Se não fosse o jornal Público, não saberíamos hoje que o SIRESP funcionou oito anos com contratos informais, isto é com alterações combinadas entre o Governo Sócrates e os seus accionistas mas nunca passadas ao papel. Aliás, não saberíamos muitas outras coisas elementares: por exemplo, que a Protecção Civil mudou metade da equipa operacional em Abril. E, por fim, não saberíamos o que falta saber – uma longa lista de perguntas às quais o governo e as autoridades que tutela têm negado resposta. Se não fosse o jornal Expresso, não saberíamos hoje a identidade das vítimas de Pedrógão Grande. Tal como desconheceríamos que o número de vítimas ultrapassa as oficiais 64, pois duas vítimas “indirectas” foram apuradas. E nem sequer sonharíamos que, num país do primeiro mundo, a lista de vítimas pudesse estar em segredo de justiça, como informou o Ministério Público – uma decisão tão absurda que rapidamente foi revertida. Se não fosse o jornal Observador, ninguém teria como provar aquilo que sempre desconfiou acontecer: nas eleições internas, os partidos põem os seus caciques no terreno a arregimentar votos, a encaminhar militantes e a controlar o curso das eleições para assegurar a vitória da sua facção. E também não se saberia que, nas juntas de freguesia de Lisboa, há presidentes que oferecem ajustes directos a empresas de camaradas de partido (PSD) ou até a empresas das quais são sócios. Há muito mais – Tancos, “galpgate”. Construir uma lista exaustiva, que fizesse justiça ao escrutínio público imposto pelos jornais nas últimas seis semanas, seria um exercício longo e demorado.

Estas reportagens pressionaram quem ocupa cargos políticos. Expuseram as suas mentiras, as suas incompetências, as suas versões dos factos propositadamente incompletas, as suas tentativas de encerrar temas incómodos, o seu enviesamento político. Responsabilizaram partidos e governantes perante os cidadãos e os seus eleitores. E forçaram reacções. Boas –a cedência das autoridades públicas à pressão mediática, aceitando a transparência na informação. E más – o comportamento de militantes do PSD (contra a reportagem do Observador) e do PS (sobre Pedrógão Grande e Tancos), criticando os jornais, deturpando os factos, manipulando a informação e perseguindo quem investiga.

O que retirar disto? Sobre o governo, Rui Ramos vai ao ponto – “passamos a ter o direito de suspeitar dos motivos desta ignorância de Estado; parece-se demasiado com uma vontade de fugir a quaisquer responsabilidades, recorrendo ao princípio mais elementar: se ninguém conseguir provar que o governo sabia, antes ou depois, então ninguém pode reclamar que o governo e os organismos que tutela deveriam ter prevenido, actuado eficazmente, ou remediado”. Sobre o repúdio do poder político pela liberdade de informação, o editorial do Expresso deste sábado rematou o assunto (após ter sido alvo da fúria do PS) e, antes, Filipe Santos Costa, denunciando os ataques de PS e PSD, foi ao nervo da questão: “para quem queira apenas atacar [um jornal], basta o ódio à imprensa livre; e disso há muito por aí”.

O que falta dizer? Algo óbvio e simples, mas que convém repetir a cada oportunidade: os bons jornais fazem falta e há que defendê-los dos seus (muitos) inimigos. Uma imprensa forte, com jornalistas comprometidos com o esclarecimento público, é a principal defesa contra os abusos de poder e condição fundamental para uma democracia vibrante. E, numa hora negra da nossa história democrática, foi esse raio de luz que as redacções dos jornais nos ofereceram. Sim, a imprensa portuguesa tenta (sobre)viver como pode perante os desafios dos nossos tempos. Sim, a imprensa portuguesa tem problemas e merece muitas vezes que se lhe critique construtivamente opções ou enviesamentos. Mas o que se saberia sobre Pedrógão Grande, Tancos ou favorecimentos políticos sem (entre outras) as acima referidas reportagens do Público, do Expresso e do Observador? Muito menos. É a imprensa portuguesa quem ainda oferece alguma dignidade ao regime. Saibamos dar-lhe esse valor e preservá-la.

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