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Mário Nunes tinha 21 anos quando deixou Portugal rumo à Síria. Foi no início de 2015 que decidiu juntar-se às YPG (Unidades de Proteção Popular), um movimento armado do Curdistão sírio que combate o Estado Islâmico. Lá, encontrou-se com vários outros voluntários vindos de diferentes pontos do globo. Entre eles estava o britânico Macer Gifford, que recorda Mário como uma “personagem complexa”, de que Portugal devia ter “muito orgulho”. O jovem português suicidou-se em maio deste ano, na Síria, por motivos pessoais que ainda são, em parte, desconhecidos.
O que são as YPG?
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As Unidades de Proteção Popular (YPG é a sigla em curdo) são um movimento armado curdo, originário de Rojava (o Curdistão sírio). Apareceu em 2011, para defender o território curdo durante a guerra civil da Síria, e tem milhares de elementos nas trincheiras. O movimento atraiu muitos voluntários internacionais, que se quiseram juntar à causa curda contra o Estado Islâmico.
Uma das batalhas mais sangrentas em que as YPG estiveram envolvidas foi o cerco à cidade de Kobani, na Sìria, em 2014. A ofensiva do Estado Islâmico contra a cidade deu origem a milhares de refugiados. No final, as milícias curdas conseguiram, com o apoio do Exército Livre da Síria (opositor ao regime de Bashar al-Assad) e das forças internacionais, libertar a cidade.
A história de Mário é contada pelo jornalista Nuno Tiago Pinto no livro “Heróis contra o terror”, apresentado esta semana em Lisboa. Foi este jornalista que, no ano passado, conseguiu entrevistar Mário Nunes, num trabalho publicado em setembro de 2015 na revista Sábado. Para a apresentação da obra, Nuno Tiago Pinto convidou o britânico Macer Gifford, que deixou o Reino Unido para lutar contra o Estado Islâmico junto aos curdos das YPG, ao lado de Mário Nunes – e que esteve presente no dia em que Mário morreu.
Agora, Macer dedica-se a espalhar por toda a Europa, a mensagem de que “a guerra na Síria diz respeito a todos”. Ao Observador, o britânico recorda o ano e meio que passou na Síria. “Disparei contra sombras na escuridão”, diz, lembrando que esteve “a dez metros do Estado Islâmico”. Ao seu lado, o jornalista da Sábado, que contou a história pouco conhecida dos voluntários que partem do Ocidente para ir lutar contra a organização terrorista, lembra-nos como foi escrever a vida de Mário e dos seus companheiros, provenientes de vários países do mundo.
“Não vamos para lá com a ideia ingénua de que nunca iremos lutar”
A minha ideia é falar sobre a história do Mário, mas a primeira pergunta tem de ir para si, Macer, e acredito que já lhe tenham feito esta pergunta muitas vezes antes, mas o que é que leva alguém como o Macer, um tipo normal do Ocidente, a largar tudo e ir para a Síria lutar contra o Estado Islâmico?
Macer: Penso que há uma mistura de razões que, no geral, levam as pessoas a ir. Pessoalmente, estava muito frustrado e zangado com o que se passava no Médio Oriente. Frustrado porque sentia que o Reino Unido e a América não estavam a fazer nada para ajudar as pessoas que sofriam lá. Estava enojado, horrorizado, com as imagens que chegavam de lugares como Kobani e as montanhas de Sinjar, por causa do aparecimento abrupto do Estado Islâmico, e queria fazer a diferença. Queria ir para lá, e ajudar a resolver a causa, em vez de ter de lidar com as consequências. Portanto, sim, de alguma maneira, foi uma decisão pessoal.
Vemos muitos ocidentais a ir para o Médio Oriente para lutar ao lado do Estado Islâmico. Vocês são o oposto…
M: Nestes casos, há um lado e o outro. O outro lado, que neste momento é o Estado Islâmico, é brutalmente chocante, e é isso que vende jornais. É disso que as pessoas falam no Ocidente, é isso que consome as nossas vidas, e que forma a nossa opinião sobre o que acontece no Médio Oriente. Mas, na verdade, há muitas coisas boas a acontecer lá. Boas no sentido em que há voluntários dispostos a lutar, não por essa ideologia horrível do ódio, mas, em vez disso, pessoas que acreditam na democracia, no humanismo, querem ajudar pessoas, e foram para lá por essa razão. E há lá muitas pessoas que acreditam nos mesmos valores que nós temos no Ocidente. Por isso, o facto de irmos lá significa apoiar essas pessoas, e fazer com que se fale dessas pessoas no Ocidente.
