Schauble exige sanções, Passos denuncia erros, alguns socialistas têm dúvidas, e o presidente marca prazos: a António Costa não faltará, um dia, quem culpar por uma eventual infelicidade governativa. Mas se ninguém o ajuda, também ninguém está a tentar derrubá-lo. Se fosse Júlio César, Costa poderia entrar e sair do Senado sem qualquer risco. Porquê? Porque ao fim de seis meses de governo, ainda ninguém sabe quando isto vai acabar, mas cada vez menos gente acredita que vá acabar bem.
A favor de António Costa, o primeiro político que chegou ao governo por meio de uma derrota eleitoral, admitirei duas coisas. Primeiro, que a sua ideia de governar para pensionistas e funcionários, a quem convenceu de que seriam os beneficiários da reversão da “austeridade”, faz sentido político. Segundo, que Costa tem razão quando diz que o crescimento económico é a solução: a sociedade portuguesa desenvolveu expectativas e compromissos que só uma economia em expansão pode realizar.
Costa propõe-se praticar em Portugal uma espécie de chavismo topo de gama. Na Venezuela, Chavez reuniu aplausos distribuindo os trocos do petróleo aos pobres. Em Portugal, Costa não tem petróleo, mas tem os impostos. O problema é este: ao mesmo tempo que criou expectativas, Costa comprometeu o meio de as satisfazer. Na Venezuela, a inflação acabou por fazer zangar os pobres. Em Portugal, é a estagnação económica que pode comprometer o apoio que Costa procura entre os dependentes do Estado.
Neste momento, Costa parece acreditar que bastará o Estado gastar mais dinheiro para haver o crescimento económico que impeça a despesa pública de gerar défice. De facto, é pouco provável que acredite nisso. O plano de Mário Centeno, o ano passado, sugere que não. Mas Costa não tem alternativa. Durante a oposição a Passos, Costa, como outros seus correligionários, aceitou identificar a liberalização da economia e a reforma do Estado com a “direita”. Por mero oportunismo, renunciou, na prática, à ideia “sueca”, que animou a “Terceira Via”, de que o Estado social só é viável com uma economia de mercado forte. Costa atolou assim o PS no campeonato do radicalismo, em concorrência com o PCP e o BE. E por cruel ironia, foi a esses partidos que teve de recorrer para sobreviver ao fracasso eleitoral de Outubro de 2015.
O PCP e o BE salvaram António Costa e não o vão deixar cair tão cedo, porque o falhanço de comunistas e de bloquistas não foi menor do que o dele. A austeridade fez crescer o Syriza na Grécia e o Podemos em Espanha. O Syriza saltou de 4,6% do voto em 2009 para 36% em 2015; o Podemos chegou aos 20,6% em 2015. Em Portugal, comunistas e bloquistas limitaram-se a aguentar. O PCP desceu de 446 mil votos em 2009 para 444 mil em 2015, e o BE, de 557 mil em 2009 para 550 mil em 2015. Costa deixou-os, entretanto, colonizar ministérios e televisões. Mas o muro não caiu: PCP e BE só podem esperar crescer à custa um do outro e do PS. Por isso, apoiando o governo, continuam ciosos do seu revolucionarismo. Isso que dizer que a partir de Novembro, António Costa passou a ter como missão convencer investidores privados e parceiros europeus, tendo ao seu lado os mais verbosos inimigos do capital privado e da integração europeia. Ora, ninguém imagina crescimento em Portugal sem investimento, e ninguém imagina investimento sem a confiança da Europa.
Por tudo isto, talvez os políticos tenham razão em olhar para Costa como um condenado que caminha para o patíbulo (“dead man walking”, como dizem na América). A favor dele, já só está o comprimento do corredor.