Quinze recomendações europeias sobre prevenção da corrupção foram conhecidas há três anos mas até hoje Portugal apenas implementou uma. O Grupo de Estados contra a Corrupção (GRECO), criado pelo Conselho da Europa, classifica a resposta portuguesa como “globalmente insatisfatória” e quer ouvir novidades do país até ao final deste ano, sobretudo em relação a três grupos a que se destinavam as recomendações de 2015: deputados, juízes e procuradores.

O GRECO pediu medidas em relação a estes três grupos específicos, com referência comum à necessidade e serem criados códigos de conduta e sistemas de detecção de conflito de interesses, mas quase nada foi feito. Das 15 recomendações, 11 continuam sem qualquer avanço, registou o GRECO na avaliação divulgada esta terça-feira, no 4º relatório sobre “Prevenção da corrupção dos deputados, juízes e procuradores”. Entre o que está por fazer contam-se os códigos de conduta pedidos para estes três grupos, a necessidade de maior transparência no processo legislativo e maior equilíbrio no Conselho Superior de Magistratura — entre os membros nomeados pelos pares e os nomeados pelo sistema político (a composição é definida na Constituição) — ou , por exemplo, a avaliação de juízes e procuradores.

No caso dos deputados, o grupo ainda reconhece que existe uma “iniciativa promissora” em curso que vai “na direção do que recomenda o GRECO” — embora o relatório mantenha muitas dúvidas sobre o que está a ser tentado pelos deputados. Em 2016, o Parlamento constituiu uma Comissão Eventual para o Reforço da Transparência no Exercício de Funções Públicas, mas os trabalhos estão suspensos desde janeiro, com a justificação de que o PSD precisava de tempo para se reorganizar, depois da mudança de líder. As alterações na liderança dos sociais-democratas acabaram por ditar outro problema para este grupo de deputados, que deveria estar a concluir trabalhos por esta altura: o presidente da comissão eventual é Fernando Negrão, que entretanto foi eleito líder parlamentar do PSD.

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Esta segunda-feira, o Observador tentou saber junto dos sociais-democratas em que pé está a comissão eventual, mas ainda não há uma decisão sobre quando os trabalhos serão retomados. A ideia é que Fernando Negrão se demita da presidência da comissão eventual para que o PSD proponha um substituto. Já quanto à substância, Rui Rio ainda está a decidir o que fará, uma vez que ainda é possível avançar com projetos antes da comissão se lançar no debate detalhado de cada uma das 22 iniciativas de todos os partidos que já foram entregues (entre os quais cinco do PSD). À margem do congresso do seu partido, Rui Rio mostrou-se pouco receptivo a apertar o controlo aos políticos, considerando esse caminho “populista” e “demagógico”.

[Na primeira intervenção no congresso] vem lá bem desenhado como vou encarar o pacote da transparência. Tem lá palavras como demagogia e populismo, que eu risco em absoluto, risco em absoluto”, disse Rui Rio à Antena 1.

Já o GRECO considera que ainda há muito a fazer, nomeadamente quanto ao regime de incompatibilidades dos titulares de cargos públicos e também nas declarações de património que estão obrigados a entregar, referindo mesmo a necessidade de ter um sistema “mais refinado”, nesta matéria. Além disso, ainda mantém a interrogação sobre a capacidade que as mudanças alinhavadas têm de “reforçar mecanismos de supervisão e de introduzir sanções mais adequadas” quando há falhas na declaração de património por parte dos políticos. Também insiste na “genuína igualdade e diversidade” no acesso e contributo para o processo legislativo.

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No caso dos juízes, o GRECO declara-se “desapontado” por não terem dado seguimento às recomendações que o grupo do Conselho da Europa considera “cruciais para promover uma maior independência do poder judiciário e dos juízes e aumentar a confiança pública nesta área”. Uma das questões que mais preocupa o GRECO é o papel do Conselho Superior de Magistratura “como garante da independência judicial”. “Não foi revigorado” este papel, sublinha, depois de ter apontado como nulos os avanços numa questão muito concreta que tinha recomendado a Portugal: que este órgão superior responsável pela gestão e disciplina dos juízes tivesse metade dos seus membros eleitos pelos pares e não pelo Presidente da República e pela Assembleia da República.

Ainda que se mostre “agradado” com a revisão do Estatuto dos Magistrados que “está em andamento” — a ser negociado entre Governo e sindicatos — o GRECO mostra alguma impaciência quando ao processo de redação: “Deve avançar” para dar garantias de vontade em responder à recomendações.

