“Corremos muitos sítios”, contam ao Observador Dirk e a namorada, Joelle. “O sul de França também tinha várias vilas pitorescas, mas eram todas viradas para o turismo. Não encontrámos nada tão autêntico como isto.” Isto é Ponte da Barca, vila no distrito de Viana do Castelo, banhada pelo rio Lima. O aspeto deles não engana. Ele, alto, com o cabelo quase branco de tão loiro, ela igualmente alta mas não tão loira, são belgas e já andaram um pouco por todo o mundo, de Bali ao Havai. Não gostam de parar muito tempo em lado nenhum, mas há sete anos que estão neste pedaço de terra do Alto Minho, inserido no Parque Nacional da Peneda Gerês e eleito Reserva Mundial da Biosfera pela UNESCO.

O deslumbramento começa logo com a chegada à ponte medieval, erguida no século XV sobre o rio Lima, e com a vista sobre o centro da vila, feito de casas claras ou em pedra, numa arquitetura coerente que tantas vezes falta noutros lugares do país. Do lado esquerdo vê-se o jardim dos poetas e parte da praia fluvial, cuja água tem boa classificação para banhos e acessibilidades que não esquecem quem tem mobilidade reduzida. Atento a adultos e crianças está um nadador-salvador, junto ao bar de apoio. Ali bem perto fica a piscina municipal, ao ar livre, como se quer nos dias de verão. Do lado direito da ponte fica o parque de merendas e a entrada para 40 quilómetros de Ecovia, ideal para percorrer de bicicleta (pelo menos os cinco quilómetros junto ao rio valem muito a pena).

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O jardim dos poetas, com a ponte medieval em frente. © Sara Otto Coelho / Observador

Todo o centro da vila, impecavelmente limpa e bem cuidada, tem parquímetros, à exceção de um parque logo a seguir à ponte. De resto, não adianta procurar borlas: as máquinas estão por todo o lado. O melhor é deixar o carro ali e descobrir o centro a pé, com a ajuda do posto de turismo, renovado em 2013 e um dos mais modernos do país. Desde novembro de 2015 funciona ali também o centro interpretativo. Explica-se, com recurso a elementos multimédia, um pouco da fauna, da flora e da história de Ponte da Barca, onde se inclui uma das maiores discussões locais: a origem de Fernão de Magalhães. Sabrosa defende que o navegador português nasceu lá, embora o historiador e professor na Universidade do Porto Amândio Barros defenda que todas as provas apontam Ponte da Barca como terra natal.

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Fernão de Magalhães fez a primeira circum-navegação da história e foi o primeiro europeu a chegar às Filipinas. No entanto, há muitos portugueses que ainda não se lançaram à estrada para descobrir este cantinho do seu país. De acordo com os dados do turismo do município, Ponte da Barca recebe uma média de 25 mil visitantes por ano. É menos de metade das pessoas que foram ver Radiohead no dia 8 de julho ao festival NOS Alive, por exemplo.

Mas isso parece estar a mudar. Há quatro anos, Dirk Vankerschaver e Joelle Coppin tiveram uma filha. Há dois anos, deram à luz um projeto de habitação ecológica e ao mesmo tempo de luxo, o Na-Bé. Idealizado para quem procura conforto e o contacto com a natureza, tem dois quartos e seis tendas de luxo — Glamping — com casa de banho. Não é fácil chegar lá, mas o sossego é garantido. Por esta altura, o campo de alfazema está no auge com as suas flores roxas. A propriedade tem também “uma piscina biológica”, conta Dirk. Ou seja: nada de produtos químicos na água, para não fazer mal à pele nem ao ambiente.

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O Parque de Campismo de Entre Ambos-os-Rios também tem Glamping, com algumas das tendas instaladas no meio do arvoredo e alpendre virado para o rio. Também existe a opção de alugar bungalows. É no restaurante Adega do Artur, situado dentro do parque, que encontramos Hugh e Jill Daniels, casal inglês de reformados. Aguardamos que acabem a posta à Barrosã para lhes perguntar como é que chegaram a este cantinho, que dista 11 quilómetros do centro do município.

