Há muito que é tema o afastamento dos cidadãos em relação à política, assim como a percepção negativa que, em geral, os portugueses têm acerca dos seus representantes. Da mesma forma que é da praxe suspirar, nas noites eleitorais, pelos elevados níveis de abstenção, reafirmando-se a ideia de que o sistema eleitoral não promove a proximidade entre o eleitor e o eleito. Mas, até hoje, o que se produziu com essa constatação, para além de lamentos?
Quase nada. Por um lado, porque os partidos com representação parlamentar (sobretudo os mais pequenos) colocam obstáculos a qualquer mudança. Por outro lado, porque o debate tende frequentemente para a demagogia: ou por via da diminuição do número de deputados, ou por via da “eleição” de cadeiras vazias em representação dos votos nulos/ brancos. Ora, a questão não é só estas serem ambas ideias meramente punitivas. É sobretudo que ambas são inúteis para a resolução do problema – não é porque há menos deputados no parlamento que estes prestarão mais contas aos eleitores.
O que fazer, então? É óbvio que não existem soluções perfeitas. Mas há as soluções possíveis e uma delas é o voto preferencial, que liberta o eleitor das listas fechadas dos partidos e lhe permite escolher qualquer candidato de uma lista, mesmo que este vá ordenado em último lugar. Não se trata de um experimentalismo, pois o sistema de voto preferencial aplica-se com sucesso em vários países europeus, embora por cá haja quem argumente que a sua implementação seria impossível (por questões logísticas e por causa de défices de qualificação da população, sobretudo a mais idosa). Mas será que é mesmo? Marina Costa Lobo, José Santana Pereira e João Tiago Gaspar tentam responder, num estudo recentemente publicado: sob a forma de uma sondagem à boca da urna no domingo das eleições legislativas, simularam a aplicação do voto preferencial com três boletins (A = tradicional; B = permitia escolher entre votar num partido ou num candidato; C = possibilitava votar num candidato), em três círculos eleitorais – Lisboa, Beja e Braga.
Ora, os resultados são, no mínimo, encorajadores. Primeiro, o número de votos nulos/ brancos nos boletins B e C foi relativamente baixo. Segundo, houve semelhança entre os resultados eleitorais oficiais e os resultados obtidos na experiência em Beja e Braga. Terceiro, a utilização do voto preferencial em círculos grandes não constituiu um impeditivo logístico. E, quarto, observando os inquiridos pelo seu perfil educacional, não há indícios de que o voto nos boletins B e C seja “difícil” para quem tem qualificações mais baixas. Ou seja, os investigadores concluíram que os inquiridos souberam usar o voto preferencial e escolher os seus candidatos preferidos.
Sim, é apenas um estudo e há que evitar atirarmo-nos de cabeça para alterações ao sistema eleitoral. E, claro, a questão é delicada, até porque o sistema eleitoral não é um mero pormenor e as suas regras têm consequências significativas em termos de representatividade ou de governabilidade. Por exemplo, é o sistema eleitoral a duas voltas que, em França, impede a Frente Nacional de vencer eleições. Ou é o sistema eleitoral britânico que dá uma maioria absoluta (330 deputados) aos conservadores com 36% dos votos nacionais (menos do que a coligação Portugal à Frente), mas apenas um deputado ao UKIP (13%). Ora, ao não alterar estruturalmente o sistema eleitoral, a opção pelo voto preferencial respeita todas essas condicionantes e é uma proposta realista.
Os partidos quererão discuti-la? E terá o governo vontade de a aprofundar? Esperemos que sim, embora pareça que não. É que um dos mais interessantes compromissos eleitorais do PS – a “reforma do sistema eleitoral, à qual se associam medidas para alargar e facilitar o exercício do direito de voto” (p. 25 do Programa Eleitoral) – sumiu e não consta do Programa de Governo. Ora, numa legislatura que será mais longa do que muitos julgam, o mínimo é que algumas boas ideias reformistas não fiquem esquecidas no papel e trancadas na gaveta. Há, pois, que começar por algum sítio – e a reforma do sistema eleitoral seria um bom ponto de partida.