Macer Gifford deixou um emprego na área financeira para se juntar à luta
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Macer Gifford, de 29 anos, largou um emprego na área financeira, em Londres, para se juntar às YPG. Foi na Síria, mais especificamente em Rojava (a região da Síria onde habitam os curdos, o Curdistão sírio). Lá, encontrou voluntários de todo o mundo — na sua unidade tinha colegas dos EUA, da Nova Zelândia, da Suécia, e também de Portugal. Foi lá que conheceu o português Mário Nunes, que se suicidou em maio deste ano.
Esteve duas vezes na Síria: a primeira para conhecer o país e se familiarizar com as YPG, e a outra para montar uma unidade médica — a primeira do grupo. Em fevereiro, planeia regressar, para se focar no apoio humanitário. Sobre o português Mário Nunes, Gifford recorda-o como “alguém muito determinado, muito dedicado àquilo que fazia”. Foram colegas de batalha, e o britânico esteve presente quando Mário morreu.
Quando chegou à Síria, como se sentiu? Estava à espera de encontrar aquilo que encontrou?
M: Mais ou menos. Ainda demorei alguns meses a ter contacto com o Estado Islâmico, ou a chegar aos locais de combate. Passei muito dos meus primeiros tempos lá a treinar e a familiarizar-me com o país, e à espera de que uma operação começasse. Estava muito expectante, mas também estava determinado a que esta realidade chegasse ao fim. Por isso, sim, era o que eu esperava, de alguma forma, porque fui para lá com humildade.
Que missões teve de fazer?
M: Da primeira vez que fui lá, fui sobretudo para lutar, para aprender e para compreender o conflito. Podemos dividir o meu tempo na Síria em duas partes. A primeira foi quando fui inicialmente, em solidariedade com as pessoas que sofriam, e para descobrir o que se passava ao certo na Síria, para me educar interiormente. Quando voltei, na segunda viagem, ia fazer uso de alguma informação que aprendi da primeira vez. Por isso, montei uma unidade médica, a primeira das YPG.
Mas também esteve na frente de combate…
M: Sim. Passei muito do meu tempo na linha da frente, e vi algumas das piores batalhas em que as YPG já participaram. Não vamos para lá com uma ideia ingénua de que nunca iremos lutar. Vamos para lá com a intenção de lutar, de derrotar o Estado Islâmico, de apoiar as pessoas que estão a sofrer.
O que é que foi mais difícil fazer?
M: Condensar mais de um ano na Síria numa frase é muito difícil, mas penso que é o sofrimento que vivemos na frente de combate, que é tanto psicológico como físico. Psicológico porque, muitas vezes, estamos na frente de combate e não estamos a fazer o que achávamos que estaríamos a fazer, que é lutar. Estamos lá a observar o inimigo, a controlá-lo, à espera de que uma operação comece. Sentimo-nos como um cão preso a uma trela, a tentar escapar. Quando juntamos isto às piores condições possíveis, como má comida, pouco sono, vigilância constante… Torna-se muito stressante. Às vezes, não fazer nada pode ser mais stressante do que estar de facto a combater. Há aquela expressão britânica: Be careful what you wish for because you just might get it [Tem cuidado com o que desejas, pode acabar por te acontecer]. Passamos o tempo a querer lutar e depois quando começamos a lutar ficamos cheios de medo, porque estamos num cenário absolutamente chocante, há coisas terríveis a acontecer à nossa volta. Por isso, há duas formas de responder a isto. Uma delas é o tédio, o estar parado, o não saber o que fazer, que são os sofrimentos que sentimos todos os dias. E a outra é a luta em si.
Há uma questão que tenho de fazer. Matou alguém?
M: Já me fizeram essa pergunta antes, e digo sempre que não, não matei. Sobretudo porque nunca vi um homem à minha frente e lhe dei um tiro. Mas quando atirava contra o Estado Islâmico, disparava contra sombras no escuro. Ouvia-os. Estive a dez metros deles, podia ouvi-los.
A dez metros do Estado Islâmico?
M: Exatamente, a dez metros do Estado Islâmico. Estive tão perto deles. Mas nunca alguém se colocou à minha frente. Não matei.
Mas viu muita gente a morrer ao seu lado.
