Quando o eurodeputado polaco Janusz Korwin-Mikkle afirmou aos gritos, num debate do parlamento, que as mulheres deveriam ganhar menos do que os homens por serem mais fracas e menos inteligentes, o mundo inteiro ficou incomodado. Mesmo as pessoas que não se julgam feministas ficaram incomodadas.

O discurso de Korwin-Mikkle é escancaradamente machista, misógino e estapafúrdio, a ponto de não deixar ninguém com qualquer dúvida sobre o seu comportamento. Não havia qualquer espaço para “porém”, “veja bem” ou “não foi bem isso que ele quis dizer”. Qualquer pessoa que lhe queira dar razão é obrigada a assumir-se como machista, conservadora e, acima de tudo, desinformada.

Ocorre que o machismo- nas suas tão variadas medidas- nos visita praticamente todos os dias. E ele não costuma, em 2017, aparecer da surreal forma gritante eleita pelo eurodeputado. Muitas vezes o machismo aparece de uma forma sutil- quase carinhosa- que pode não soar diretamente como agressão, mas que nos agride, nos fere e nos ameaça da mesma forma.

Tudo começa com a forma de tratamento utilizada para dirigir-se a uma mulher. Lembro-me de uma reunião com um cliente do meu escritório de advocacia, na qual fomos eu e meu sócio. Cada um tem 50% das cotas da sociedade. O cliente, um homem de cerca de 50 anos, chamava meu sócio de Doutor e me chamava de Meu Anjo. Meu Anjo, será possível? Será difícil perceber que isso é uma agressão para qualquer profissional?

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Há muitas versões: meu anjo, minha linda, minha querida, mocinha, miúda. Todas elas têm a mesma intenção não declarada (e por vezes não intencional): a de nos desautorizar e a de nos colocar num posto inferior àquele que nós conquistamos e que é nosso por direito. Não consigo entender qual é a dificuldade de se tratar uma mulher no ambiente profissional com a mesma distância e respeito com os quais trata-se um homem.

Algumas vezes o machismo carinhoso é motivado por sarcasmo. Outras vezes, por uma certa ingenuidade. Em ambas as versões ele é grave. Muitas vezes o machismo carinhoso vem em forma de elogio. Dizer a uma médica, professora, empregada doméstica, farmacêutica, economista ou faxineira que elas são mulheres muito bonitas (ou fazer qualquer outra menção à sua aparência física) no ambiente profissional, não é um elogio bem vindo. No ambiente profissional nós queremos ser avaliadas apenas e tão somente pela nossa conduta profissional. Será pedir muito?

São pequenas farpas do dia a dia que nos desgastam. Comentários inoportunos sobre a maternidade, sobre a vida pessoal, sobre uma série de assuntos que não deveriam sair do nosso ambiente privado, mas frequentemente saem. É preciso rever comportamentos tidos como inofensivos. Porque o machismo carinhoso é machismo como qualquer outro. A sutileza do seu exercício não minimiza seus danos. E nós estamos cada vez mais cansadas disso.