O pretexto da entrevista a João Oliveira era o livro Euro, Dívida, Banca. Romper com os constrangimentos, desenvolver o País, onde os comunistas defendem a saída da moeda única, a renegociação da dívida pública e o controlo público da banca, explicando que passos deve percorrer o país para atingir esses três objetivos. E foram esses pilares que o comunista passou em revista durante cerca de 20 minutos.
Em Coimbra, à margem das jornadas parlamentares do PCP, o líder parlamentar comunista aproveitou o processo da venda do Novo Banco — “um erro para o país”, considera –, para defender o controlo público da banca, fundamentado-se nas vantagens da nacionalização do banco no pós-25 de abril. Demarcou-se do Governo socialista e garantiu que os comunistas tudo farão para travar o processo — sem se comprometer, no entanto, com a retirada do apoio a António Costa.
Quanto à saída do euro, João Oliveira explicou de que forma o país deve proteger-se da “submissão” à moeda única, admitindo que os “interesses particulares” dos “grandes grupos económicos” serão “sacrificados” com uma eventual saída. Sobre a renegociação da dívida, o líder parlamentar do PCP citou os exemplos “bem-sucedidos” da Argentina e do Equador e sugere, a título de exemplo, as vantagens de uma aproximação de Portugal à Rússia e aos restantes BRIC [Brasil, Rússia, Índia, China].
Que avaliação faz da venda do Novo Banco?
É uma opção errada. Já era errada quando era defendida pelo PSD e pelo CDS e continua a ser errada agora que o Governo PS a quer concretizar. Sempre manifestámos a nossa discordância com essa opção. A solução que se impunha neste caso era a integração do Novo Banco no setor público bancário. E para essa solução contavam com o nosso apoio. Ainda no dia 2 de fevereiro foi levada à discussão a solução de integração do Novo Banco no sistema público bancário e foram PS, PSD e CDS que rejeitaram essa proposta. É um erro para Portugal, é um erro para os interesses nacionais e retira ao país um instrumento de intervenção na nossa economia. Ainda por cima entregando um banco a um fundo americano que certamente tratará de retirar o maior lucro possível no mais curto espaço de tempo, desconsiderando as necessidades do país.
Mas o PCP tem capacidade para fazer mais se quiser efetivamente travar o processo de venda de Novo Banco. Basta recordar que pode retirar o apoio ao Governo socialista, desfazendo a atual maioria parlamentar. A questão é: não se justifica romper por causa da venda do Novo Banco?
Não consigo perceber. Temos 15 deputados na Assembleia da República. Não temos propriamente maioria para tomar decisões, sejam elas quais forem…
Se deixarem de apoiar o Governo socialista, o Governo fica sem maioria no Parlamento...
Não consigo perceber essa ligação. Não temos qualquer compromisso com o Governo, nem com o programa de Governo. O programa do Governo é o programa do Governo. Não é o programa do PCP. Esta decisão em relação ao Novo Banco é uma decisão que consideramos errada e que contra a qual nos batemos.
Neste livro, o PCP defende que o controlo público da banca pode ser garantido de forma faseada, nomeadamente através de “nacionalizações diretas”, “intervenções de emergência”, “resoluções bancárias”, “negociações”, “aquisições de núcleos acionistas em condições favoráveis e eventualmente até a preços simbólicos”. O que significa exatamente esta passagem?
Ao objetivo do controlo público da banca podemos chegar por várias soluções técnicas. Algumas das quais mais imediatas do que as outras. Algumas possíveis de utilizar na situação de alguns bancos, outras noutras. Há circunstâncias muito diferentes que podem permitir o controlo público da banca por vias diferentes.
Mas o que significa nacionalizar um banco por um preço simbólico? O que é que seria? 50, 60 milhões?
Repare, quando temos bancos cujos balanços apontam para situações de prejuízo, o controlo público do banco pode significar não comprar aquilo que é negativo. Pode significar comprar a preço simbólico o banco considerando que o balanço é um balanço negativo. De alguma forma, trata-se de encontrar uma solução de passar para a esfera pública o capital social sem que isso signifique pagar o que quer que seja por um banco que tem um balanço negativo.
Noutra passagem do livro, o PCP refere-se ao processo de nacionalizações a seguir ao 25 de Abril, como um processo bem-sucedido. Acha que o país atual entende a questão dessa forma?
O escândalo do BES/GES ajudou a recuperar uma boa parte da memória coletiva dos portugueses em relação a esse aspeto. O BES, depois de ter sido nacionalizado em 1975, viu aumentar os seus ativos em 25% até ao momento em que foi privatizado. Além disso, contribuiu para a política de crédito fosse de facto uma política de crédito que favorecesse as empresas e a atividade produtiva. O BES era uma prova viva de um banco que, nas mãos da gestão privada, foi posto ao serviço de interesses particulares, mediado por uma estratégia exclusivamente de obtenção de lucro. No quadro da nacionalização e nas mãos do Estado revelou-se um poderoso instrumento de financiamento da atividade produtiva e do apoio às pequenas e médias empresas.
