Os onze dias da visita oficial de Donald Trump à Ásia davam pano para mangas. Ou melhor, para artigos. Mas este foca-se em três pontos que, no seu conjunto, ilustram uma nova grande estratégia americana.

Em primeiro lugar, termos como Ásia Oriental, Sudeste Asiático ou Ásia-Pacifico, desapareceram. Agora a região é um todo e chama-se Indo-Ásia. O termo terá sido inventado lá para Oriente, por estrategas japoneses, indianos e australianos, que perante as ameaças regionais – a Coreia do Norte –, a emergência chinesa, tornada (ainda mais) pública no último Congresso do Partido Comunista Chinês e a consequente fragilidade da segurança do estreito de Malaca (imprescindível para o comércio regional), acharam por bem unir forças para se proteger mutuamente e promover o crescimento económico da região.

Shinzo Abe, primeiro-ministro do Japão, já com um historial de relações cordiais com o presidente americano e com um mandato renovado para a dar inicio à militarização do país, teve a tarefa de tentar convencer Donald Trump a juntar-se à iniciativa. A informalidade do acordo e assuntos mais prementes na agenda internacional deixaram o presidente americano em situação de não ter de se pronunciar sobre o tema. Mas sabe-se que o secretário da Estado, Rex Tillerson, tem acompanhado este movimento de parceria, configurando um apoio tácito de Washington, sem aborrecer demasiado a China.

Segundo, Shinzo Abe pode mesmo ter oferecido a Trump aquilo que o presidente americano perdeu quando cometeu o erro de rasgar o TTP: uma forma de contrabalançar o poder chinês. Avesso ao multilateralismo, como já sabemos, o presidente americano recusou ir em frente com a Parceria Transpacífico, um acordo de comércio livre entre os Estados Unidos e 13 países asiáticos – que excluía a China, isolando-a comercialmente. Não era só um instrumento comercial, era também um instrumento de segurança.

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Assim, mataram-se dois coelhos de uma só cajadada: os estados asiáticos mais fortes unem-se para conter Pequim (com uma ajudinha discreta da Casa Branca) e deixam a Washington o caminho aberto para estabelecer relações comerciais como bem entender. E neste particular, a China foi o estado mais beneficiado nesta visita. Não só viu Trump desculpa-la publicamente de “batotas económicas” do passado, como ainda assistiu à acusação pública de Barack Obama por criar as condições para Pequim o fazer na maior das legitimidades: quem pode culpar Xi Jinping por usar a regras implementadas internacionalmente para beneficiar o seu povo? Música para ouvidos chineses.

Aliás, este é o terceiro ponto, a visita à China foi uma espécie de festa diplomática. Donald Trump e Xi Jinping trocaram elogios rasgados depois de uma receção à grande e à chinesa. Os dois líderes não só parecem ter uma relação pessoal próxima e muitíssimo cordial como Donald Trump foi o primeiro líder dos Estados Unidos que tratou Pequim como um parceiro (quase) igual (um requisito visto como absolutamente fundamental para um país que pretende ter uma posição privilegiada no sistema internacional) e que não fez qualquer discurso sobre direitos humanos (uma sombra que paira nas relações sino-americanas desde Tiananmen). Mais, o presidente americano aceitou os dez pontos vindos de Pequim para dar início a um acordo comercial, e arrancou do presidente Xi a promessa de uma posição mais assertiva perante o problema nuclear da Coreia do Norte.

A festa diplomática já tinha começado no Japão (Abe disse que os laços entre os dois países nunca tinham sido tão fortes) acabou com o próprio presidente das Filipinas, Rodrigo Duterte, a cantar para o presidente americano (depois de uma longa discussão sobre o tráfico de drogas, um problema que também aflige os Estados Unidos). Nos cinco países visitados – Japão, Coreia do Sul, China, Vietname e Filipinas – trocaram-se muitos elogios e promessas de parcerias estratégicas bilaterais nos assuntos que mais perturbam ou beneficiam cada um dos estados.

Destes três pontos, saem três conclusões. A primeira é que a relação Estados Unidos-China passou a ser central para Washington. Pequim é reconhecido como o estado que pode comprometer o equilíbrio do sistema internacional e, por isso, está no topo das prioridades da Casa Branca.

Segundo, Trump anunciou as suas intenções: os Estados Unidos passaram a ser uma nação “normal” que não se intromete nos assuntos dos outros estados e que está disposto a negociar questões de segurança e comércio em separado e caso a caso, especialmente com estados que estejam em sintonia com os interesses americanos e aceitem a sua postura internacional. Esta é a nova grande estratégia americana. Os países asiáticos visitados parecem sentir-se muito confortáveis com estas condições. Se a Ásia já era, por força das circunstâncias (leia-se a transição de poder político e económico para aquela parte do globo e a ameaça existencial da Coreia do Norte a um conjunto de países) a região do globo que merecia mais atenção dos EUA, a nova grande estratégia só contribui para que se estabelecem relações privilegiadas. Os países asiáticos (mesmo as democracias) preferem esta postura amoral e não parecem incomodar-se particularmente com o discurso assertivo, e muitas vezes fraturante, de Donald Trump.

Em terceiro lugar, se os Estados Unidos continuarem neste caminho vamos assistir à transformação do mundo numa ordenação muito mais minimalista, muito menos democrática e muito menos liberal (em sentido político e económico). A Europa sentir-se-á sempre mais desconfortável em detrimento de outros. Não é por acaso que Donald Trump foi uma espécie de príncipe asiático por onze dias. E isso é o que verdadeiramente importa para o interesse nacional norte-americano, nesta nova visão do mundo. Daqui para a frente, os parceiros privilegiados de Washington são os que aceitam estas regras, e estão dispostos a negociar com os EUA em questões que contemplem o interesse fundamental de ambos os parceiros. Tudo o resto passa a pertencer à categoria de arquivo diplomático.