Domingo à noite e Marcelo entrevistado na televisão. Fosse há dois anos e seria um domingo como outro qualquer. Mas, sendo hoje, foi a estreia em entrevista no papel de Presidente da República. Ou, em boa verdade, nesse e nos muitos outros papéis que Marcelo desempenha – ministro da Economia, ministro da Educação, ministro da Cultura, coordenador das negociações para a Concertação Social e, claro, primeiro-ministro do primeiro-ministro. E o que nos disse Marcelo? Duas coisas. Primeiro, alinhando com o governo, exalta que o país está espectacular. Segundo, informa que está espectacular, em grande medida, graças a ele.
A dívida pública está demasiado alta? Se virmos em termos líquidos, melhorou. As taxas de juro da dívida a 10 anos subiram perigosamente acima dos 4%? Sim, mas depois baixaram. Foi uma vitória conseguir um défice de 2,3%? Sim, e certamente ficará ainda mais baixo. O modelo económico do governo está correcto? Os dados ainda não o contradisseram, esperemos pelos resultados fechados de 2016. Há riscos políticos dentro da “geringonça”? Sim, mas há também muitos consensos alcançados nas áreas-chave da governação. A TSU gerou uma crise política? Não, haverá certamente solução para breve. E a tensão política entre governo e oposição? Houve descrispação na sociedade e ter uma oposição forte é positivo para o país. Marcelo vive num país das maravilhas e, para ele, tudo está bem (ou, pelo menos, a melhorar) – é essa a mensagem que pretende passar. Mesmo que, na prática, a realidade seja muito menos colorida – a descrispação é uma ficção, a banca portuguesa está muito fragilizada, não há solução para quando a torneira do BCE fechar e a economia cresce muito abaixo do que crescia em 2015.
A segunda mensagem de Marcelo é o assumir da extensão da sua influência política. Sim, como o próprio reconhece, ele intervém muito. Mas não é uma questão de quantidade. Marcelo foi nesta entrevista o que é no actual contexto político: não um facilitador institucional da governação (como foi Cavaco Silva), mas um agente activo na fixação das opções políticas, com informação aprofundada e poder de influência em vários dos dossiers em curso. Nas grandes decisões estratégicas, nada se faz sem a sua aprovação. Foi ele quem insistiu e se empenhou na Concertação Social. É ele quem controla a evolução da situação do Novo Banco. É ele quem determina os consensos políticos e sociais, garantindo paz ao governo. E é ele a figura-chave nos contactos internacionais, para assegurar a credibilidade externa do país.
Tudo somado, ainda não foi desta que ficámos a saber o que Marcelo defende como opção estratégica para o país. Mas, como sempre, o mais importante escondeu-se no que ele não disse, porque já não precisava de dizer. Sim, para ele, o país está espectacular. E isso deve-se ao facto de o primeiro-ministro ter percebido que, para sobreviver em São Bento, teria de deixar Marcelo governar a partir de Belém.