M: Sim. Pessoas que eram atingidas ao meu lado, e também vi membros do Estado Islâmico mortos. Mas nunca fui para lá porque queria lutar, ou porque queria matar. Fui para lá porque queria defender. Fui para lá para estar solidário. Mas tinha a noção de que possivelmente ia lutar, possivelmente ia matar, e aceitei isso. Aceitei que teria de me defender, que teria de contra-atacar. Por isso, para mim, lutar era o mínimo que podia fazer. Por isso, estar solidário com as pessoas que sofrem e combater o Estado Islâmico é algo que toda a gente tem de fazer. Devíamos todos combater o Estado Islâmico, porque somos seres humanos que acreditam na democracia. Estava numa posição privilegiada para lá ir, lutar, experienciar, voltar, e depois falar disso. Contar às pessoas o que se passa no terreno.
Nuno Tiago Pinto: “O passo definitivo que me levou a escrever o livro foram os atentados de Paris”
Vamos falar do Mário, o português que esteve com o Macer na frente de combate. Nuno, de onde vem a ideia de escrever a história do Mário? Começa com a entrevista na Sábado, não é?
Mário Nunes queria "fazer parte da história em vez de a ler num livro"
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Mário Nunes nasceu em Portalegre, em 1994, mas viveu parte da infância em Sagres, no Algarve. Habituado a conviver, desde novo, com familiares militares, Mário alistou-se na Força Aérea aos 18 anos. Foi colocado na messe, onde servia às mesas. Na entrevista que deu ao jornalista Nuno Tiago Pinto, da Sábado, em outubro de 2015, o jovem português mostrou-se desanimado com a vida militar. “Já não se cultiva o privilégio e a honra de se ser militar. Passou a ser um trabalho como os outros”, disse.
Em 2014, quando visitou a Turquia, tentou juntar-se aos Peshmerga (exército do Curdistão iraquiano), mas não conseguiu. Regressou ao Médio Oriente em janeiro de 2015, para se alistar nas YPG. “Sempre me interessei por história e esta foi uma oportunidade de fazer parte dela em vez de a ler num livro”, disse na mesma entrevista. Na Síria, passou a ser conhecido pelo nome de guerra Kendall. Suicidou-se em maio de 2016.
Nuno: Sim, fiz essa entrevista no final do verão do ano passado, e na altura tinha escrito outro livro sobre o lado oposto, ou seja, sobre os portugueses que se tinham juntado ao Estado Islâmico. Era aquilo que o Macer estava a falar: prestamos muita atenção ao outro lado, ao lado mau, ao lado negativo. É mesmo assim. Depois de falar com o Mário, pareceu-me que fazia todo o sentido, depois de ter dado um lado, dar também o outro, dar o lado destas pessoas que vão para lá, não por motivação financeira, são voluntários, querem ir ajudar. Podem ter cada um os seus motivos individuais, mas, se calhar, são pessoas nunca se teriam encontrado na vida se não o fosse o facto de quererem ir para aquele local para lutar contra o Estado Islâmico.
Pois, ninguém os chamou para lá.
N: Ninguém os chamou, ninguém lhes pagou a viagem. Pagam a viagem do próprio bolso, suportam todas as despesas que possam ter. Mesmo depois de voltarem para casa, se vierem feridos, se tiverem stress pós-traumático, eles é que têm de lidar com isso, não têm qualquer apoio estatal, portanto achei que esta é uma história positiva, uma história também de heroísmo, daí o título do livro, que devia ser contada. Foi uma ideia que comecei a construir e se calhar o passo definitivo que me levou a querer escrevê-la foi depois dos atentados de Paris, de novembro, onde vi em primeira mão aquilo que tinha acontecido, provocado por um pequeno grupo de pessoas que fazem parte de um grupo maior, mas que têm aquele objetivo. Portanto, fez todo o sentido para mim escrever este livro.
Conseguiu perceber quais foram as motivações que levaram o Mário à Síria? Foram semelhantes às do Macer?
N: Foram semelhantes mas havia mais. Ele era militar da Força Aérea, e tinha um passado familiar muito ligado à história militar. Cresceu a ouvir as histórias dos tios, e do próprio pai, e queria também poder participar em alguma coisa do género. Daí ter ido para a Força Aérea, só que na Força Aérea estava muito frustrado. Estava colocado na messe, portanto não era uma vida muito militar. Quando viu a oportunidade de participar numa causa e ir ajudar, ele quis ir.
Terá sido essa falta de combate efetivo na Força Aérea que o levou em busca de um combate?
