São muitas as questões (estratégia, pessoas, ideologia, projecto político) que permanecem por esclarecer no duelo entre Pedro Santana Lopes e Rui Rio, candidatos à liderança do PSD. Mas há uma questão por colocar ainda mais decisiva para o futuro do PSD: quem é que Marcelo precisa de ter na liderança do partido, para satisfazer as suas ambições? A resposta a esta pergunta pode conter o nome do próximo primeiro-ministro.

Ninguém tem dúvidas de que Marcelo fez da sua presidência o epicentro da política nacional – todos suspiram pela sua validação, ninguém o deseja ter como inimigo. Isso não é um acaso, é uma estratégia: Marcelo mede as palavras, lança recados, argumenta com a sua popularidade, cultiva a sua própria influência política e tudo faz para a preservar. Ora, a chave analítica para compreender os próximos dois anos políticos, até às eleições legislativas de 2019, está no seu comportamento. E, se hoje não há razão política para a relação entre presidente da república e primeiro-ministro azedar (sobretudo enquanto o PSD não é alternativa viável ao PS e a economia continua a dar boas notícias ao país), isso mudará inevitavelmente com o aproximar das eleições legislativas.

A situação política que Marcelo herdou assenta-lhe na perfeição – mas não é sustentável no tempo. Ele é um presidente com um mandato fortíssimo, venceu as eleições com maioria absoluta e é (de longe) o político com maior popularidade em Portugal. Ao seu lado, tem um primeiro-ministro que, pela primeira vez na democracia portuguesa, foi derrotado em eleições legislativas e que depende de terceiros para segurar o seu governo. O contraste gera uma tensão hierárquica entre os dois – como evidencia a reacção política de António Costa ao discurso bombástico de Marcelo sobre os incêndios, indo a correr fazer tudo o que não fez durante meses. Como em tempos escrevi, Marcelo é o primeiro-ministro do primeiro-ministro. E é a fraqueza política de Costa que permite a Marcelo assumir-se como actor principal.

O problema de Marcelo é que, tudo indica, o resultado das eleições legislativas de 2019 mudará esse equilíbrio de forças. E, para além de fixar uma nova divisão de cadeiras no parlamento, determinará o papel de Marcelo para os anos seguintes, no seu (presumível) segundo mandato. Se se olhar aos cenários mais prováveis nas sondagens (uma maioria absoluta do PS ou uma coligação maioritária PS-BE), Marcelo está em risco de ser relegado à bancada dos espectadores. É que, como se percebeu, António Costa só presta contas ao presidente quando a isso é obrigado – e, com uma maioria absoluta sólida no governo, ficaria isento de o fazer, tal como aconteceu entre Sócrates (2005-2009) e Cavaco Silva. Ou seja, por outras palavras, o reforço eleitoral do PS ou de uma solução maioritária num governo PS não é do interesse de Marcelo, pois isso implicaria a sua perda de influência.

O dilema do presidente da república devolve-nos ao ponto de partida: a solução para o problema de Marcelo poderá estar na liderança do PSD. Não em Rui Rio, com quem mantém uma relação pouco aberta, mas em Santana Lopes. Porque, depois do trauma com Jorge Sampaio, se Santana Lopes fosse primeiro-ministro apostaria tudo em manter uma óptima relação com a presidência, com vista a completar o seu mandato. E porque Santana Lopes já percebeu que, para vencer as eleições legislativas, precisará da ajuda de Marcelo no desgaste ao governo – e já fez dessa boa relação prioridade na sua campanha. Ou seja, o perfil de Santana Lopes é propício para que Marcelo, mesmo perante um governo maioritário PSD-CDS, mantivesse um forte ascendente sobre o primeiro-ministro.

O que esta equação nos diz é simples. Primeiro, que Marcelo, para manter um papel principal no teatro político, precisa de travar a ascensão de António Costa – é a fraqueza do primeiro-ministro que faz a força do presidente. Segundo, que dar a mão a um PSD liderado por Santana Lopes seria não só uma forma de o fazer como também de salvaguardar o seu protagonismo político, através de uma relação privilegiada com o colega de partido. Resta saber (e nos próximos dois anos descobrir-se-á) se, apesar de ser o epicentro político, também vence eleições legislativas quem Marcelo quer.

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