E a Caixa Geral de Depósitos? A Caixa esteve sempre nas mãos do Estado e não teve exatamente uma gestão brilhante…
Repare, isso tem que ver depois com as opções que são feitas. Se tivermos um banco público que não cumpra o seu objetivo, naturalmente que o resultado vai ser diferente. Vou dar um exemplo concreto: durante as nossas jornadas parlamentares visitámos uma empresa de cerâmica. Aquela empresa suporta hoje um juro que está associado ao risco que a empresa constitui na avaliação da banca. Como aquela empresa sofreu com a quebra do setor da construção e teve alguns anos de prejuízo, os bancos quando emprestam dinheiro aquela empresa, fazem uma avaliação do risco que aponta para taxas de juro na ordem dos 4,5%. Se o banco público tiver uma preocupação de intervenção no mercado de acesso ao crédito, pode tomar medidas para que empresas nestas circunstâncias possam ter juros que permitam recuperar a sua atividade económica. Se a Caixa ou outro banco público tiverem esta atitude, os bancos privados não farão coisa diferente para não perderem quota de mercado.
A questão aqui é: como se garante que a Caixa ou outro banco público tem essa estratégia que o PCP defende?
Isso implica ter um banco público comprometido com o desenvolvimento do país e com o interesse nacional. Se não forem esses os objetivos assumidos pela Caixa, o resultado será outro.
Voltando à questão das nacionalizações dos setores estratégicos, como os da energia, uma ideia defendida pelo PCP. Como é que se conduz um processo dessa natureza?
O problema do controlo público dos setores estratégicos, como aliás está referido no livro a propósito da questão concreta da banca, pode resolver-se recorrendo aos mecanismos legais que já existem. Noutros casos, por exemplo, pode recorrer-se até às interdependências que existem. Há alguns anos, numa análise de 2008, creio, foi possível perceber que se a Caixa exercesse os direitos de crédito que tinha sobre grandes grupos económicos e financeiros, a Caixa poderia dispor de uma posição largamente maioritária do sistema bancário e poderia recuperar para o controlo público uma boa parte das empresas dos setores estratégicos. Ou seja, não fazendo mais do que exercendo os seus direitos de crédito, a Caixa poderia trazer para a esfera pública um conjunto de empresas do setor estratégico. Mas tal como acontece em relação à banca, não há uma solução única.
Sobre a saída do euro. Cito uma passagem do livro. O PCP acredita que a saída do euro “implica uma cuidadosa e responsável preparação” e aponta quem deve pagar os custos dessa saída: “Os especuladores, o capital financeiro e os grandes grupos económicos“. Pergunto-lhe exatamente o que isto significa e de que forma é que se obriga estes agentes a pagarem a saída do euro?
Isso é obviamente uma questão que exige um estudo aprofundando. Mas não temos a ilusões e sabemos que o processo de libertação do país da submissão ao euro implica uma preparação cuidada do ponto de vista da consideração de eventuais problemas que venham a surgir para os quais é preciso encontrar resposta, mas também da tomada de medidas antecipadamente para que alguns dos problemas nem sequer se verifiquem.
Como por exemplo?
Medidas que garantam a proteção das poupanças das pessoas. É preciso encontrar mecanismos de proteção dos depósitos, do sistema bancário, de maneira a que uma alteração na nossa moeda não provoque um efeito devastador.
Refere-se a uma eventual fuga de depósitos?
Exatamente. Há medidas que têm de ser tomadas relativamente aos fluxos de capitais, de proteção das poupanças que estão depositadas nas instituições bancárias nacionais, é preciso fixar o câmbio da moeda em condições que garantam a proteção desses depósitos. Obviamente que, nisto tudo, alguns interesses serão sacrificados. Grupos económicos e financeiros que hoje transferem para o estrangeiro em dois minutos com uma operação informática milhares de milhões de euros de lucros, terão que ter limitações na possibilidade de transferência de dividendos para fora do país. Essas medidas têm de ser tomadas como um elemento de defesa do país contra a saída de capitais. Mas tudo isso tem de ser articulado. O processo da libertação do euro e da dívida e o controlo público da banca são três elementos que têm de estar articulados porque, em dimensões diferentes, todos eles se acabam por cruzar e são interdependentes.
Como é que se coloca a questão da renegociação da dívida num quadro global em que o Governo socialista nem sequer se quis comprometer com um relatório que ajudou a preparar em conjunto com o Bloco de Esquerda?
