Com o avanço da modernização, o nacionalismo era suposto desaparecer. No entanto, para onde quer que olhemos, incluindo nas chamadas “democracias avançadas”, o sentimento nacional está de regresso. Como explicar esta dissonância entre as previsões teóricas e a realidade dos sentimentos das pessoas comuns?

Este foi o tema de um seminário no IEP-UCP, no final da semana passada. O orador foi Ghia Nodia, director da International School of Caucasus Studies da Universidade de Tbilisi, na Geórgia. O tema tinha sido abordado por ele na 13ª Palestra Anual Seymour Martin Lipset, em Novembro de 2016 em Washington, e em Janeiro de 2017 em Toronto. O texto da palestra foi publicado na edição de Abril de 2017 do Journal of Democracy e será publicado em português na edição da Primavera de 2018 da revista Nova Cidadania.

Não seria possível resumir neste espaço o detalhado argumento de Ghia Nodia. Mas vale a pena recordar alguns passos do seu raciocínio — numa tentativa de encorajar entre nós uma reflexão aberta sobre um fenómeno que domina a actualidade política: o regresso do sentimento nacional.

Um primeiro passo é de natureza saudavelmente empírica: se as teorias a respeito do desaparecimento inexorável do nacionalismo estavam certas, como foi possível este aparente regresso do sentimento nacional? Este regresso, recorda Nodia, não está apenas patente no “brexit” do Reino Unido e na eleição de Trump nos EUA. Tem lugar igualmente em grande parte dos países da Europa continental — onde novos partidos, considerados populistas, ameaçam os partidos clássicos de centro-esquerda e centro-direita, em regra subscritores de uma ideia pós-nacional.

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Um segundo passo do argumento de Nodia consiste em recordar a genealogia das previsões teóricas sobre o fim do sentimento nacional. Uma parte importante dessas previsões assentou no determinismo económico marxista. O desenvolvimento das forças produtivas levaria à abolição do capitalismo, da propriedade privada, das nações, da religião e, segundo a doutrina mais ortodoxa, da própria família. Todas estas instituições assentariam em preconceitos transitórios, sem fundamento racional.

Nesta referência ao marxismo, Ghia Nodia recorda a propósito que uma das forças mais poderosas na resistência e no derrube do império soviético foi precisamente o sentimento nacional. Com alguma ironia, o liberal polaco Adam Michnik costumava dizer que “o nacionalismo é a última etapa do comunismo.”

Num terceiro passo do seu argumento, Ghia Nodia recorda um outro facto inconveniente: que a emergência da democracia moderna esteve associada ao sentimento nacional e ao princípio da soberania do Parlamento nacional. O caso mais evidente — mas muitas vezes esquecido — foi o da independência da América, em 1776, contra o império britânico. Aí se assistiu a um paradoxo deveras curioso. Os colonos citaram princípios universais ou cosmopolitas — o direito à vida, à liberdade e à busca da felicidade — para justificarem um acto de separação patriótico particular: a separação de uma nova nação, por sinal multi-étnica, fundada no auto-governo do seu Parlamento.

Ghia Nodia concluiu a sua palestra Seymour Martin Lipset com uma confissão de humildade: “Não tenho respostas concretas para apresentar”, disse ele. Mas acrescentou:

“Posso apenas apelar a uma prudência aristotélica antiquada. Se queremos preservar, desenvolver e fazer progredir a democracia liberal, temos de aceitar a democracia como ela é. Temos de deixar de tentar libertar a democracia da vontade do povo e da propensão que essas pessoas têm para cuidarem mais das suas próprias pátrias, das suas próprias tradições e das suas próprias crenças do que das pátrias, tradições e crenças alheias.”