Há poucas semanas, o CDS anunciou um conjunto de medidas legislativas que tinham como objectivo promover a natalidade em Portugal. Actualmente, o Índice Sintético de Fecundidade (número médio de crianças por mulher) em Portugal ronda os 1,3, quando, para assegurar a reposição de gerações, deveria rondar os 2,1. Ou seja, este debate é urgente e, portanto, a discussão é bem-vinda. Os parabéns são devidos a Assunção Cristas.
Ontem tive a oportunidade de participar num debate promovido pela Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS), em que tentámos responder a esta pergunta: quem decide quantos filhos ter, o homem ou a mulher? A resposta que eu dei é simples e parte de uma premissa simples. Para se fazer um filho são necessários dois: um homem e uma mulher. Se faltar a vontade de um, exceptuando acidentes de percurso, não há bebé. Portanto, quer a mulher quer o homem têm poder de veto. Numa relação a dois, se um quiser ter um filho e ou outro quiser três filhos, o resultado final não será a média das vontades mas sim a vontade mínima, ou seja, um.
Partindo desta premissa, torna-se óbvio que se queremos desenhar políticas para aumentar a natalidade temos de saber se é o homem ou a mulher quem, em regra, não deseja ter mais filhos e porquê. Só assim podemos actuar sobre as causas. Matthias Doepke e Fabian Kindermann (professores de Economia na Northwestern University e na Universität Bonn) concluíram que, em regra, são as mulheres que não desejam mais filhos. E o motivo é simples, porque a maioria do trabalho doméstico recai sobre elas. Numa altura em que as mulheres têm cada vez mais ambições profissionais, terem de ser elas a arcar com o trabalho que os filhos dão tolhe-lhes a vontade.
O trabalho destes economistas não incluía Portugal. Mas uma das conclusões de um estudo coordenado por Maria Filomena Mendes para a FFMS concluía que, em Portugal, um dos determinantes mais importantes na decisão de ter um segundo filho é, precisamente, o papel do pai na educação e crescimento do primeiro filho. Quanto mais prestável for o pai, mais vontade tem a mãe de ter uma segunda criança.
Fiz este gráfico usando dados da OCDE sobre a divisão de tarefas domésticas. Como se pode ler, Portugal é o terceiro país mais desequilibrado, com as mulheres a perderem quase quatro vezes mais tempo do que os homens nestas tarefas. Não surpreendentemente, Portugal é o país com o índice de fecundidade mais baixo. Diga-se que Coreia, Japão — os únicos com desigualdade superior à nossa — e Itália — semelhante à nossa — têm índices de fecundidade praticamente iguais aos nossos. Já os países com natalidade mais elevada, como França ou a Noruega, são muito mais igualitários.
Ou seja, nos países desenvolvidos, tarefas domésticas partilhadas são essenciais para a natalidade, pelo que, se não tivermos como ideal o México ou a Turquia — tão desiguais como nós, mas com fecundidade bastante superior —, as políticas devem promover a igualdade. Petições como a que há uns meses chegou à Assembleia da República, visando o alargamento da licença de maternidade (sem o correspondente aumento para a paternidade), são tiros nos pés. É evidente que há tarefas que não podem ser partilhadas, como a gravidez ou o parto. E é perfeitamente compreensível que seja a mulher a beneficiar da licença de parentalidade nas primeiras semanas de pós-parto (até para a mãe recuperar fisicamente). Mas, daí para a frente, quanto mais paritário melhor.
Para muitos, a ideia de ter os homens a tomar conta das crianças é assustadora, mas não há motivos para isso. Por exemplo, Ankita Patnaik, na sua tese de doutoramento em Economia (Cornell University), estudou os efeitos de uma reforma à licença de parentalidade que ocorreu no Quebec, Canadá, em 2006. Essa política tinha como objectivo explícito fazer com que os homens passassem mais tempo em casa com os bebés. Para tal criaram um programa com o nome fofinho de “5 semanas só para os papás” (5 ‘daddy-only’ weeks). O Quebec tornou-se na única região do Canadá na qual os pais beneficiavam de uma licença de paternidade que era um direito individual e intransferível. Tornou-se um laboratório perfeito para testar os efeitos destas políticas, ficando as outras regiões servir de grupo de controlo. E quais foram os resultados?
Os homens gostaram e passaram a querer estar mais tempo com as crias. As crianças também gostam e também ganham: há vários estudos que comprovam que a criança beneficia de um pai presente. Mas Ankita Patnaik chegou a mais duas conclusões interessantes. Em primeiro lugar, a longo prazo, os homens passaram a cooperar mais nas tarefas domésticas, Em segundo, e como seria de esperar face aos resultados de Doepke e Kindermann, descritos acima, a taxa de fecundidade aumentou.
Conclusão, se à emancipação laboral feminina corresponder uma emancipação familiar masculina, todos ganham: as mulheres, os homens, as crianças e a natalidade.