“Mas, afinal, o que querem as mulheres?”. A pergunta atormenta os homens da atualidade, desesperados por entender como compreender a natureza metafórica do género feminino. Que nenhum homem se sinta sozinho nesta busca pelo conhecimento. Nem na contemporaneidade, nem na História dos grandes investigadores da mente humana. Porque até Sigmund Freud, que nasceu há 160 anos, sabia que as mulheres eram um mistério da criação.

A grande questão que nunca foi respondida, e para a qual eu também nunca fui capaz de encontrar uma resposta apesar dos meus trinta anos de investigação pela alma feminina, é: o que quer uma mulher?

De facto, Sigismund Schlomo Freud – o nome completo deste médico neurologista judeu natural da Áustria – viveu sempre rodeado de mulheres. Se a vida deste investigador fosse convertida numa série de televisão seria difícil encontrar uma protagonista para contracenar com Freud. E isto era válido tanto para a vida íntima do médico, como para a vida profissional – até porque, sugerem as cartas que ficam do tempo freudiano, as duas confundiram-se por várias vezes.

Uma das mulheres dos olhos deste psicanalista era Martha Bernays, com quem casou ao fim de quatro anos de noivado e teve seis filhos. As assolapadas cartas de amor trocadas entre ambos parecem dignas de qualquer romance capaz de arrancar suspiros até aos menos românticos: há umas impressionantes novecentas cartas enviadas por Freud a Martha, daquelas que “não seriam uma contribuição desnecessária para os grandes romances literários do mundo”, como escreveu Ernest Jones na biografia oficial do médico austríaco. Numa dessas cartas, Freud escreveu:

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Há um ponto no qual não posso concordar contigo, Martha. Tu dizes que agora somos muito sensatos e quão tolos fomos no passado a lidar um com o outro. (…) Não desprezemos os tempos em que para mim um dia só teria sentido se recebesse uma carta tua, quando uma decisão tua significava uma decisão entre vida e morte.”

Mas há outras mulheres, aquelas que se confundem no limbo entre o escritório de Freud e as escapadelas furtivas às obrigações do casamento. Uma delas foi Anna O., a primeira paciente que Sigmund Freud recebeu no seu escritório neurológico, o mesmo onde se apercebeu que muitas doenças não tinham raízes fisiológicas: estavam agarradas à mente como vírus invisíveis que precisavam, não de bisturis, mas de técnicas como a psicanálise.

Bertha Pappenheim era o nome verdadeiro dessa “Anna O.” dos livros de Freud, a mesma com que o austríaco deu os primeiros passos na psicanálise. Tinha entrado no gabinete com sinais de histeria, uma neurose na altura vista como tipicamente feminina que se manifestava em sinais externos, como a perda de controlo, a surdez ou a palidez. Hipócrates descreveu o problema como uma deficiência na circulação do sangue entre o cérebro e o útero de uma mulher. Freud veio dizer que, na verdade, os sintomas de histeria tinham sempre “natureza sexual” e origem nas memórias reprimidas.

O surgimento da psicanálise, através da obra de Freud, garantiu que o estudo da mente humana fosse mais associada à medicina do que à psicologia, o que serviu de rampa de lançamento para estudos mais assertivos sobre algo que não era palpável e, portanto, era menos entendível no século XIX. Agora os processos mentais que eram “renegados para o inconsciente” podiam ser acedidos para tratar determinados distúrbios.

Os poetas e os filósofos descobriram o inconsciente antes de mim. O que eu descobri foi o método científico que nos permite estudar o inconsciente.”

Enquanto estudava, Sigmund Freud descobriu que a mente humana tem a forma de um iceberg com três camadas de profundidade. O “id” é uma delas e permite a acumulação da energia que podemos utilizar para satisfazer os instintos de vida (líbido). É o diabinho em cima do nosso ombro: será aqui que está a nossa inibição, a nossa capacidade de tomar decisões imediatas, de satisfazermos uma fantasia demasiado louca para o ambiente sociocultural onde nos introduzimos. Se o ser humano só tivesse “id”, seria completamente irracional, impulsivo e buscaría o prazer sem olhar a meios. Sería egoísta. E desavergonhado, também.

Em contraponto está o superego, o “menino certinho” da turma que nunca comete deslizes nem pisa a linha: com ele somos seres morais, com respeito pelos valores sociais, que renegam e inibem os impulsos mais imediatos, que insistem em que nos comportemos de forma aceitável. O superego é aquele anjo por cima do nosso outro ombro, que acredita que a perfeição é alcançável. E que qualquer comportamento que nos desvie dela merece ser censurado. Se vivêssemos exclusivamente do superego nunca arriscaríamos, nunca ultrapassaríamos barreiras, nunca nos destacaríamos.

Entre um e outro está o ego, simplesmente. E é a nossa versão equilibrada do anjo e do diabo que nos permite utilizar alguma das ideias mais descabidas do “id” de forma aceitável, tornando-as possíveis no mundo angelical do superego. Essa é “a ponta do iceberg”, garante Sigmund Freud.

Mas Sigmund Freud não nos ensinou a dizer apenas coisas que nos fazem parecer inteligentes, como “isso é freudiano”, algo que gostamos de dizer para parecermos inteligentes e nos sentimos capazes de estudar a mente alheia. Pode admitir, já todos o dissemos e fizemos pelo menos uma vez. De cada vez que acede a sites de veracidade duvidosa em busca do que significa sonhar que saiu de casa sem sapatos, está em busca das mesmas respostas que Freud tentou encontrar. É que, de acordo com os estudos freudianos, os sonhos são um estratagema do diabinho para exprimir aquilo que o anjinho não permitiu em primeira instância: assim que apanha o ego distraído – leia-se, a dormir – faz-nos organizar ideias deste modo.

Não somos apenas o que pensamos ser. Somos mais. Somos também aquilo de que nos lembramos e aquilo de que nos esquecemos. Somos as palavras que trocamos, os enganos que cometemos, os impulsos a que cedemos ‘sem querer’.”

Complexo de Édipo, negação, desejos de morte, atos falhados, inveja do pénis (sim, inveja do pénis, uma alegada fase do desenvolvimento psiquiátrico das mulheres que determina a identificação com um dos géneros). Sigmund Freud pôs-nos estas e outras palavras no vocabulário. De tal forma que “não temos de ler Freud para viver num mundo onde ele é importante ou pensar como ele”, disse Stefan Marianski, diretora da Casa-Museu dedicada ao psiquiatra. Basta ter esse bichinho que não resiste a descobrir os cantos da mente a que ninguém acedeu – a não ser por hipnose, outra expressão muito usada. Mas, por mais críticas que receba, o Freud rodeado de mulheres que explora mentes e escreve sobre elas de forma poética, nunca será esquecido. Nem nas grandes enciclopédias da História, nem no nosso quotidiano.