N: Não sei, na Força Aérea também ninguém combate muito.
Na messe ainda menos…
N: Sim, de facto, é diferente. Ele podia, provavelmente, não sei, ter feito mais alguma coisa para sair da messe e para ir para outras funções. O que o levou a ir para ali foi a vontade de querer ajudar, realmente, aquelas pessoas, e lutar contra um grande mal.
Também falou com a família do Mário. Como é que eles reagiram?
N: A família, primeiro, foi apanhada de surpresa, porque ele não contou a ninguém. Foi-se embora sem contar a ninguém, exceto à namorada, o que é que ia fazer. A família só soube depois de ele estar lá, na altura até tentaram entrar em contacto e não conseguiram, porque estava incontactável. Só algumas semanas depois é que conseguiram estabelecer contacto. Sobretudo quando ele partiu pela segunda vez, e aí já contou que ia para lá. A família tentou convencê-lo a não ir, porque ninguém gosta de ver um filho, um irmão, um sobrinho, a ir para zona de guerra correndo o risco de morrer, mas perceberam os motivos dele. Ele explicou-lhes porque é que queria voltar, porque é que ia, porque é que tinha ido, e eles aceitaram.
Quando o corpo do Mário volta para Portugal, este ano, ele é enterrado longe da zona em que são enterrados os antigos militares no cemitério e não tem nenhumas honras de Estado por ter desertado da Força Aérea. Este livro é a homenagem que ele não teve por parte das Forças Armadas?
N: Acabou por ser, mas a intenção não era essa. Quando comecei a escrever o livro, o Mário estava vivo. Falava com ele regularmente antes de [o Mário] ir a segunda vez. Continuei a falar depois de ele estar na Síria, nesta segunda viagem, mas mais esporadicamente, porque as dificuldades de comunicação eram maiores. Mas ele estava vivo quando eu já estava a escrever. Depois, a meio, acabou por morrer, e achei que era mais do que justo continuar o trabalho, levá-lo até ao fim. É uma espécie de homenagem, mas é sobretudo um relato jornalístico, factual, e histórico, não só dele, mas também de todos estes voluntários estrangeiros. Acabei por perguntar a muitos deles, falei com cerca de 15 a 20, quais foram os motivos que os levaram lá, as experiências, as origens, de onde é que vinham, porque é que tinham ido. É também dado um contexto histórico de todo aquele conflito, da região do Curdistão, como é que o problema surgiu, como se desenvolveu ao longo dos anos, e portanto é mais do que a história só do Mário.
O suicídio de Mário “deixou os curdos numa confusão completa”
Macer, o que é que recorda do Mário?
Macer: Lembro-me de alguém que era muito determinado, muito dedicado àquilo que fazia. Era uma personagem muito complexa, mas muito afetuosa. Tinha um riso amável, era um tipo muito divertido. Penso que muita gente em Portugal pode estar muito orgulhosa por tudo o que ele fez. Deixou a segurança da sua casa para atravessar meio mundo para combater aquilo que achamos que é a guerra dos outros. Mas, na verdade, segundo aquilo em que eu e ele acreditávamos, esta é uma guerra internacional, em que toda a gente tem um papel na destruição do Estado Islâmico. Só através da solidariedade internacional é que o conseguimos fazer bem, rápido, e, basicamente, construir um futuro para a Síria.
Li uma parte do livro que relatava a dificuldade que os curdos, das YPG, tiveram em considerá-lo um mártir, porque ele se suicidou. Que imagem fica de uma pessoa que se suicida num grupo como as YPG?
M: É algo que nunca tinha acontecido, que deixou os curdos numa confusão completa. No fim, acabaram por declará-lo sehid [mártir caído em combate]. Principalmente, não pela forma como a vida dele acabou, mas pela forma como viveu, e todas as coisas boas que fez. E fê-lo duas vezes, sofreu juntamente com os curdos. ELles amavam-no por isso. No final, [o Mário] acabou com a vida devido aos seus motivos pessoais, porque, como disse, era uma personagem complexa. Teve razões que eu não conheço na totalidade. De facto, lançou a confusão entre os curdos, mas não mudou em nada o sentimento em relação ao Mário. Era nosso amigo, e não nos deixamos de questionar: “Como é que não nos apercebemos de que ele estava tão deprimido, o que é que fizemos de errado? O que é que poderíamos ter feito melhor?”. Mas todos temos estas coisas, e não há muito que possamos fazer, a não ser aprender para o futuro e saber como podemos ajudar outras pessoas que tenham os mesmos problemas no futuro. No final de contas, estou muito contente por os curdos o terem declarado sehid, mas também entendo porque é que ficaram tão confusos. Nós vemos o mesmo nos exércitos ocidentais, as pessoas vivem com traumas, com problemas, e aqui também não temos formas eficazes de ajudar estas pessoas.
