Em Maio de 2014, para tirar o lugar a António José Seguro, António Costa transformou uma vitória eleitoral numa derrota; agora, para se manter no lugar, pretende transformar uma derrota numa vitória. Como o povo não o quis, recorre a uma combinação de bastidores parlamentares. “Se for preciso, faz coligação com o diabo”, dizia um amigo no livro que sobre ele escreveram Bernardo Ferrão e Cristina Figueiredo. Estamos a ver.

Em princípio, o PS teria muito mais vantagens num acordo com o PSD e o CDS: o governo dependeria dele, o PS poderia impor medidas, controlar o tempo, preparar a sucessão. Em vez disso, num pacto com o BE e o PCP, será o PS a parte dependente, como Catarina Martins já fez sentir. Mas Costa sabe que a primeira solução seria o seu fim, na medida em que implicava o reconhecimento da derrota do dia 4. A “maioria de esquerda” é o tapete aritmético para debaixo do qual Costa pretende varrer o seu fracasso. Muitos já recensearam os riscos e as dificuldades de um governo à mercê do PCP e do BE num país do euro em convalescença financeira. Também sabemos que, ao contrário do que clamam Costa e os seus apaniguados, o PS não está separado do PCP e do BE apenas pelos incidentes do PREC, uma zanga de família, ou detalhes de política externa: entre o socialismo democrático e o comunismo há a distância que vai do reformismo à revolução, da democracia à ditadura. Qual dos ingredientes vai sobreviver à mistura?

Mas o pacto de Costa com o PCP e o BE é apenas metade da história. A outra metade é o rompimento com o PSD e o CDS. Em Novembro de 2014, no congresso do PS, Costa proclamou uma ruptura total, “um fosso ideológico, cultural e até civilizacional” entre o PS e a “direita”. Não lhe bastou ter políticas alternativas: teve de excomungar e de segregar a “direita”, perfilhando os termos rotineiros da propaganda comunista. O branqueamento do PCP e do BE está assim articulado com a diabolização da direita democrática, acusada dos piores crimes: tão grandes, que justificam uma aliança com estalinistas para a expulsar do governo. Costa não está a derrubar o muro de Berlim: está a passar para o outro lado.

Costa preocupa-se agora com a discriminação de partidos que valem 20% dos votos, e que nunca valeram mais. Mas a exclusão do governo — por meros arranjos parlamentares — de partidos que ganharam as eleições, que valem 40% dos votos e que há quatro anos valeram 50%, será muito mais desestabilizadora para o regime. PSD e CDS vão reagir fortemente. É uma questão de sobrevivência. É também uma questão de oportunidade: pela primeira vez, têm a possibilidade de reclamarem em exclusivo a representação da opinião democrática, reformadora e europeísta, perante um eventual bloco social-comunista. Porque é que haveriam de ter a contenção que faltou a Costa e aos seus parceiros? A exclusão do PCP e do BE não dividia a sociedade portuguesa; a exclusão do PSD e do CDS, contra as tradições e as regras do regime, dividirá.

Já não há soluções de governo estáveis e coerentes neste parlamento. A coligação PSD-CDS venceu as eleições, mas não terá, pelos vistos, apoio parlamentar. Um acordo Costa-PCP-BE poderá reunir esse apoio, mas será sempre apenas um arranjo de derrotados, uma Frente Impopular, para eliminar a opção de governo mais votada pelos portugueses. Só a dissolução deste parlamento e novas eleições poderão resolver a crise política portuguesa: ou dando à coligação PSD-CDS a maioria absoluta que lhe faltou, ou dando a um bloco Costa-PCP-BE a vitória eleitoral que não teve. O país, sabendo o que agora sabe, tem o direito e precisa de fazer uma grande escolha. Quanto mais depressa ficar estabelecido que haverá novas eleições em Maio ou Junho de 2016, melhor para todos.

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