Aproveitar o verão para descansar, para esquecer temporariamente os projetos que ficaram por resolver e pôr de lado a tensão acumulada em horário de expediente. E não é para isso que servem as férias? A resposta parece óbvia, pelo que é de estranhar quem, nos dias de descanso, tenha dificuldade em desligar-se do trabalho e recorra insistentemente ao smartphone para consultar os e-mails. Escusado será dizer que este não é dos estilos de vida mais saudáveis, até porque quando o ritmo acelerado se torna uma constante, o mais provável é a pessoa levar o stress às costas em tempo de férias.
De acordo com um relatório global datado de junho de 2015 e realizado pela empresa de recursos humanos Randstad, 39% das pessoas trata de assuntos de trabalho durante as férias porque gosta de estar envolvida e 38% sente-se pressionada em responder às chamadas e aos e-mails de trabalho, também em férias (em Portugal a realidade não é muito diferente, com 31 e 33%, respetivamente, a admitir o mesmo).
Perceber os motivos que levam alguém a não conseguir desligar-se nos momentos de folga não é tão fácil como à partida se poderia pensar. Não há só uma resposta para a pergunta (se a quisermos colocar), antes um denominador comum: o trabalho, que é cada vez mais exigente e competitivo. Há quem diga mesmo que o ser humano perdeu a habilidade para descansar, mas já lá vamos.
Em causa podem estar diferentes perfis de pessoas, começa por esclarecer a psicóloga Carolina Justino. Por um lado há quem vá de férias e não queira deixar de controlar o trabalho que ficou por concluir, alguém com dificuldades em delegar tarefas, com traços de uma personalidade competitiva e nuances obsessivas que resvalam para o perfeccionismo e para a dificuldade em trabalhar com os outros (são pessoas mais individualistas e que facilmente acedem a cargos elevados).
Por outro, há quem tenha medo de perder o trabalho. Nesse caso, fala-se de indivíduos muito inseguros, com receio de que a pessoa que o venha substituir temporariamente faça um trabalho melhor. “São pessoas inseguras, que não conseguem dizer não, que têm medo de sofrer represálias e de ficar aquém das expectativas. Trabalham um pouco abaixo da chefia e são mais submissas”, garante a psicóloga que, no entanto, faz questão de salientar que cada caso é um caso.
Ainda sobre isso, Carolina Justino conta que ao seu consultório, em Lisboa, chegam clientes que admitem ter vergonha de ir de férias, como se o facto fizesse deles pessoas preguiçosas: “Parece que não há lugar para relaxar e que têm de provar algo a alguém. Quem tenha noção de valor pessoal vai de férias.”
É uma questão de (muito) stress
Uma grande parte das pessoas não consegue desfrutar das férias porque está habituada a um ritmo de vida muito acelerado e, consequentemente, tem níveis de stress elevados. Quem o diz é Conceição Espada, que há mais de uma década dedica-se a ensinar as pessoas a gerir o stress e o impacto que este tem no quotidiano — além de colaborar em clínicas além-fronteiras, dá consultas privadas e formações para grupos empresariais.
Espada esclarece que a dificuldade em desfrutar das férias, para algumas pessoas, acontece porque estas não têm a capacidade de abrandar e, por isso, estão continuamente à procura de estados de alerta — daí que haja quem não consiga separar-se do telemóvel e dos e-mails aos quais o pequeno dispositivo permite aceder. Nestas circunstâncias existe a necessidade de organizar as férias, de fazer planeamentos para o dia e de estar sempre em atividade. Uma pessoa habituada a conviver com o stress acha que tudo é urgente e perde a habilidade para priorizar. E esse juízo enfraquecido, se assim o podemos chamar, também não tira folga — arranjar lugar para estacionar o carro e mesa no restaurante são tidos como objetivos de férias e considerados obstáculos no caminho.
Nessas condições, o stress vai na bagagem, quer o destino seja paradisíaco, citadino ou campestre. É por isso que a especialista diz que o mínimo tempo de férias que se deve tirar são três semanas seguidas, de forma a desligar mesmo do trabalho e a conseguir descontrair. E será que depois de tanto tempo ausente não fica mais difícil regressar à rotina laboral? “Quem acha que sim é porque vive permanentemente em stress”, atira Conceição Espada.
Mas o que é isto do stress? Ao Observador, Conceição Espada chegou a contar, em outubro do ano passado, que o stress é tido como o maior vírus do século XXI, capaz de uma quantidade de doenças — em termos físicos há os problemas cardíacos, a tensão alta, as taquicardias, as úlceras, os problemas de coluna (as pessoas tendem a ignorar e a achar que é normal viver com isso), mas também as insónias. “O stress é uma hormona — tem que ver com a adrenalina e com o cortisol — que é libertada pelo nosso cérebro para o sangue. Está relacionado com a nossa capacidade de resposta. A resposta pode ser de ação e de estímulo ou de fuga e de contração. Costumo comparar o stress com o colesterol: há o colesterol bom e o mau. O stress é igual.”