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Foi no Ministério Público que o grupo contra a corrupção identificou a única medida “implementada de forma satisfatória”:  disponibilização pública, com maior agilidade, de informações sobre os processos disciplinares do Conselho Superior do Ministério Público. O grupo de Estados contra a corrupção refere a decisão do CSMP que veio dar “maior publicidade a casos de falta grave cometida por procuradores”. Mas entre as 15 recomendações de 2015, há outras duas onde foram identificados alguns avanços. Mas vejamos cada uma delas, começando pelos deputados:

  1. Cumprimento dos prazos dos processos legislativos e maior transparência, com o acesso a todas as partes interessadas, incluindo a sociedade civil, a várias fases do processo. O GRECO fez esta recomendação direta ao Parlamento, mas não teve resposta.
  2. Regras de conduta para deputados, com mecanismos de supervisão “reforçados” e com “princípios claros” em pontos como “aceitação e ofertas, hospitalidade e recebimento de outros benefícios e vantagens”. Outra recomendação que não teve ainda uma conclusão, mas há projetos neste sentido entre os que estão parados na comissão eventual constituída no Parlamento. Não implementada.
  3. Avaliação independente da eficácia do regime de incompatibilidades e do seu “impacto na prevenção e deteção da corrupção” e uma fiscalização, igualmente independente, das declarações de interesses dos deputados. Também existem projetos de lei que introduzem novidades nestas matérias, mas o Parlamento ainda está longe da decisão. Mesmo assim, o GRECO marcou esta como mais uma das recomendações que está “parcialmente implementada”.
  4. Implementar sanções para violações “menores da obrigação de notificação do património” e a publicitação online dessas mesmas declarações que são entregues pelos deputados. Por também estar a ser trabalhada no âmbito da comissão eventual, está identificada como “parcialmente implementada”.
  5. Os controlos “frequentes e substantivos” das declarações de património dos deputados, com o reforço de recursos para o organismo independente que os fiscaliza, também é considerada em andamento.

A reprimenda é maior em relação à situação dos juízes, onde as cinco recomendações feitas não foram seguidas.

  1. Conselho Superior de Magistratura com metade dos membros juízes eleitos pelos seus pares e informação pública sobre os procedimentos disciplinares internos. Não foi implementada.
  2. Ter nas autoridades que decidem a segunda instância e nos juízes do Supremo pelo menos metade dos membros eleitos pelos seus pares. Os magistrados ainda argumentaram com a revisão do Estatuto dos Magistrados que prevê mudanças na seleção de juízes. O GRECO regista isso, mas nota que “os painéis que supervisionam a lista restrita de candidatos ao cargo de juiz do tribunal de recurso e ao juiz do Supremo Tribunal continuam a ter uma maioria de membros que não são juízes”. Medida não implementada. 
  3. Avaliações periódicas dos juízes de primeira instância e inspeções aos de segunda instância. Não implementada.
  4. Garantir “critérios objetivos e transparentes que salvaguardem a independência dos juízes” quando os casos são redistribuídos. Os juízes alegaram que, neste momento, e depois de em 2016 ter sido alterada a Lei de Organização do Sistema Judicial, “todos os casos agora são atribuídos aleatoriamente aos juízes, com algumas exceções. A transferência de juízes também é excepcional”. Mas o GRECO considera que “a informação apresentada pelas autoridades judiciais não sugere que a contradição [entre a Lei de Organização do Sistema Judicial e o Estatuto dos Magistrados] tenha sido removida e que tenham sido eliminados os riscos que esse quadro legal incongruente representa para a independência dos juízes”. Não foi implementado.
  5. Decisões dos julgamentos em primeira instância de fácil acesso público. Os juízes admitem que “existem dificuldades” neste ponto e o GRECO insiste nesta necessidade, justificando-a com o seu “papel fundamental para garantir a certeza da lei e a uniformidade e previsibilidade da sua aplicação”. Além de que possibilita uma “maior responsabilização dos juízes”. Não implementada.
  6. Código de conduta que inclua previsão de situações de conflito de interesses. No contraditório, os juízes argumentaram perante o GRECO que foi introduzido um código de ética dentro do Estatuto dos Magistrados, cuja revisão ainda não foi concluída. Mas o grupo contra a corrupção diz que “não está convencido” que esse código seja “claro e o exigível”, incluindo questões relativas a conflito de interesses. Não implementada

Já quanto aos procuradores do Ministério Público:

  1. Informação relativa a processos disciplinares no Conselho Superior do Ministério Público foi considerada como “satisfatoriamente implementada”.
  2. Avaliação periódica de procuradores dos tribunais de primeira instância e inspeção dos de segunda instância. Não foi implementada. 
  3. Estatuto do Ministério Público adequado ao novo mapa judicial. Isto não aconteceu depois da “redução drástica” (2014) dos tribunais de primeira instância pelo país, o que criou desequilíbrios na hierarquia e e o GRECO não tem a certeza que essas “incertezas legais” tenham sido corrigidas, temendo que desprotejam “procuradores subordinados de interferências indevidas ou pressões dos seus superiores”. Não foi implementada.
  4.  Código de conduta também para procurados e que seja uma base para promoções, avaliações e ações disciplinares. Não foi implementado.