Há 20 anos, na curta de animação “A Close Shave”, de Nick Park, uma das aventuras de Wallace e Gromit, aparecia brevemente uma azougada ovelha chamada Shaun, que em 2007 haveria de ter direito a uma série de televisão com o seu nome, “Shaun the Sheep” (“A Ovelha Choné”, em português), e que se tornou num sucesso do dia para a noite no Reino Unido, rapidamente repercutido para muitos outros países, Portugal incluído. Era natural, e merecido, que os estúdios Aardman, santuário da animação de volumes “stop motion”, imagem a imagem, dessem a Choné, e aos seus comparsas da quinta Mossy Bottom, o seu filme de longa-metragem. Cá está ele, enfim. Intitula-se  “A Ovelha Choné: O Filme”, e é um triunfo em todos os azimutes, servindo também para lembrar que nem só das imagens digitais dos grandes estúdios forrados a computadores se faz a animação contemporânea. Também se faz de cenários construídos do zero e de bonecos de plasticina cuidadosamente moldados, pintados e movimentados à mão á frente de uma câmara.

“Trailer” de “A Ovelha Choné: O Filme”

Diz o barbudíssimo cliché que “em equipa que ganha não se mexe”. E os realizadores Mark Burton e Richard Starzak, tendo mantido no filme a mesma estrutura narrativa, o mesmo registo de comédia burlesca à solta, as mesmas características das personagens e até a mesma abertura, com o galo a cantar de manhã e a acordar a quinta para mais um dia de disparates em cenário bucólico, conceberam uma história que em nenhuma altura nos faz sentir que “A Ovelha Choné: O Filme” é um episódio da série de televisão “esticado” até ao limite para caber numa longa-metragem, como sucede noutros filmes do género.

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Uma sequência do filme:

Por trás da rodagem:

Tudo começa como num normal episódio da série, com Choné e as outras ovelhas do rebanho a distraírem o fazendeiro e o cão Bitzer para poderem fazer o que bem lhes apetece. Só que o fazendeiro adormece na rulote, esta solta-se e não só vai parar à cidade grande, como, por acidente, aquele perde a memória, e perde-se na urbe. Aterrorizados, Bitzer e Choné precipitam-se para o salvar, seguidos pelo rebanho (de autocarro!). Mas a cidade é mesmo muito grande, e apesar de lá se poderem fazer bons amigos (a cadelinha Slip), também há ameaças terríveis (Trumper, o apanhador de animais vadios com métodos “high tech”). Entretanto, na quinta, os porcos tomaram o poder e pintam o sete na casa do patrão.

Entrevista com os dois realizadores:

O “clip” da canção-tema:

O que se segue é um glorioso, esfuziante, incessante delírio de partes gagas, com o rebanho e o cão a tentarem movimentar-se na cidade sem ser detectados. Há ovelhas disfarçadas de humanos, a transformação do fazendeiro amnésico no barbeiro da moda, Bitzer metido no bloco operatório de um hospital ou uma perseguição nocturna indescritível de tão surreal. Tudo a beber na comédia muda slapstick (tal como na série, ninguém fala, há só ruídos ambiente, efeitos sonoros patuscos e música, o gesto e a expressão mandam) e no humor  “nonsense” tão ao gosto dos britânicos, e obedecendo a um “timing” digno de Charlot ou de Buster Keaton. E concretizado pelo pacientíssimo, minuciosíssimo, suadíssimo trabalho (dois a três segundos rodados por dia – façam as contas a quase 90 minutos de filme) de uma equipa abençoada por uma criatividade inesgotável e um “saber fazer” técnico que é um novo hino à animação imagem a imagem, a orgulhosa marca dos estúdios Aardman. Em “A Ovelha Choné: O Filme”, vai-se buscar lã e não se sai tosquiado. Tudo pelo contrário.