As opiniões que produzo aqui e na Rádio Observador levam diversas pessoas a insultar-me, mediante e-mail ou comentário na net. Acho muito bem. Se eu tenho a liberdade de criticar quem entender, os demais devem ter a liberdade de me criticar a mim. Claro que, por regra raramente violada, eu critico criaturas com poder ou influência junto do poder, enquanto os meus críticos me atacam para defender criaturas com poder ou influência junto do poder. Também é verdade que estou evidentemente identificado e os meus críticos se escondem com frequência atrás de pseudónimos impossíveis de desvendar e, às vezes, até de ler. E não descuro a diferença entre assinar uma coluna e passar as madrugadas a rastejar por “redes sociais” alheias de modo a deixar registo da nossa antipatia para com alguém. Mas nada disso é um problema. O único problema dos insultos que me dirigem é a qualidade dos mesmos.

Desculpem dizê-lo, rapaziada: os vossos insultos são fraquinhos. Para ser rigoroso, em geral roçam a indigência e embaraçam, ou deviam embaraçar, o respectivo perpetrador. Não se admite que indivíduos presumivelmente adultos (questão que está por apurar) afrontem o próximo, no caso eu, de maneira tão primitiva. E, pior, previsível. Sucede que, além de miseráveis, os insultos são repetitivos, formatados e encaixam sempre em uma de quatro ou cinco categorias, que passo a enumerar com propósitos pedagógicos e, no limite, humanitários.

O insulto capilar. Um tipo amanha cinco mil e quinhentos caracteres, por exemplo, acerca das poucas-vergonhas em redor da TAP e o que recebe em matéria de argumento discordante é a acusação de que é careca. Assim, literalmente: “Cala-te, que és careca!”. Meus caros, eu sei que sou careca. Já reparei nisso há uns dez anos. Possuo acesso a espelhos, fotografias e ao sentido do tacto. Em contrapartida, vocês não parecem possuir sentido do ridículo, nem idade para concluir o infantário. Alertar para a minha calvície não é só redundante (ver razões acima) e inconsequente (o pormenor não me incomoda): é uma micro-agressão descabelada a todos os carecas que não o admitem e que apreciam a governação socialista em matéria da TAP e do que calha. Pensem nisso, se conseguirem pensar.

O insulto gástrico. Um tipo lamenta a devastação programada do alojamento local ou, sei lá, a viagem do dr. Costa à Nova Zelândia para ver a bola e recebe inúmeros conselhos para ingerir Rennie, o popular antiácido recomendado no tratamento da azia e da indigestão. Ocasionalmente, os especialistas, talvez subsidiados pelo laboratório rival, preferem receitar-me Kompensan. Em qualquer das hipóteses, este é o “insulto” mais comovente que consigo imaginar. Usei aspas porque não é bem um insulto, antes um teste demonstrativo de que o atraso mental é um drama que não pode ser descurado. Como funcionará o cérebro de quem sugere Rennie para se convencer de que venceu um debate? Em suma, não funciona. O triste é que semelhante espécime tem família, amigos e um Estado que, em lugar de lhe fornecerem o acompanhamento adequado, fornecem-lhe um telemóvel e deixam-no ao Deus dará, a fazer figuras lastimáveis em público.

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O insulto numérico. Um tipo condena a histeria alusiva ao clima e é esclarecido por um anónimo das “redes” de que a nossa convicção está destinada à indiferença das massas. A frase habitual é uma variação ligeira do modelo: “Cala-te, que ninguém te liga!” Desde logo, é interessante que em oito biliões de indivíduos na Terra a minha crónica tenha sido justa e unicamente lida pelos indivíduos que detêm informação fidedigna sobre o desprezo a que sou votado pelos restantes (decerto são accionistas de uma empresa de sondagens ou membros de um think-tank do PS). É igualmente interessante que eles me mandem calar, uma inutilidade se partirmos do princípio de que não sou ouvido. Um dia, deu-me para espreitar a quantidade de seguidores no Twitter de alguém que me descobriu irrelevante: juro que eram dois. Dois, suponho que a mãe e uma assistente social.

O insulto genérico. Um tipo nota o desconchavo no SNS ou o forrobodó na Justiça e é imediatamente apelidado de racista, fascista, homofóbico, “trumpista” e negacionista de três ou quatro dogmas sortidos. É a argumentação (tosse) por excelência (tosse, tosse) dos que apenas conhecem este pacote de ofensas (?) e o atiram para cima da primeira opinião que detestam. E da segunda. E da terceira. E da octogésima nona. Vai tudo corrido com idêntico pacote de epítetos, o que se por um lado dispensa o recurso a neurónios, por outro indicia que nunca por ali houve neurónios a que recorrer.

O insulto remuneratório. Um tipo diz que o ministério da Educação quer fomentar analfabetos ou que a inflação decorre do dinheiro imprimido pelo BCE para sustentar os “confinamentos” e, num ápice, irrompe a insinuação: “Nós sabemos quem te paga…”. A menos que trabalhem na Autoridade Tributária, aposto que não sabem. Mas eu digo: é este jornal. Agora, se por acaso souberem de outras empresas, entidades ou particulares a patrocinar-me, informem-me com detalhes por favor, dado que as verbas não estão a chegar à minha conta. De resto, eu é que desconfio de quem paga aos moços que julgam insultar-me através dos exercícios infantis que acabei de enumerar. Isto presumindo que os moços são pagos. É que se o fazem de borla a coisa é ainda mais grave e – até que enfim – realmente insultuosa.