Acho que isso só pode ser uma surpresa ou uma desilusão para quem eventualmente esteve a olhar para a essa discussão com a perspetiva de retirar daí algum resultado diferente. Ao longo destes meses, fomos discutindo com o Governo as questões relacionadas com a dívida. E fomos percebendo que a perspetiva que o Governo tem de resposta a este problema não é coincidente com a nossa — como, de resto, já suspeitávamos. Aquilo que o Governo entende que são as soluções para este problema não deixa de as enquadrar nas possibilidades que a União Europeia admite. Ora, nós entendemos que esse quadro é limitativo. Não podemos considerar o problema da solução da dívida no espartilho em que a União Europeia o coloca. O Governo entende que é possível encontrar micro soluções para um problema gigante. O problema da dívida não é um problema que se resolva com micro soluções. As micro soluções podem temporariamente aliviar os encargos com os juros da dívida. Mas não resolvem o problema do seu nível insustentável. Não resolvem o problema do endividamento externo do país. Não resolvem o problema do peso do serviço da dívida no Orçamento do Estado. Não resolvem o problema de tudo aquilo que deixamos de fazer para poder pagar os juros da dívida. Esses problemas não se resolvem com micro soluções. A renegociação da dívida é um meio para libertar recursos financeiros que permitam dar resposta aos problemas financeiros do país.
Um dos exemplos citados no livro de casos de renegociação da dívida bem-sucedidos é o da Argentina, um caso amplamente discutido. Acredita que foi um processo de facto bem conduzido?
O processo da Argentina é um processo conduzido naquele contexto concreto, num quadro de asfixia que foi imposto ao país por via da dívida. Num processo especulativo que é, de resto, muito aproximado com o que o nosso país sofreu entre 2009 e 2011. Há outros casos de sucesso de renegociações da dívida de que se fala pouco, como o processo do Equador. É um processo com uma evidência clara das vantagens que se podem retirar da renegociação da dívida — uma evidência tão grande que é silenciado a nível internacional. Já para não falarmos deste que temos aqui ao lado, que é processo de renegociação da dívida da Alemanha depois da Segunda Guerra Mundial…
Mas voltando ao caso concreto da Argentina, que só regressou aos mercados 15 anos depois do bailout (2001). O nosso país aguentaria estar nestas condições?
Repare, o Equador passou por um processo em que recusou sujeitar-se aos ditos mercados e encontrou outras formas fontes de financiamento alternativas e uma linha de produção nacional para reduzir a dívida e a dependência externa. Essas soluções têm de ser consideradas, com uma ideia muito clara: não há processos que possam ser copiados de um país para o outro, porque as realidades nacionais são diferentes.
Como é que se garante que Portugal não enfrentará os mesmos problemas que a Argentina enfrentou, nomeadamente com a questão dos fundos abutres?
Tomando medidas para os evitar, nomeadamente através da identificação de fontes de financiamento alternativas que não subjuguem o país a condições leoninas como aquelas que resultam dos ditos mercados financeiros, os tais fundos abutres que procuram saquear os recursos dos países através da especulação financeira. É preciso, em primeiro lugar, soluções que resolvam o problema do endividamento e encontrar fontes de financiamento alternativas…
Que seriam?
Financiamento junto de outros Estados, de outros fundos soberanos. Há países com os quais Portugal poderia ter uma relação de outro nível e em que as possibilidades de financiamento pudessem ser alcançadas sem que o Estado se sujeitasse a estes mecanismos de chantagem dos mercados.
Está a lembrar-se de algum?
Há variadíssimos países que encontraram entre si bases de cooperação que fogem completamente às regras de financiamento dos mercados. Estou-me a lembrar dos países da América Latina e estou-me a lembrar por exemplo dos BRIC [Brasil, Rússia, Índia, China], que encontraram formas de financiamento alternativas aos mercados que sujeitam tantos povos à humilhação e ao retrocesso.
Mas esse tipo de parcerias não teria consequências políticas para o país? Uma aproximação aos BRIC [Brasil, Rússia, Índia, China], por exemplo, não significaria um enfraquecer de laços com a União Europeia, com a Europa e com os Estados Unidos?
A sua pergunta traduz o quadro de chantagem a que nós hoje estamos sujeitos. Repare que a sua pergunta traduz um quadro em que a União Europeia condiciona o relacionamento internacional do nosso país em função da satisfação dos seus próprios interesses. Nenhum país soberano pode estar sujeito a essas circunstâncias.
Coloco a perguntar ao contrário: seria mais vantajoso para Portugal uma relação com a Rússia do que com a União Europeia?
Não há nenhuma resposta abstrata para essa questão. Depende em concreto de como é que essas relações são definidas e em que base.
Mas então entende que com esta União Europeia as relações estão esgotadas?
No quadro das regras e das imposições da União Europeia, esta relação não é favorável. Basta olhar para o percurso que temos feito nos últimos 30 anos para perceber que não é claramente favorável a Portugal.