder. Mas também é uma pobre solução, uma vez que as oligarquias tendem a ter um controle muito forte sobre os recursos, deixando a população em maus lençóis.

Tudo este cenário acontece num vazio de poder. Se por um lado o secretário geral da OEA, o Mercosul, a Argentina e a Colômbia têm tentado intervir diplomaticamente, sem sucesso, o único estado que poderia fazer verdadeiramente a diferença, o Brasil, está perdido nos seus próprios problemas internos. A eleição de Lula, a acontecer, poderia mudar um pouco o panorama. Mas não só não é garantida (ainda que seja provável, se não for travada pelos tribunais) como ainda faltam 10 meses, o barril de pólvora venezuelano pode, entretanto, explodir. E como é visto por quase todos – de um lado ou outro do espectro político – como um jogo de tudo ou nada, a cada dia joga-se o destino de um povo. Sobram os Estados Unidos, ainda interessados na pacificação da América do Sul. Mas as sanções seletivas (decretadas há dias) não tiveram resultados significativos em situações anteriores e outro tipo de sansões – mais generalizadas – apenas castigarão a população e darão ao regime de Maduro mais munições contra os vizinhos do Norte.

Assim, o problema da Venezuela é quase um beco sem saída. Não vejo outra solução para além da diplomacia, na forma de arbitragem, para evitar um desastre. Mas mesmo esta terá de vir de nações amigas de cada um dos lados, uma vez que a confiança nas organizações internacionais é quase nula.

E para que fique claro: numa era de polarização social generalizada um pouco por todo o mundo, a melhor solução é a tentativa de encontrar consensos, antes que seja tarde demais. A Venezuela é um tristíssimo exemplo do que pode acontecer num momento de crise política (neste caso, a morte de Hugo Chavez). Estes desafios podem tornar as divisões sociais num jogo de soma-zero. E aí, as soluções são tão escassas, que o futuro, pelo menos próximo, tende a ser irreparável.