“Estávamos na Galiza e pesquisámos por parques de campismo no norte de Portugal. Queríamos estar num local verdadeiro, sem coisas feitas para turistas“, diz Jill. “Atravessámos a ponte medieval e pensámos: o que é isto?!”, recorda Hugh, com ar deliciado. “Achamos que este sítio é um segredo lindíssimo. E único. Sabemos pelas casas, igrejas e pela paisagem que estamos em Portugal. Já pus fotos no Facebook e os nossos amigos, que nem gostam de fazer campismo, já querem vir também.”

Os amigos de Hugh e Jill não precisam de fazer campismo se não apreciarem. Opções não faltam. Ponte da Barca tem várias propriedades senhoriais que foram transformadas em turismo de habitação, como a Casa Nobre do Correio-Mor, situada no centro da vila. A oferta hoteleira está a aumentar a olhos vistos. Em dezembro de 2015, por exemplo, foi inaugurado o Tempus Hotel & Spa, a 2,5 quilómetros do centro, para que os hóspedes tenham maior tranquilidade. Tem piscina interior aquecida, sauna, uma banheira de hidromassagem, banho turco e massagens. A piscina exterior tem vista para a serra, assim como o restaurante.

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A piscina exterior do Tempus Hotel Spa. No jardim há algumas redes brasileiras penduradas nas árvores, onde qualquer pessoa se pode deitar. © Divulgação

A oferta gastronómica também está a mudar. Não que a tradição de servir uma boa posta de carne barrosã, umas papas de sarrabulho, um bom cabrito ou uma lampreia apanhada no rio se esteja a perder. Nada disso. Natural de Ponte da Barca mas a viver há alguns anos em Lisboa, João Bettencourt gostava de voltar à Vila Natal e de levar amigos estrangeiros, mas a conclusão era sempre a mesma: “As comidas tradicionais são muito boas, mas para eles eram muito pesadas”, recorda. Há dois anos, meteu mãos à obra e abriu o Vai à Fava, na Rua Dr. Alberto Cruz, no centro. Vai ser difícil arranjar uma esplanada melhor nas redondezas. Para além da vista privilegiada sobre o rio e a ponte, o espaço oferece pratos vegetarianos e um toque de modernidade a elementos que são intrínsecos à cozinha portuguesa, como a sardinha (servida em forma de crepe) ou o bacalhau (com broa, em cama de espinafres).

O Vai à Fava fica ao lado do restaurante In Tapas Veritas, especializado em tapas, como o nome indica, e que também podem ser comidas numa agradável esplanada no Jardim dos Poetas, com vista sobre o rio. Para mais pratos vegetarianos, talvez seja melhor ir até à Villa Gourmet, na Praça Dr. António Lacerda. Ponte da Barca é terra de vinha e a Adega Cooperativa local organiza várias provas. João Bettencourt salienta a aposta recente em vinhos mais frutados, para um público mais jovem, e dá como exemplo os vinhos Estreia, verde e rosé.

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O bacalhau lascado com broa e espinafres do Vai à Fava custa 9,50€. © Sara Otto Coelho / Observador

Para fazer a digestão, vale a pena dar uma volta pelo centro da vila, conhecer o Antigo Mercado Pombalino, edificado em 1752, o Pelourinho, classificado como monumento nacional, a Igreja Matriz e a Igreja da Misericórdia. Problema: há igrejas que só abrem à hora das missas. O mesmo para o pequeno Mosteiro de Bravães, monumento do românico com frescos no interior.

Uma vez visitado o centro, há que pegar no carro e andar 25 quilómetros até ao Castelo do Lindoso. Pelo destino final, claro, com as suas muralhas, o núcleo museológico e a eira com mais de 50 espigueiros em granito e em madeira, todos do século XIX. Mas, sobretudo, pelas paisagens da Serra Amarela que nos pinta o caminho, pelos vales e o rio que se veem de cima, pelo silêncio deste pedaço de terra que poucos sabem que faz parte do Parque Nacional da Peneda-Gerês.

