A ideia já vem da campanha eleitoral e gerou polémica desde o início. António Costa, primeiro-ministro, queria usar 1.400 milhões de euros do Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (FEFSS) para investir na reabilitação urbana. No início de abril, Costa repetiu o número — e alarmou a oposição. Mas no Programa Nacional de Reformas, enviado no final do mês passado para Bruxelas, só constam 500 milhões de euros. Vieira da Silva, ministro do Trabalho, confirmou ao Observador que o último número é o que vale.

O tema será debatido esta quarta-feira à tarde no Parlamento, durante um debate em plenário a partir de uma interpelação do PSD, sobre a sustentabilidade da Segurança Social e o uso do FEFSS. Até agora, as declarações públicas do Executivo sobre o assunto apontavam para a utilização de cerca de 10% do dinheiro do FEFSS, os tais cerca de 1.400 milhões de euros, para financiar a reabilitação urbana. Na sessão de abertura da “Semana da Reabilitação Urbana de Lisboa”, a 4 de abril, o primeiro-ministro foi claro:

Para criar este novo segmento de rendimento acessível no mercado, o Governo vai ele próprio investir através do Fundo de Estabilidade Financeira da Segurança Social cerca de 1.400 milhões de euros na recuperação do património, alargando as fontes de financiamento da Segurança Social.”

Contudo, no PNR, aprovado a 29 de Abril em Conselho de Ministros, o valor inscrito é muito menor: prevê-se que o Fundo Nacional de Reabilitação do Edificado venha a recuperar 2.702 fogos degradados até 2020, com os projetos e as obras a arrancar no próximo ano (2016 será um ano de programação). Para isso, conta com 500 milhões de euros vindos do pé-de-meia dos pensionistas.

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“Não é bem uma revisão em baixa”, garante o ministro do Trabalho e Segurança Social, Vieira da Silva, em declarações ao Observador, esta quinta-feira. “Pode ter havido algum mal-entendido, já que o limite que está fixado no regulamento do FEFSS é de 10%”, sugere o governante.

Vieira da Silva esclareceu que o Executivo espera que o novo fundo para a reabilitação urbana venha a ter uma dimensão na ordem dos 1.500 milhões de euros, mas este valor não corresponde todo a financiamento vindo do FEFSS. Parte deste montante será proveniente do valor patrimonial dos próprios imóveis. Do dinheiro dos pensionistas, só serão investidos os 500 milhões de euros previstos no PNR, até porque o FEFSS já tem, neste momento, participação noutros fundos de investimento imobiliário.

Governo quer usar “dinheiro sagrado”

Mas a ideia do Governo não foi bem recebida pela oposição — que continua, aliás, a tomar como referência os 1.400 milhões de euros de investimento. “Este dinheiro é sagrado, porque resulta do suor do rosto dos trabalhadores”, defende Adão Silva, o deputado social-democrata especialista em assuntos de Segurança Social. Para o PSD, dar esta utilização ao dinheiro do FEFSS é “errado”. Adão Silva explica porquê:

Primeiro, não há estudos que suportem a opção; segundo, porque é uma aposta aventureira; e terceiro porque há outras formas de cofinanciar a reabilitação urbana.”

Adão Silva argumenta que as atuais aplicações do Fundo estão com taxas de rendibilidade “entre 5% e 6% ao ano”. E que não há estudos que demonstrem que o investimento na reabilitação urbana traga rendibilidades superiores.

A ideia oferece “as maiores dúvidas”, reforça, porque o fundo de investimento em causa prevê, conforme disse António Costa a 4 de abril, rendas acessíveis. “O fundo de investimento na reabilitação urbana é para rendas apoiadas, portanto o rendimento é baixo”, conclui o social-democrata.

Neste momento, o regulamento autoriza o FEFSS a aplicar 90% dos seus ativos em dívida pública. A alteração que permitiu aplicar uma fatia tão significativa do dinheiro do fundo em dívida pública foi feita no verão quente de 2013, através de uma portaria publicada um dia depois da carta de demissão do então ministro das Finanças, Vítor Gaspar, ter sido entregue ao chefe do Executivo, Pedro Passos Coelho.

O mesmo regulamento autoriza ainda que 10% do dinheiro seja investido em imobiliário ou fundos de investimento em imobiliário. É normal este tipo de ativos fazer parte da carteira de investimento dos fundos de pensões, já que são investimentos pensados a longo prazo.

A questão coloca-se sobretudo por ser um fundo de investimento de reabilitação urbana — envolve o risco da recuperação dos edifícios — e de rendas controladas. É suposto que o Fundo procure a rendibilidade máxima das suas aplicações, o que não parece compatível com casos de rendas acessíveis.

Confrontado pelo Observador, Vieira da Silva contrapõe:

Rendas acessíveis não são rendas sociais, são rendas de mercado. Não são rendas especulativas, mas o fundo não faz política social.”

O ministro garante que o objetivo do novo fundo de reabilitação é “influenciar os preços de mercado” de modo a que “a classe média possa ter uma oferta de habitação que possa pagar”. Contudo, as rendas praticadas têm de garantir a rentabilidade do próprio fundo de imobiliária, assegura.