O PCP não é o PS nem apoia o PS

É um dos temas transversais às intervenções dos principais dirigentes do PCP no púlpito deste Congresso de Almada, o primeiro pós-“geringonça”: explicar “às massas” que apoiar um Governo socialista, afinal não é bem apoiar um Governo socialista. Os comunistas não querem confusões e este não foi o primeiro dia em que se ouviu um dirigente do partido a dizer que o PCP “não é uma força de suporte do Governo”, como disse logo na manhã deste sábado João Oliveira. Na sexta-feira, o primeiro de congresso, Jerónimo de Sousa tinha dito o mesmo e Jorge Cordeiro, membro do secretariado do Comité Central, repetira a ideia, dizendo que não só não existia “um Governo de esquerda”, como também não havia “um acordo de incidência parlamentar” e nem mesmo “uma maioria de esquerda, mas sim uma minoria de direita”.

Não fizemos nossa a política do PS. Nem desistimos do nosso programa”, afirmou João Oliveira.

Em sua defesa, os comunistas querem separar águas e manter o foco no copo meio vazio da direita (e não tanto no meio cheio do PS), por isso apontam para um Parlamento onde o PSD e CDS ficaram em minoria e onde o PCP vai negociando posições concretas com o PS, mas sem compromissos de maior. João Oliveira havia de voltar a explicá-lo em entrevista ao Observador, durante a tarde de congresso em Almada, detalhando que esta solução governativa existe nesta altura e neste contexto, “condicionada pela atual correlação de forças”.

Esta pedagogia foi assumida sem pudores, no púlpito comunista instalado no Complexo Desportivo de Almada, por Manuela Bernardino (também membro do secretariado do Comité Central), quando disse que é “necessário afirmar junto das massas que o PCP não integra o Governo nem fez uma coligação com o PS, mas uma posição conjunta que permitiu afastar PSD e CDS do poder”.

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O PS é o mesmo PS de sempre

É a outra parte da mensagem que os comunistas querem vincar nesta reunião do partido. Voltou a ser o líder parlamentar, João Oliveira, a colocar a questão em cima da mesa pela primeira vez este sábado, ao avisar que o objetivo do partido “não é apenas evitar que PSD e CDS governem, mas evitar que a sua política seja desenvolvida seja por PSD e CDS, seja pelo próprio PS”. Os comunistas não tiram o PS do grupo de partidos que criticam por terem praticado uma “política de direita” nos últimos anos.

As críticas aos socialistas foram várias, no palco do congresso, ouvindo-se da voz do sindicalista Mário Nogueira, do ex-líder Carlos Carvalhas e do deputado Paulo Sá. No caso de Carvalhas, a crítica ao PS prendeu-se com os compromissos europeus a que se submete, com um aviso claro: “Os socialistas que não se iludam: é preciso passar a um outro patamar de exigência”. Qual? É urgente renegociar a dívida, disse o ex-líder comunista que defende a preparação para a saída de Portugal da moeda única e que ela comece “desde logo pela passagem para o Direito português dos diversos contratos da dívida externa para que a dívida seja depois paga em moeda nacional e não em euros”.

Mas se Carvalhas alertou para os constrangimentos que vê nos tratados europeus a que o PS se mantém vinculado, o deputado Paulo Sá foi direto na crítica aos socialistas: “Estas medidas são manifestamente limitadas e insuficientes. Por opção do PS e do seu governo que se recusa a enfrentar os interesses do grande capital”. Mais, o comunistas consideram que “nas últimas décadas, pelas mãos de vários governos PS, PSD e CDS, a política fiscal tem sido utilizada para favorecimento do grande capital e de empobrecimento dos trabalhadores e do povo, com particular gravidade nos anos do programa da troika”. O eurodeputado João Ferreira uniu-se a esta mesma ideia, que repetiu em palco mas, antes disso, numa entrevista ao Observador disse que “mais do que a posição do PCP , é a realidade que está a demonstrar que a submissão do país às regras económica se monetárias condiciona fortemente a possibilidade de o país adotar as medidas necessárias. Para responder a problemas estruturais, precisamos de resposta estruturais”.

Outro dirigente, João Dias Coelho, também foi até ao palco comunista para dizer que o PS está longe de conseguir derrotar a ideia de um “Estado ao serviço dos interesses do capital monopolista — que ainda não está derrotado”. Também o sindicalista da Fenprof (e dirigente do PCP) Mário Nogueira considerou que na sua área de ação, a Educação, o Governo socialista “tarda em passar das palavras aos atos. A escola pública não se defende apenas com boas intenções”, avisou. Nogueira quer “mais investimento” nas escolas, “mais docentes”, a “redução do número de alunos por turma”, a redução dos horários de trabalho de docentes e alunos e o rejuvenescimento dos profissionais, com carreiras mais estáveis e protegidas.

Ilda Figueiredo não falou do PS, mas falou no ponto que mais separa os dois partidos: a NATO. A antiga eurodeputada do partido denunciou a “grande ofensiva imperialista” liderada por Estados Unidos e NATO e uma “escalada militarista”, cuja face mais visível são as ameaças “às fronteiras da Federação Russa”. E rematou mesmo: “A ofensiva dos Estados Unidos e da NATO é a grande ameaça que os povos enfrentam”. O PS não diria o mesmo, seguramente.

