Pais de todo o país vivem no tempo de Verão e férias grandes uma realidade particularmente feliz e gratificante: os filhos que vivem e estudam ou trabalham fora de Portugal, voltam a casa. Ou já chegaram, ou estão mesmo a chegar. As vésperas da sua vinda são dias de emoção e agitação. Para alguns, de reflexão e balanço, pois a distância permite-nos pôr tudo em perspectiva e até os defeitos dos nossos filhos se diluem ou parecem deixar de ter consistência.
A vida é acelerada e os semestres académicos passam num instante. Os anos de estudo e trabalho fora, noutros países, também já não parecem tão longos como antigamente. Aliás, a própria palavra ‘antigamente’ deixou de ter o mesmo sentido, dada a velocidade a que vivemos. Hoje em dia podemos usar ‘antigamente’ para recuar um par de anos, ou recordar acontecimentos passados há apenas uma década. Os nossos pais e avós, esses sim, usavam ‘antigamente’ para falarem de um tempo mais remoto, porventura ancestral.
Hoje, amanhã, depois e depois, são dias de chegada de filhos. Uns vêm apenas por breves dias, outros por semanas ou meses, mas também há os que voltam ao país, depois de um ciclo mais ou menos demorado de estudos no estrangeiro. É o caso, cá em casa. Hoje contamos as horas para ir para o aeroporto ao fim do dia esperar que aterre o avião que traz o nosso filho de volta, depois de 7 anos de estudos longe de casa.
A alegria que sentimos na antecipação da volta dos filhos é uma combinação exaltante de memórias de intimidade familiar, desejo de proximidade, muito respeito pela sua autonomia e fascínio pelas suas descobertas, bem como admiração pela sua realização pessoal e profissional. Os pais de todo o mundo sabem que hoje em dia o tempo de motherhoo de fatherhood é muito curto. São-nos dados viver, em média, 18 anos com os nossos filhos. Só. Depois, estão prontos para a vida. Ganham asas e voam. Voltam sempre, mas nunca iguais ao que eram quando começaram a viajar. Chegam diferentes, cheios de histórias que não contam e segredos que não desvendam. Coisas só deles que já não lhes faz sentido partilhar connosco.
A nós, contam-nos trivialidades e até respondem com razoável abertura se lhes fazemos perguntas concretas, mas poupam nos detalhes e dizem apenas o essencial. Claro que haverá sempre os mais extrovertidos e conversadores, mas a esmagadora maioria dos filhos não conta em casa o que vive na rua. É um clássico eterno, universal. Começa muito cedo a idade de guardarem só para si essas vivências, e ainda bem que assim é pois é sinónimo de crescimento saudável e maior fortaleza interior.
Nós, pais, gostávamos que falassem muito mais connosco, que se revelassem tal como são e com a mesma naturalidade que mostram quando estão com os amigos e os outros, que não são família, mas eles resistem a exprimir o que sentem e não contam o que vivem. Faz parte e é importante que assim seja, sabemos isso, mas aqui que eles não nos ouvem, custa aceitar esta distância crescente do quotidiano dos filhos. Mais do que a distância geográfica, pesa a distância daquilo que experimentam e descobrem em lugares que desconhecemos ou nunca nos serão completamente familiares. Longe de casa, habituam-se a gerir a sua vida, o seu tempo e o seu dinheiro. Aprendem a lavar a sua roupa e a cuidar das suas casas (ou quartos), sofrem sozinhos e alegram-se com os amigos, mas raramente nos ligam para falar do melhor e do pior.
Quando as coisas lhes correm bem até dão sinal de vida ou mandam mensagens, mas nos dias piores ou nas fases difíceis isolam-se e protegem-se. Protegem-nos.
Há uma excepção no que toca a pegarem no telefone para nos falarem: quando estão curtos de dinheiro. Aí não há delay de espécie nenhuma e o imperativo é tal que nos ligam na própria hora. Também faz parte.
Custa-nos a distância crescente relativamente aos nossos filhos, mas nem sequer é por inclinação nossa à devassa da sua vida privada. Embora haja mães e pais invasivos, perguntativos, que se acham no direito de saber tudo o que diz respeito à vida dos filhos, a maioria dos pais sabe que deve respeitar a vida privada dos filhos e não lhes fazer demasiadas perguntas. Mães e pais de todo o mundo sentem uma necessidade primordial de os acompanhar, proteger, sossegar, ajudar, encorajar, resgatar, enfim de os educar e preparar para a vida.
Acontece que por vivermos esta realidade, com mais e menos sacrifícios, durante os tais 18 anos, ficamos com a ilusão de que podemos manter esta relação com os filhos pela vida fora, mas na verdade só podemos cultivar o ascendente e a influência que temos sobre eles. Podemos e devemos continuar a ser a sua grande referência e o seu porto de abrigo, mas no que toca a autoridade e poder, perdemos automaticamente quase todas as prerrogativas mal eles apanham o primeiro avião para viajarem sem nós.
Os nossos privilégios de pais, bem como a nossa vantagem de sermos quem os conhece melhor desvanecem-se. Percebemos as regalias que tínhamos, quando as perdemos. É sempre assim e acontece com tudo na vida. Pais e filhos não são excepção. Quando são pequenos e os temos connosco, podemos queixar-nos do cansaço, das exigências diárias ou de não termos tempo para nós, mas quando crescem e partem para longe, a ausência dos filhos e a certeza de que não voltam a morar permanentemente connosco, mostra quão curto e rápido foi o tempo em que vivemos juntos e os tivemos sob o nosso manto protector.
Vem isto a propósito da volta dos filhos nestes dias em que nós, pais, preparamos o coração e a casa para os recebermos. Alguns voltarão em breve para países e cidades longínquos, mas os felizardos que esperam sabendo que os seus voltam para ficar, esses vivem uma alegria a dobrar. Por um lado, porque é importante sentir que apostam neste país e querem dar o seu contributo, por outro, porque voltamos a sentir-nos pais inteiros, sem o coração dividido pela distância. Por tudo isto e porque desta vez chegam no auge do Mundial de Futebol, a tempo de também torcerem connosco pela Selecção, apetece gritar: Viva Portugal e vivam os nossos filhos em Portugal!