“Existe neste momento um pacote de identificação de pessoas [que ocupam cargos políticos] que nós sabemos em online [em tempo real] quem está a ter acesso”, afirmou o chefe dos serviços de auditoria da Autoridade Tributária (AT), Vítor Lourenço, na ação de formação para 300 inspetores estagiários dia 20 de janeiro, de acordo com uma gravação da reunião, a que a Visão teve acesso e que publicou esta quarta-feira no seu site.
Segundo Vítor Lourenço, a AT tem referenciado um grupo de pessoas, cujo acesso de qualquer funcionário ao histórico fiscal faz imediatamente soar os alarmes. E que pessoas são essas? “As pessoas mais mediatizadas (…) que ocupam cargos políticos”, explicou Vítor Lourenço, para depois acrescentar que “não podemos [AT] divulgar quem [está] nesse pacote, que entre aspas chamamos ‘pacote VIP'”, que deteta em tempo real “eventuais acessos indevidos”.
O chefe dos serviços da auditoria da AT, no entanto, aproveitou para justificar a existência da lista/pacote VIP com a necessidade de impedir “a possibilidade ou a facilidade de entrar na privacidade” da generalidade dos contribuintes, não só dos VIP, como sublinhou Vítor Lourenço.
“Eu estou mais preocupado com os contribuintes em geral do que com os VIP, porque imagino que se se passa com os contribuintes VIP, o que não se passará com os contribuintes comuns, porque um funcionário tem a possibilidade, ou a facilidade, de entrar na privacidade de qualquer contribuinte sem qualquer fundamento”, afirmou Vítor Lourenço.
Na altura, o responsável do Fisco revelou também a existência de funcionários a braços com processos de inquérito – que depois evoluíram para processos disciplinares – na sequência do acesso indevido ao histórico contributivo de certas figuras que constam no “pacote VIP” – entre as quais Pedro Passos Coelho. Os mesmos funcionários que, segundo disse Vítor Lourenço, alegaram “mera curiosidade” para acederem à lista.
“É que as pessoas estavam convencidas de que não divulgando [a informação] não havia problema. Esse é que o ponto. É um problema da cultura e da formação também. (…) Todas as pessoas que foram inquiridas e eu, enfim, ouvi-os a todos, viram [o acesso aos dados] como mera curiosidade, com consciência de que não divulgando não haveria qualquer problema”, explicou.
O caso da divulgação dos dados do primeiro-ministro foi, aliás, um dos exemplos dados por Vítor Gonçalves na ação de formação para os inspetores estagiários. O chefe do Fisco começou por admitir que “há serviços locais ou distritais em que qualquer mecanismo [de controlo] que seja implementado é um bicho-de-sete-cabeças”, mas que sem este tipo de controlo aconteceriam mais situações como aquela que envolveu Pedro Passos Coelho. Ou seja, situações em que “sete pessoas” tiveram acesso aos dados” através de uma “única password“, o que depois tornou impossível determinar a fonte da fuga de informação, defendeu.
Neste caso, houve sete acessos diferentes com a mesma password, mas não se sabe quem foi. “Ninguém foi, não foi ninguém”, disse Vítor Lourenço, acrescentando que isso revela a “promiscuidade” existente no fisco, onde será fácil aceder a várias contas com passwords de outrem.
Mas o primeiro-ministro não foi o único citado. Também Cavaco Silva – outra figura que consta no “Pacote VIP” – viu o histórico contributivo vasculhado por uma funcionária do Fisco. Quando confrontada pelos responsáveis da AT, a funcionária confessou que apenas queria “saber quanto ganha o Presidente da República”.
“Tivemos conhecimento informático na hora. Em dois dias [a funcionária] estava a ser ouvida por nós. (…) [Mas], é difícil gerir uma reposta destas e tratava-se de um caso que nem sequer foi divulgado nos jornais. Antes de termos o pacote VIP, nós agíamos por impulso. Quando era publicado nos jornais é que nós lá íamos para saber o que se passou”, explicou Vítor Gonçalves.
Ainda assim, e apesar de elogiar o mecanismo criado para travar as fugas de informação e o acesso indevido aos dados dos contribuintes, o chefe do Fisco confessou que o sistema de informação da AT ainda estava longe da “perfeição”, até porque a aplicação “de um controlo interno mais alargado” exigia “milhões” que o Fisco não tem. O chamado “Pacote VIP” dos contribuintes foi a solução q.b., disse Vítor Gonçalves.
“[Para implementar] o controlo interno mais alargado é preciso mais não sei quantos milhões, mas não há dinheiro. Vamos procurar implementar a aplicação na ótica da operacionalidade e quanto ao controlo interno vamos pôr aqui o quanto baste. Só que às vezes não basta”.