A tensão institucional entre primeiro-ministro e presidente da república leva-nos à muito provável sentença de que, no decorrer desta legislatura, Marcelo Rebelo de Sousa usará os seus poderes constitucionais para demitir o governo ou dissolver o parlamento. Por enquanto, só podemos especular sobre o calendário da acção presidencial — e, nesse campeonato de apostas, creio que Marcelo optará por ir cozendo o governo em lume brando durante meses, na certeza de mais trapalhadas, mais revelações na comissão de inquérito da TAP e mais contestação social. Mas, seja quando for, nada apaga este facto: com uma espada sobre a cabeça, o governo vive agora à espera de morrer, gerindo o dia-a-dia e governando a pensar nas eleições que enfrentará num horizonte indefinido.

Isto acarreta várias implicações. Por um lado, aponta para um governo em campanha eleitoral, que dá privilégio a medidas eleitoralistas e direccionadas a clientelas, enquanto o PS se entretém com intrigas internas e lutas de poder — animando durante meses os programas de comentário político. Por outro lado, resta a constatação de que nada disso interessa realmente ao país e às populações, cada vez mais esmagadas pelos desafios sociais e económicos, e cada vez mais penalizadas pelas falhas dos serviços públicos de Saúde e de Educação. Ou seja, os problemas permanecerão sem solução à vista. Se restasse um pequeno fragmento de ímpeto reformista no governo, esse evaporou-se esta semana.

Chegarmos aqui tem algo de desesperante. Se nem um governo de maioria absoluta é forte o suficiente para reformar o país nas suas áreas-chave, levando a cabo as mudanças que urgem, então como é que Portugal sairá deste ciclo de empobrecimento económico e de expectativas? Não haver resposta para esta pergunta é o grande bloqueio da política portuguesa. E, após anos de geringonça e regressões, com o futuro hipotecado, parece que o país se contentou com a ideia de que ficar parado é bom, simplesmente porque pelo menos não se anda para trás.

A mensagem dominante da semana política é precisamente essa: Portugal adiará novamente a resolução dos seus desafios, até que estes lhe rebentem nas mãos. Com um governo a prazo, António Costa será, até ao fim, igual a si próprio: um mestre das intrigas palacianas e uma nulidade das políticas públicas. Nunca governou de outra forma, porque nunca compreendeu a política de outra forma. Ouço muitos a lamentarem esse modus operandi, mas sou dos que acredita que o país não tem qualquer legitimidade para se queixar das suas próprias escolhas. Afinal, António Costa não é um novato da política e, quando venceu as eleições legislativas com maioria absoluta, os eleitores sabiam quem escolhiam para os governar. É apenas democrático que, agora, levem forte e feio com essa escolha, durante o máximo tempo que o regular funcionamento das instituições o permitir.

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