“O stress é uma reação que tínhamos quando éramos nómadas, quando tínhamos de fugir para sobreviver”, afirma Carolina Justino, recordando que, hoje em dia, não há leão que corra atrás de nós pelas ruas de alcatrão ladeadas de prédios altos. A analogia serve para explicar que em causa está uma reação fisiológica a situações que despertam estados de alerta no nosso corpo.
Gonçalo Pereira, responsável pelo workshop de gestão de stress do The Lisbon MBA, o 13º melhor MBA da Europa segundo o Finantial Times, explica que o organismo reage ao stress independentemente da nossa vontade, embora tudo esteja relacionado com a avaliação que fazemos do que está a acontecer em determinado momento — o stress faz-nos esforçar mais perante algo que achamos estar além do nosso limite.
E o que acontece numa situação stressante? “O nosso corpo tem o sistema nervoso simpático que é como o acelerador de um carro, que nos faz precisar de mais de energia. Em termos hormonais há um aumento de cortisol, bem como do batimento cardíaco, e a respiração fica alterada. A desativação acontece com o sistema nervoso parassimpático, o travão. É um mecanismo que está connosco desde o início e está presente em todos os animais”, diz Gonçalo Pereira.
Posto isto, o stress continuado coloca o organismo numa situação em que o esforço que está a ser feito não aumenta a nossa capacidade de resposta, muito pelo contrário: “O facto de uma pessoa ter um prazo de entrega e de estar a lidar com um sistema operativo [do computador] que não funciona é o suficiente para ficar bastante agitada, pelo que o organismo vai responder como se fosse uma situação de perigo, mesmo que fisicamente não haja risco”, garante Pereira.
No entanto, esta não é uma questão de vício, assegura a psiquiatra Luísa Gonçalves. Esse papel cabe à adrenalina, que tem no stress uma das suas fontes. “O stress não vicia, mas deixa as pessoas doentes física e psicologicamente”, explica, assegurando que, no fim da linha, as pessoas correm o risco de ficar deprimidas e de terem ataques de pânico. Existe ainda a possibilidade de entrarem em situações de burn out (esgotamento), o que remete para a exaustão no trabalho.
Luísa Gonçalves foca-se sobretudo na eventual redução de relações sociais e afetivas, e fala sobre o rápido consumo de tempo como o ritmo do século XXI, no qual as pessoas convivem através da metodologia eletrónica, sem um contacto real. “As pessoas com um ritmo acelerado têm uma vida social limitada e íntima muito pobre. A intimidade precisa de tempo e de presença. Quando existem falhas ao nível relacional, existe também uma tendência para acelerar o tempo, de forma a evitar meditar na solidão a que se está sujeito. É a chamada fuga para a frente.”
Será que estamos a dar demasiada importância ao trabalho?
O trabalho, e o stress a ele associado, tem vindo a ganhar um protagonismo tão grande nas sociedades ocidentais que há quem escolha definir-se pelo que faz, isto é, pela sua performance laboral em detrimento de quem é, emocionalmente falando. É uma questão de status quo.
Carolina Justino afirma que pode ser mais fácil para uma pessoa sentir-se valorizada com a sua performance no trabalho do que ao nível relacional, o que até faz algum sentido se considerarmos que as relações não dependem só de nós, ao contrário do que acontece em ambiente de trabalho — isto remete ainda para a sensação de utilidade, como o sentir que produzimos algo. “Falamos de autoestima. Todos nós gostamos de nos sentir bem e vamos buscar a autoestima a diferentes espaços na nossa vida — à maternidade, ao aspeto físico, à independência… Depende do perfil da pessoa, de onde ela vai buscar essa valorização. Na nossa sociedade as pessoas viram-se muito para o trabalho”, diz a psicóloga clínica. “Dizer o cargo que temos acaba por ser mais importante do que o bem-estar pessoal.”
A realidade descrita tem consequências ao nível pessoal, no sentido em que as pessoas sentem-se cada vez menos à vontade umas com as outras. Exemplo disso é ver famílias e amigos na praia, ou à mesa, a prestarem mais atenção aos telemóveis do que a quem está sentado à frente ou ao lado. “É mais fácil olhar para o ecrã do que cara a cara. Uma relação real dá trabalho, exige tempo, dedicação e abdicação do nosso individualismo”, comenta Carolina Justino.