“Há poucas pessoas a trabalhar em defesa dos interesses do povo da Síria”
O que acontece atualmente na Síria e no Iraque é um conflito particular, porque não é uma guerra com dois lados. Há pelo menos três partes em combate. O Macer tem a experiência do mundo ocidental e do Médio Oriente. O que é que nós, no ocidente, não sabemos sobre o que se passa lá?
M: Penso que as pessoas estão confusas, porque é uma luta muito complicada. E a complicação é multiplicada pela recusa de muitos países em ajudar, que só estão preocupados com os resultados que podem advir do conflito para si próprios. Há muito poucas pessoas a trabalhar em defesa dos interesses do povo da Síria. Há muito debate aqui nos países ocidentais sobre o que é que podemos fazer para mudar a situação lá, que democracia britânica, americana ou europeia é que pode ser implementada lá. E não entendem que a solução para o conflito já existe, e sempre existiu na Síria durante todo este tempo.
São os movimentos democráticos. São os jovens e as jovens que acreditam na democracia, que acreditam na paz e na segurança, e que querem ter uma vida melhor para eles e para as suas famílias, todos juntos, derrotando o Estado Islâmico – que é um dos lados da batalha. E depois querem promover a colaboração entre as diferentes comunidades, para que comecem a trabalhar em conjunto. O que o Estado Islâmico fez foi dividir a sociedade em diferentes grupos religiosos, em diferentes povos, e tentar explorar as diferenças entre as pessoas. Por isso, temos de nos focar naquilo que une a Humanidade, aquilo que une as pessoas. Gostava de ver a comunidade internacional a apoiar grupos na Síria que acreditam na democracia, grupos como as SDF [Forças Democráticas da Síria] e as YPG.
A luta por Mossul pode contribuir para esse objetivo? Por um lado une diferentes forças — curdos, exército iraquiano — e por outro lado poderá acabar com o Estado Islâmico…
M: Essa é uma boa questão. Não há nada mais unificador do que lutar contra o fascismo, contra o mal que o Estado Islâmico representa. Porque todos os diferentes grupos religiosos (curdos, cristãos, yazidis) concordam que o Estado Islâmico é mau. Seria muito bom se todos nos uníssemos para derrotar o Estado Islâmico. Depois disso, em vez de continuar com a guerra civil, deveríamos avançar para a mesa das negociações, para definir um futuro partilhado, em que toda a gente possa participar numa democracia funcional. Espero que a luta se possa concentrar na união dos povos contra o Estado Islâmico.
Um livro como este pode ajudar a dar uma imagem mais real sobre o que se passa no Médio Oriente?
M: Definitivamente. Essa é uma das principais razões pelas quais quis vir cá. Estou em Portugal por dois motivos. Primeiro, para contar a história do Mário, para lhe prestar homenagem, e contar o testemunho da vida dele.
Já o conseguiu ler?
M: Infelizmente não falo português, mas já tenho pedido a algumas pessoas para me lerem o livro. Ainda vou ter de continuar a pedir. Mas ajudei a construir o livro, dando o meu testemunho e ajudando a construir o cenário. Há muitos testemunhos no livro, de vários voluntários estrangeiros. É importante que a verdade saia cá para fora, que o público português entenda quem era o Mário, porque é que ele saiu, o que é que fez enquanto lá esteve, de que é que se trata o conflito, porque é que há estrangeiros a ir para lá ajudar… Isso é literalmente parte da minha vida, ando a viajar por toda a Europa para o fazer. Vir a Portugal e ajudar a promover este livro, que trata de um assunto que me diz muito, é parte da luta. É educar.
Vai voltar à Síria?
M: Sim. Vou regressar em fevereiro, não necessariamente para lutar. O que quero fazer agora é focar-me no humanitarismo. Estou a trabalhar com uma instituição de solidariedade na Suíça que vai oferecer material hospitalar, por isso é o que quero fazer. Além disso, claro, vou continuar a falar disto, a chamar a atenção das pessoas para a guerra na Síria.