“As promessas do 25 de abril não foram cumpridas. A vida está cada vez mais cara. Os salários não sobem tanto como os preços. O desemprego aumenta (…) As pensões da previdência são insuficientes (…) As empresas vivem em permanentes dificuldades (…) E, entretanto, os impostos não param de crescer. Mas os serviços públicos pioram de ano para ano. O auxílio aos desprotegidos não é alargado. As injustiças sociais acentuam-se. Os trabalhadores ganham progressivamente menos. O país endivida-se e perde a confiança em si. A corrupção atinge proporções inquietantes”.

Não, este não é o retrato de Portugal traçado pela oposição em 2015. Este é o retrato de Portugal de 1979 traçado pelas penas de Francisco Sá Carneiro, Digo Freitas do Amaral e Gonçalo Ribeiro Telles, os três principais subscritores do programa da Aliança Democrática (AD), a primeira coligação pré-eleitoral de direita a avançar para as legislativas, ainda a democracia portuguesa dava os primeiros passos. Um acordo agora reeditado por Passos Coelho e Paulo Portas.

O adversário político, então como agora, era o PS e os “rios de palavras e promessas” que, dizia o programa eleitoral da AD, não traziam mais do que “agitação política e social, mais desorganização, mais burocracia, mais impostos, mais funcionários públicos [e] mais intervenções do Estado”. Arrumadas as críticas ao PS de Soares, qual era afinal o projeto da AD para o país?

Distribuição mais equilibrada da carga fiscal, mais e melhor emprego 

  • Baixar impostos: A coligação propunha-se, entre outras coisas, a “rever o nível e a estrutura das taxas dos principais impostos, nalguns casos no sentido de desagravamento”.
  • Organizar impostos: Ao mesmo tempo, eram lançadas as bases para o IRS e o IRC, que viriam a fazer parte do sistema tributário português a partir de 1989. A justificação era esta há 36 anos:

O nível de impostos pessoais atingiu valores tão elevados que desencorajou o trabalho e o investimento. Acresce que assim se criaram condições desfavoráveis às famílias, não só pela escassez dos benefícios fiscais de que gozam, mas também pela tributação que é imposta aos casais empregados”, defendia a Aliança.

  • Ajuda às famílias: A AD defendia que era preciso “criar condições” para “subsidiar as pessoas” de acordo “com o nível de rendimentos dos agregados familiares e as suas necessidades específicas”.
  • Relançar o investimento privado: A receita para a sustentabilidade e a fiabilidade das contas públicas teria de passar, necessariamente, pelo combate ao desemprego “através do relançamento do investimento” – sobretudo do investimento privado. Para isso era importante dar incentivos à “criação de empresas de tecnologia intermédia”, que criassem “um elevado número de postos de trabalho relativamente ao capital investido”. Já nas bases do programa estavam ainda referidas, mesmo que de forma geral, as privatizações ou alienação de participações em alguns setores até aí públicos nomeadamente “a Banca e os Seguros”.

Saúde, Segurança Social e Educação – os três grandes pilares da AD

  • Organizar a rede hospitalar: Para “um serviço nacional de saúde possível, justo e eficiente”, o lema da Aliança, era fundamental “organizar a rede hospitalar” apostando, por exemplo, na “criação de novos estabelecimentos para convalescentes, doentes crónicos e idosos” e no “alargamento das unidades de recuperação e reabilitação para integração profissional e social dos deficientes”.
  • Melhores condições para médicos e enfermeiros: Era importante “organizar as carreiras profissionais de modo a que deem garantias de pleno emprego” e “criar condições económicas, de segurança social e de realização profissional e humana do pessoal de saúde”.
  • Racionalizar custos: O programa da AD dizia que a “universalidade do direito à saúde” era para assegurar, mas que isso tinha custos. Por isso era preciso pôr os utentes a pagar de acordo com os rendimentos e garantir a gratuidade aos que tinham mais dificuldades. “Um serviço desses é caro (…) Não é justo nem eficaz que se prestem cuidados de saúde gratuitos a todos os cidadãos, quaisquer que sejam os respetivos rendimentos (…). Na crise económica que o país enfrenta, só se atingirá uma maior justiça social se cada um pagar os cuidados de saúde de acordo com as suas posses. Será por isso estabelecido um sistema de pagamento em percentagens variáveis dos rendimentos. Os mais pobres, evidentemente, nada pagarão”, escreviam.
  • Garantir o acesso à Segurança Social e proteger as famílias mais carenciadas: A AD propunha-se a “integrar progressivamente na Segurança Social a população ainda não abrangida”, a “generalizar o abono de família aos beneficiários do regime especial”, a “ajustar a pensão de sobrevivência ao aumento do custo de vida”, a “reforçar o abono de família em especial aos que mais dele necessitam” eƒ a “fixar os mínimos de subsídio de desemprego”.
  • Reformar o sistema de Ensino, protegendo os estudantes com dificuldade. A coligação queria conduzir uma reforma de todo o sistema. Mas havia dois pontos fundamentais: “Criar condições de igualdade de acesso a todos os níveis de ensino, apenas limitada pelas motivações e capacidade de cada um, alargando a rede escolar”, ou seja, investido em infraestruturas e no reforço da oferta no interior do país. Além disso, era preciso “alargar a concessão de isenção de propinas, de bolsas de estudo e de subsídios de transporte de forma a incluir um maior número de beneficiados”, assim como, “atualizar os quantitativos das bolsas e subsídios de estudo de forma a compensar o aumento do custo de vida”.