Mais: o stress deixa as pessoas irritadas e menos pacientes, o que afeta diretamente as relações quando há mais tempo em comum. Nas férias os estados de irritação ficam mais elevados, o que origina o aumento de conflitos, seja entre casais, pais e filhos ou amigos. “Antes, as pessoas iam de férias para passar tempo com as famílias, agora este é o período em que os conflitos aumentam gradualmente”, explica Conceição Espada. “Durante o dia-a-dia as pessoas não têm tempo, estão sempre a correr. Então, quando vão de férias, têm mais oportunidades para se confrontarem com a família.”
De facto, foi em agosto de 2013 que o Huffington Post noticiou um estudo sobre o assunto, conduzido no Reino Unido e com a participação de mais de 2.000 adultos (mais de 1.000 eram pais). O inquérito concluiu que quase um quinto dos pais considera o divórcio ou a separação depois de os seus filhos regressarem ao primeiro período escolar, isto é, colocam a relação amorosa em causa durante a pausa de verão.
Mas importa lembrar que não são só os adultos que sofrem, uma vez que o mesmo mal-estar pode atacar os mais novos. É uma equação fácil de montar: as crianças estão stressadas porque vivem no seio de famílias stressadas, além de serem educadas a estarem com a mente permanentemente ativa (é exemplo o uso de jogos de computador).
Coloquemos a questão: será que estamos a dar demasiada importância ao trabalho? “É uma pergunta complicada porque as pessoas têm de trabalhar. No entanto, trabalhar 12/14 horas, chegar a casa e não ver os filhos… a que preço? Se calhar vivemos um pouco desequilibrados”, atesta a psicóloga Carolina Justino.
Mindulness: a atenção plena que quer destronar o stress
“Curiosamente, a maior parte de nós não tem problemas no presente. É costume projetar os receios para o futuro”, argumenta Gonçalo Pereira, que também é especialista em mindfulness — um termo que significa atenção plena, isto é, o exercício de nos focarmos no presente, dando atenção ao momento tal como ele é, sem julgamentos.
Quem pratica o mindfulness defende que é no presente que se podem resolver os problemas, o que contribui para a felicidade individual. A propósito disso, e da excessiva preocupação com o futuro, Gonçalo atira: “Muita gente vive as piores coisas da vida sem as viver. É uma questão cultural.”
É precisamente essa perspetiva de insegurança e de preocupação que ajuda a que andemos continuamente stressados. “Acho que o ser humano perdeu a capacidade de descansar”, explica, mencionando de imediato as mais-valias daquilo que pratica há vários anos e que tem por hábito (e profissão) passar aos outros: “O mindfulness é aprender a parar. Este é o primeiro benefício, o qual permite que ganhemos capacidades cognitivas.”
Mindfulness is great, but spacing out is good for you, too: http://t.co/FDaC6bwpPS pic.twitter.com/vHT8y7Z4k0
— New York Magazine (@NYMag) August 9, 2015
Aprender a parar é fácil, mas exige treino. A ideia é estar atento ao que se passa e não divagar, seja no passado ou no futuro, o que nos permite fazer escolhas mais acertadas, explica Gonçalo, assegurando que o mindfulness está muito ligado à inteligência emocional.
E como podemos nós, comuns mortais, exercitar à imagem e semelhança de Gonçalo Pereira? Existem dois tipos de práticas, a formal e a informal. A primeira implica que a pessoa escolha um ou mais momentos do dia para prestar atenção ao quarteto fantástico — corpo, sensações, emoções e pensamentos. Esta é uma forma de meditação que, ao contrário do que se pode pensar, não passa pela reflexão, antes pela perceção direta do que se sente naquele preciso momento. “Não envolve fazer perguntas, não é tanto reflexivo. É, mas mais experiencial. É um treino mental.”
Já a prática informal acontece quando a pessoa experimenta trazer para o quotidiano o que aprendeu na meditação — e a aplicação não podia ser mais simples. Um exemplo: quando, ao guiar, prestar atenção ao caminho e não fazer as coisas em piloto automático ou, então, usar a atenção naquilo que o poderá acalmar, em vez de se juntar aos que se zangam em pleno trânsito. Gonçalo explica que o ser humano nasceu naturalmente no presente: é por isso que quando a sua filha era mais pequena não existia, para ela, uma noção concreta de tempo — cinco minutos ou uma hora significavam o mesmo; ela apenas conhecia o presente.
E antes que volte a sofrer por antecipação, porque as férias estão quase a acabar, lembre-se que ninguém é insubstituível, pelo menos no trabalho. O mesmo não se pode dizer em casa, junto da família.