Um alegado humorista, que sinceramente desconheço, escreveu algures uma graçola sobre a “xenofobia” de Pedro Passos Coelho e a doença da mulher dele. Num ápice, inúmeras pessoas, muitas das quais tenho por decentes, lançaram-se para as inevitáveis “redes sociais” a insultar o alegado humorista, a providenciar-lhe publicidade gratuita e, em certos casos, a tentar, sem dispôr dos meios, reproduzir os métodos usados pela oligarquia para silenciar dissidências.
É verdade que, à semelhança de diversos colegas, o alegado humorista é pelos vistos avençado da oligarquia. É verdade, segundo li, que é pago pelos contribuintes por umas rábulas de revista na rádio pública. E é verdade que bater em Pedro Passos Coelho, inclusive pelas razões mais absurdas, talvez lhe confira créditos junto dos respectivos chefes. Mas também é verdade que criaditos do poder não faltam, que os contribuintes pagam à força o salário a multidões de matarruanos (mesmo descontando os familiares do prof. dr. Carlos César) e que a voracidade com que idiotas sortidos decretam a irrelevância de Pedro Passos Coelho é proporcional ao pavor que, com ou sem motivo, este teimoso indivíduo lhes inspira.
O que importa, em todo o insignificantíssimo episódio, é o facto de o alegado humorista ter o direito de se aliviar das atoardas de que gosta e a chatice de ouvir de volta atoardas de que não gosta – pretender o contrário é próprio da esquerda que o moço serve. A liberdade de expressão – cansa repetir – inclui a liberdade de se exprimirem coisas que nos são repulsivas, maçada que vale para piadas de oncologia, referências ao dialecto do dr. Costa ou manifestações contra “minorias”. Os recentes acontecimentos em Charlottesville, Virgínia, são um exemplo adequado.
Por grotesco que pareça, os “supremacistas brancos” deviam ser livres de berrar as alucinações que os embalam sem se verem importunados, ou publicitados, por “activistas” diversos, para cúmulo possuídos por aversões similares: ao capitalismo, às multinacionais, aos judeus, ao “sistema”, ao que calha. Calhou de discordarem acerca de alguns dos “grupos” a combater, e é pena. Unidos, ambos os gangues conciliariam a vontade vã de uns em expulsar os seus ódios de estimação do território americano com o esforço consumado dos outros em expulsar os seus ódios de estimação das universidades americanas. E prosperariam enfim.
Em abono do rigor, o totalitarismo já prospera, obrigadinho. Nos EUA e aqui, criaturas radicalmente desprovidas de utilidade teimam em vigiar a linguagem e decretar os limites do “admissível”. E, cá como lá, a sanha persecutória é menos consequente nos supremacistas brancos do que nos vermelhos. Ninguém se incomoda com insultos a europeus ou a cristãos. Porém, dia após dia, surge um “escândalo” alusivo ao que X disse da maravilhosa “cultura” cigana, ou ao que Y disse da “comunidade LGBTQRONVS§#™‰*$”, ou ao que Z pensou em dizer do prodigioso governo que nos ilumina. É estranho um mundo onde os beatos do Bloco ou a namorada do ex-presidiário Sócrates se sentem habilitados a julgar – e se esgadanham para castigar – as opiniões alheias. Ou, dado que a deturpação é abundante, a amálgama de mentiras em que transformam as opiniões alheias.
Para os distraídos, estamos a falar de gente com credibilidade idêntica à de um astrólogo (com ofensa aos astrólogos). São anti-fascistas que professam o comunismo ou participam com zelo num regime influenciado por comunistas. São feministas que se borrifam para a humilhação das mulheres ciganas. São democratas que aplaudem o regime venezuelano. São lobistas “gay” que se apaixonam pela Palestina. São ecuménicos que abominam as religiões ocidentais. São opositores do racismo que compreendem os racistas do islão. São indignados com a xenofobia que insultam os espanhóis e os alemães e os ingleses que nos visitam e sustentam a nossa reles economia. Ainda assim, procurar calar essa gente seria imitar-lhe os princípios. O que interessa é recusar que, à conta da intimidação, essa gente nos cale a nós.
Pedro Passos Coelho foi criticado por criticar uma lei perigosa, a que permite a permanência em Portugal a estrangeiros cadastrados ou, cito a expressão que suscitou o pânico, a “qualquer um”. Agora, em Barcelona, confirmou-se pela enésima vez aquilo de que “qualquer um” é capaz. Os gritos de “racismo” dirigidos ao líder do PSD não se distinguem das afirmações de valentia e dos apelos à fraternidade universal exibidos após cada atentado. Trata-se, na melhor das hipóteses, da cedência infantil a clichés. Na pior, é má-fé, e o som de uma civilização a entregar-se, deliberada e jovialmente, ao próprio fim. Haverá um humorista a sério para brincar com isto?