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O Castelo do Lindoso não tem muitos visitantes, o que é uma pena para o monumento, mas um descanso para quem o visita, que assim pode aproveitar a beleza do lugar e esta vista. © Sara Otto Coelho / Observador

A cerca de três quilómetros fica Poça da Gola, pequeno paraíso natural de água cristalina, rocha e cascatas, protegidas pela serra e os pinheiros. É preciso caminhar um pouco pelo caminho de terra e pedra até encontrar uma ponte em madeira. Depois, é só estender a toalha e aproveitar o sossego. Estivemos lá num fim de semana quente de julho e só lá estava um casal e um pai com três crianças. Para quem gosta de tomar banho em águas tão limpas tem ainda, mais a sul, as lagoas de Germil.

Para conhecer a Ermida, com as suas casas em pedra, é sempre a subir, o que permite ver as montanhas do melhor ângulo. A aldeia fica a 500 metros de altitude e conta com 61 habitantes, de acordo com o núcleo museológico. Mais alguns em agosto com a chegada dos emigrantes, conta-nos um morador, já idoso. “Pode beber daí à vontade”, diz-nos da porta de casa, quando nos vê parados em frente a uma fonte. “Não sei se encontra água tão boa quanto esta, mas melhor não encontra de certeza”, afirma, apontando para cima para a serra, tão próxima, de onde chega a água. A visita termina no núcleo museológico, onde se encontra a importante estátua menir pré-histórica, anteriormente exposta no Museu Nacional Soares dos Reis, no Porto.

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No rio Lima é possível fazer “stand up paddle”. ©AktivaNatura / Divulgação

É no verão que Ponte da Barca recebe a maioria dos 25 mil visitantes anuais. A romaria de São Bartolomeu, de 19 a 24 de agosto, é um ponto alto, assim como o Festival Folk Celta, a 29 e 30 de julho, com atuações dos portugueses Galandum Galundaina e António Zambujo, e dos espanhóis Pet Piper’s Project e Talabarte, por exemplo. De 14 a 17 de julho são os dias Barca Jovem, com várias atividades radicais e desportivas.

Para lá da agenda do município há as atividades permanentes ao longo de todo o verão, como os percursos de BTT, passeios a cavalo que podem durar entre meio-dia e uma semana, este último com alojamentos incluídos. O Parque de Campismo de Entre Ambos-os-Rios aluga gaivotas, canoas e caiaques. O rio está mesmo ao lado e é só entrar na água.

Quem quer aprender a fazer stand up paddle, ou seja, a andar de pé numa prancha, terá em Luís Antas de Barros o seu melhor amigo. Dono de meia dúzia de pranchas topo de gama, mais estáveis e, por isso, mais fáceis para conseguir atingir o equilíbrio, defende que o stand up paddle é para ser feito nas águas calmas do rio, em comunhão com a natureza, e não na agitação do mar. A atividade no rio Lima dura 2h30 (25€ por pessoa) e inclui uma paragem para banhos.

Ao longo do percurso, Luís, que é natural de Ponte da Barca, conta como era antes de a barragem do Lindoso ter inundado a zona junto ao Parque de Campismo, que agora se chama Entre Ambos-os-Rios mas antes se chamava Entre as Pontes. E que onde atualmente há água antes havia estrada (pelo menos uma paragem de autocarro ainda resiste, visível). No inverno, Luís viaja para Manaus, no Brasil, e organiza lá as mesmas atividades. Pensa mudar-se para lá de vez um dia, mas a terra natal vai deixar saudades. “Temos uma beleza integral com o rio, as aldeias e a floresta. Ponte da Barca é um fiel retrato do Minho. Mas com menos gente.”

O Observador viajou a convite do município de Ponte da Barca.