Congresso nulo em críticas internas

Nem uma crítica interna se ouviu nas dezenas de intervenções que passaram pelo púlpito do Congresso. O palco está aberto a todos os discursos e, no caso dos dirigentes mais destacados, há uma indicação prévia sobre os temas sobre os quais vão debruçar-se. Exemplo: de manhã já se sabia que João Oliveira falaria da “nova fase da política nacional”, João Ferreira da atividade no Parlamento Europeu, Alexandre Araújo sobre a Festa do Avante, Manuela Pinto Ângelo sobre os fundos do partido.

Nem uma voz desalinhada das orientações e escolhas do partido se ouviu no palco do congresso do partido que há um ano surpreendeu ao decidir apoiar uma solução governativa liderada pelo PS. Um passo histórico que não é questionado no partido, pelo menos publicamente. O documento que sairá aprovado deste congresso — as Teses do PCP — é o que estará em vigor nos próximos quatro anos (já não haverá congresso antes das próximas legislativas), mas aí o dedo aponta para os desafios que se seguem. Mas há reuniões fechadas, como em todos os congressos do PCP, no caso a dos delegados para eleger o novo comité central do partido.

Um novo Comité velho?

Era uma das incumbências do congresso fazer um refresh nas caras do partido e ficou aprovado quase por unanimidade no final deste segundo dia. O órgão máximo entre congressos (o Comité Central) será composto por 146 comunistas, 22 dos quais são novos dirigentes que ascendem no partido. No órgão de cúpula do PCP mantêm-se nomes como o dirigente Agostinho Lopes, o líder da CGTP, Arménio Carlos, o autarca e ex-líder parlamentar, Bernardino Soares, o ex-secretário-geral, Carlos Carvalhas, o antigo candidato presidencial, Francisco Lopes, o secretário-geral, Jerónimo de Sousa, o eurodeputado João Ferreira, o líder parlamentar, João Oliveira, e o coordenador da Festa do Avante!, Ruben Carvalho.

Entre os novos membros estão a funcionária do PCP e licenciada em direito, Alma Rivera, a assistente de realização Ana Gusmão, a cozinheira Ana Lúcia Guerra, os operários Aníbal Martins, António Pinetra, Diogo Correia, Filipe Costa, Luís Leitão, Mário Matos, Nelson Mota, Paula Sobral, Ricardo Galhardo e Tiago Oliveira, os “empregados” Diogo d’Ávila, Miguel Violante e Rogério Silva, a “empregada” Marisa Ribeiro, a estudante Cláudia Varandas, a enfermeira Joana Sanches, a deputada Paula Santos e o professor Victor Reis Silva.

Prestar contas e apontar críticas a quem fiscaliza o PCP

Um dos discurso mais inflamados veio de Manuela Pinto Ângelo, membro do secretariado do Comité Central, que falou das contas do partido e disparou um ataque cerrado à Entidade das Contas e Partidos (que fiscaliza, junto do Tribunal Constitucional, o cumprimento da lei dos financiamentos políticos pelos partidos).

O partido vive uma situação financeira delicada — aliás explicada nas Teses, com mais de um milhão de prejuízos anuais — que não conseguiu inverter e queixa-se de estar a ser “vítima de um ataque” à sua “autonomia e à sua maior realização política e cultural, que é a Festa do Avante”. Neste ponto específico refere-se à existência de “normas de intromissão, agravadas pela interpretação abusiva da Entidade das Contas, que conduzem à aplicação de coimas inadmissíveis” e que, diz a dirigente comunista, representam uma “inaceitável prática de ingerência” no partido.

A questão é antiga, com a Entidade das Contas a ter todos os anos fiscais na Festa — que serve precisamente para angariação de fundos — para aferir o cumprimento de lei, que obriga que tudo o que é vendido tenha um comprovativo, para que possa ser conhecida a origem do dinheiro. As dúvidas que a entidade tem levantado à festa comunista são muitas e são sobretudo relativas aos limites anuais, consagrados na lei, para a angariação de fundos e também para o que se recebe em dinheiro vivo. Isto, além de proibir que os partidos aceitem “contribuições ou donativos indiretos que se traduzam no pagamento por terceiros de despesas que àqueles aproveitem”. A Entidade tem apontado falhas, sobretudo ao nível de documentação que comprova a origem do dinheiro, na Festa da Quinta da Atalaia.

Manuela Pinto Ângelo subiu ao palco para este ataque e também para outro, relativo ao seu património imobiliário do partido, para garantir que “todos os espaços não afetos à atividade partidária pagam IMI de acordo com a lei. O PCP assume todas as suas responsabilidades fiscais, não especula com imobiliário, não promove offshores como alguns de forma cauniosa querem fazer crer”. Uma resposta a uma investigação do semanário Expresso sobre o património do partido a que Jerónimo de Sousa já se tinha referido no discurso de abertura do congresso. A referência aos offshores dirige-se ao CDS, que tem acusado o PCP de ser um paraíso fiscal em termos de imobiliário (o CDS e o BE defendem o fim de isenção de IMI para os partidos).

A situação financeira do partido é delicada e, neste segundo dia, no palco do congresso, ficou o apelo para a regularização de quota, “elemento central para a independência financeira do partido” e também o alerta para uma campanha “um dia de salário para o partido”, para “inverter a grave situação de desequilíbrio financeiro e de dependência das organizações regionais em relação à caixa central”.

É preciso que cada membro do partido, no cumprimento de um dever fundamental, assuma a iniciativa do pagamento da quota, assim como o seu aumento tendo como referencia 1% do vencimento”, disse a dirigente perante o Congresso.

Segundo Manuela Pinto Ângelo, 90% do financiamento do PCP advém de quotas, contribuições de filiados, donativos, e os outros 10% correspondem à subvenção pública.