Reforma industrial, da Agricultura e da Pesca – com a Europa ali ao lado

O país começava a aproximar-se às regras da CEE depois de mais de quatro décadas voltado para dentro. Era, por isso, fundamental reformar e desenvolver setores-chave como a Indústria, a Agricultura e a Pesca, sempre com os olhos postos na Europa e na flexibilização do comércio interno e externo.

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  • Aumentar a concorrência no setor industrial: Era preciso “eliminar as (…) situações monopolistas dos setores industriais controlados pelo Estado”, apostando na liberalização “das condições de acesso à atividade industrial” e “incentivando novos investimentos, quer nacionais quer estrangeiros”.
  • Imprimir competitividade na Agricultura: A AD defendia ser fundamental reformar o setor, adaptando-o às necessidades do país e não esquecendo as particularidades das regiões menos desenvolvidas. Por exemplo, através da criação de “novos postos de trabalho no Alentejo, tanto na indústria como na construção civil e obras públicas de forma a permitir a redução substancial da mão-de-obra ocupada na agricultura”.
  • Transformar a Pesca: Era necessário “inventariar, planear e coordenar a utilização dos meios e dos projetos de investigação pesqueira já existentes, no sentido de definir prioridades e de estudar o aproveitamento de novos pesqueiros e novas espécies para além das tradicionais”, ao mesmo tempo que se promovia, por exemplo,ƒ a “criação de escolas de pesca”, a “industrialização do pescado” e a “racionalização” da frota.

Administração Pública – Reformar, racionalizar e melhorar

  • Reduzir a burocracia e descentralizar competências: A coligação liderada por Francisco Sá Carneiro entendia ser importante agilizar a pesada máquina do Estado. Como tal, era preciso “anular formalidades inúteis e simplificar as exigências burocráticas” e “reforçar as medidas de desconcentração de competência e de delegação de poderes”.
  • Melhorar as condições de trabalho dos funcionários públicos: Mas, mais importante, era ainda necessário “rever o sistema das carreiras da função pública e sua regulamentação complementar (admissões, promoções, classificações de serviço”. Na prática, defendia a Aliança Democrática, era fundamental “melhorar substancialmente (…) a situação económica e social dos trabalhadores da função pública, as suas carreiras, os seus direitos individuais e coletivos e a sua preparação profissional”:

“A situação do setor público administrativo é, presentemente, quase caótica: organização obsoleta e inadequada; desordem crónica; pessoal mal aproveitado, mal pago e sem formação bastante; péssimas instalações e equipamento deficiente; sistemas de controlo ineficazes; métodos de trabalho antiquados; excesso de burocracia; custos elevadíssimos e fraca rendibilidade”.

Estas eram as propostas da AD de 1979. A primeira e a única até este sábado, quando Passos Coelho e Paulo Portas anunciaram ao país que iriam de braço dado às eleições deste ano. Muitos dos temas abordados por Sá Carneiro (PSD), por Freitas do Amaral (CDS) e por Ribeiro Telles (PPM) estão hoje em cima da mesa. A nova AD vai ter também de discutir o que fazer à Segurança Social e aos salários dos funcionários públicos entre outras destas propostas.