A Rússia chegou a acordo com Cuba para reabrir um centro de espionagem na ilha que data da era soviética e está fechado desde 2001. O entendimento terá sido alcançado durante a visita de Vladimir Putin a vários países da América Latina na semana passada e surge depois de Moscovo ter perdoado cerca de 90% da dívida cubana à Rússia, no valor de 23,7 mil milhões de euros. O presidente russo, contudo, nega que tal tenha sido discutido. Além da possível reabertura do centro de espionagem, outros acordos foram celebrados entre os dois países, nomeadamente relativos à modernização de infra-estruturas militares e civis cubanas.
O centro de espionagem russo situava-se em Lourdes, a sul da capital de Cuba, Havana, e foi criado em 1967, no auge da Guerra Fria. Situado a apenas 250 quilómetros da costa norte-americana, o centro funcionou até 2001 como uma base de interceção de comunicações dos Estados Unidos, altura em que foi encerrado por custar muito aos cofres russos e por pressões americanas.
A base “deu à União Soviética [a possibilidade de ter] olhos em todo o hemisfério ocidental. Para a Rússia, que está a lutar pelos seus direitos e por um lugar na comunidade internacional, é tão valiosa como foi para a URSS”, explicou ao jornal Kommersant Vyacheslav Trubnikov, antigo chefe das operações secretas da Rússia. A confirmar-se a reabertura da base – que Putin nega – dar-se-ia um passo importante no sentido do estabelecimento de novas alianças entre a Rússia e alguns países da América Latina, encaradas por ambas as partes como alternativas viáveis aos acordos estabelecidos entre os países ocidentais, com os quais a Rússia tem vindo a agudizar posições desde a crise na região ucraniana da Crimeia. Ainda esta quarta-feira os Estados Unidos e a União Europeia decidiram alargar as sanções a bancos e empresas de energia e defesa da Rússia.
A visita a Cuba, à Nicarágua, à Argentina e ao Brasil de Vladimir Putin foi considerada “sem precedentes”, o que “prova a importância da região para a Rússia outra vez”, escreve o Pravda. “Quando deixámos Cuba definitivamente, tínhamos uma política idealista”, explica Victoria Legranova, analista de segurança russa, àquele jornal. “Quanto mais se dá [aos americanos], mais eles pensam que estamos fracos e começam a reprimir-nos cada vez mais. Esta viagem é muito importante. A Rússia precisa de alternativas e diversificação”.
Para já o diálogo é económico, mas de qualquer forma o diálogo político e militar também acontece”, comenta o Pravda.
E, de facto, para já o diálogo económico está a dar frutos: em Cuba, a Rússia apoiará a modernização e construção de duas centrais termoelétricas, bem como a modernização de um porto e de um aeroporto; na Nicarágua, apoiará a construção de um canal marítimo; na Argentina e no Brasil a construção de duas centrais nucleares e no Uruguai a criação de um porto de águas profundas no Atlântico. Além disso, em todos estes países, diz o Pravda, companhias de energia russas assinaram contratos de exploração de gás e petróleo.
Vladimir Putin, entretanto, desmentiu que o centro de espionagem cubano vá reabrir, dizendo que a Rússia consegue “satisfazer as suas necessidades de defesa sem este componente”. Segundo Pavel Felgenhauer, um especialista em defesa ouvido pelo Guardian, a reabertura do centro seria mais simbólica do que eficaz. “Já não existem muitas comunicações de rádio importantes, já toda [a informação] é enviada por canais codificados, pelo que penso que o valor de recolha de informações será hoje muito menor do que há 20 anos”, disse.
O que parece certo é que as eventuais negociações para a reabertura da base em Cuba são uma consequência direta da crise na Ucrânia, país que está a aproximar-se do ocidente e que pode mesmo vir a tornar-se membro da NATO a breve prazo, o que para a Rússia significaria mais uma significativa perda de influência na zona anteriormente soviética.