Há um ano, no rescaldo do referendo britânico, muita gente anunciou o fim da Europa.

Não apenas o fim da União Europeia, porque esse era inevitável, mas também a decadência inexorável e dramática da própria Europa e de todos os seus muitos florilégios: um continente relativamente pacificado, próspero, com um sistema social invejado em todo o lado.

Os cidadãos encolerizados em cada vez mais países iriam pôr fim à aventura da integração europeia, os Estados – as nações – vitoriosas teriam finalmente de volta a soberania que 70 anos da “ditadura” de Bruxelas lhes havia miseravelmente sonegado; e o Mundo, naturalmente, rejubilaria com o fim do mercado interno, o regresso das lutas intestinas no velho continente e a divisão entre os europeus (esta última afirmação não é só uma ironia).

Há um ano, o Reino Unido decidiu abandonar o grupo dos 28, por manifestamente não querer continuar a ser membro de um clube que o aceita como membro. Na Áustria, na Hungria, na Polónia, mas também em Itália, mas com força na Holanda, mas sobretudo em França, mas talvez na Alemanha, a longa germinação dos fantasmas nacionalistas começava a dar frutos e anunciava, sem pudor nem tibiezas, o fim do sonho da integração europeia.

Donald Trump, eleito rei do mundo, anunciou a sua determinação (embora não com estas palavras e usando sobretudo a prerrogativa do Twitter) em contribuir para acabar com a União Europeia: saudou Nigel Farage como o grande vencedor do “independence day” e convidou-o para referência internacional da sua campanha eleitoral. Desconfiado dos grandes acordos multilaterais, descontente com a pujança exportadora de países como a Alemanha, nacionalista americano oposto a qualquer semente de supranacionalidade, o Presidente norte-americano assumiu como certo aquilo que se estava mesmo a ver que ia acontecer: a implosão europeia.

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2017 foi então anunciado como o ano do Fim. Eleições em Itália (na sequência de mais um referendo infeliz), na Holanda, a cavalgada triunfal de Marine Le Pen, as eleições alemãs, o Brexit a acelerar em direcção à meta final da saída, limpa e gloriosa, não deixavam margem para o sonho daqueles que ainda acreditam em três coisas: que a Europa é pequena e rica demais para poder dar-se ao luxo de prescindir da unidade que fez a sua força durante 70 anos. Que o nacionalismo serôdio apregoado por alguns em pleno século XXI nos remete para a caminhada novecentista libero-nacionalista (para simplificar) em direcção às grandes tragédias do século XX. E que não é por gritar lobo todos os dias que salvamos as nossas ovelhas da destruição.

Um ano passou e, nas vésperas da última das grandes eleições europeias desta espécie de ciclo político, na Alemanha, muita coisa mudou. Um estranho vento de optimismo alimentado por uma economia mais sólida sopra sobre o continente; e os cobardes atentados terroristas, paradoxalmente, contribuem para uma maior solidariedade entre os europeus, unidos por um sentimento partilhado de vulnerabilidade e pela urgência da resistência ao inimigo comum.

As eleições holandesas correram melhor do que se pensava; a catástrofe anunciada nas eleições francesas não se confirmou; Itália não se dilacerou na ponta das estrelas; e o “brexit”, quase seis meses após o pedido de saída, ainda não deixou os blocos de partida e o abandono britânico da União cada vez menos parece vir a ser uma coisa boa para quem quer que seja.

Quanto às eleições alemãs, elas podem ser a confirmação de Merkel como a grande política europeia do início do século XXI. Não é certo, porém. Apesar de a Chanceler ter sido declarada, por várias sondagens, vencedora do debate televisivo de domingo, o único que teve ou terá com o seu principal oponente, o antigo presidente do Parlamento Europeu, Martin Schulz, o número de indecisos mantém-se elevado. Mas Schulz, atrasado nas sondagens, não parece ter logrado virar a maré do favoritismo da sua adversária política, como se chegou a aventar face à pouca apetência da Chanceler por este tipo de confrontos.

A verdade é que pouca coisa separa os dois partidos – o SPD de Schulz e a CDU de Merkel – e isso ficou claro neste debate.

Schulz criticou Merkel por causa dos desempregados, mas os 5 milhões sem emprego no início do primeiro termo da Chanceler são agora menos de metade. Schulz promete baixar os impostos, Merkel promete a mesma coisa. Schulz critica a política de fronteiras abertas, que Merkel continua a defender, mas Schulz é um defensor da protecção dos refugiados. Schulz desafiou Merkel a acabar com as negociações de adesão da Turquia, Merkel disse que vai consultar os parceiros europeus, sem se comprometer. Schulz criticou Trump com acrimónia, Merkel não o pode naturalmente fazer, mas é conhecido o seu sentimento em relação ao Presidente norte-americano.

A vencer as eleições, este será o quarto mandato consecutivo de Angela Merkel, que assim emula os grandes líderes alemães do pós-guerra como Adenauer e Kohl. É uma sobrevivente e tornou-se, pela força dos factos, a grande obreira da resistência da zona euro e da própria União Europeia a uma das mais duras crises económicas das últimas (muitas) décadas.

“Vielen dank Frau Merkel”, dizem-lhe os alemães, “Vielen dank” repetem os europeus que acreditam na importância da união e da solidariedade das nações europeias.

Merkel, tudo aponta nesse sentido, vencerá as eleições do próximo dia 24. As sondagens também não registam a subida avassaladora dos populistas do AFD que chegou a recear-se o ano passado.

A vaga de fundo anti-europeia, nacionalista e populista, que se começou a formar nas brumas distantes da velha Albion e parecia ir invadir o continente, país a país, eleição após eleição, afundou-se nas margens sólidas do bom senso e da moderação.

Vença Merkel ou Schulz, a União continua em boas mãos. Martin Schulz é igualmente um defensor estrénuo da integração europeia, pelo que, em definitivo e antes das eleições alemãs, a encerrar, para já, o ciclo da ameaça de desintegração do velho projecto europeu, posso afirmar com tranquilidade (e com a devida vénia a Mark Twain): as notícias da morte da Europa e do Ocidente são francamente exageradas. Como aliás o foram noutras ocasiões, repetidas sem cessar pelas aves de mau agouro.