A violência que o comportamento humano pode alcançar, quando se trata de defender um filho, é o pano de fundo de “O deus da Carnificina”, de Yasmina Reza, que se estreia na quinta-feira, no Teatro da Trindade, em Lisboa.

A diferença entre o ser e o parecer e as situações em que, facilmente, o ser humano deixa cair as máscaras são outros temas que atravessam esta peça da dramaturga francesa, a primeira a ser encenada por Diogo Infante, desde que dirige o Teatro da Trindade.

Dois casais adultos e civilizados encontram-se para resolver um problema protagonizado pelos seus filhos de 11 anos. A trama passa-se na cidade de Lisboa, mas podia passar-se em qualquer local do planeta. O que parece ser um encontro para resolver uma briga entre dois miúdos — Bernardo e Duarte, tendo este ficado sem dois dentes na sequência da briga — acaba por se tornar numa luta renhida entre os pais de ambos.

Numa simples tarde, Alberto (Diogo Infante) e Bernardete (Rita Salema), advogado e gestora de fortunas, respetivamente, e Miguel (Jorge Mourato), vendedor de eletrodomésticos, e Verónica (Patrícia Tavares), dona de casa interessada em arte africana, acabam por deixar cair as máscaras, revelando-se pessoas completamente diferentes das que parecem.

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E apesar de os pais de Bernardo — Alberto e Bernardete — serem de uma classe média alta, com mais prestígio que os pais de Duarte, não deixam se ser tão cruéis e letais quando se trata de jogar todas as armas que têm à mão para defender o filho Bernardo, autor da agressão a Duarte.

Sobre o porquê da escolha desta peça, Diogo Infante invocou duas razões. Primeiro, porque juntamente com Patrícia Tavares e Rita Salema tinham “muita vontade de trabalhar juntos”. E, segundo, pela qualidade e atualidade do texto, como explicou aos jornalistas, no final de um ensaio de imprensa.

“Esta foi, imediatamente, uma das peças que me assaltou e a principal razão é a qualidade do texto e a atualidade”, disse, sublinhando que “os bons textos merecem ser revisitados”.

“Tanto quanto sei, a última vez que este texto foi feito pelo Teatro Aberto foi há sete anos [“O deus da matança”, 2009], portanto já há uma geração de pessoas, e há, com certeza, muita gente que não o viu”, observou.

Além disso, esta peça dá aos intérpretes uma “belíssima oportunidade” para poderem brincar “de forma séria, com temas que são delicados, complexos, brutais e também divertidos, porque desconcertantes”, enfatizou.

“Uma comédia de costumes… sem os bons costumes” é como o Trindade chama à peça que foi também traduzida por Diogo Infante. O novo diretor do Trindade explica ainda que a dramaturgia “é muito ‘teatreira'” e que “escolhe as palavras”.

“Até as asneiras são intencionais e têm um peso naquele sítio que nós não tivemos qualquer tipo de pudor ou prurido em usá-las, porque elas estavam lá”, frisa.

Diogo Infante acrescentou que esta peça é muito atual já que mostra que a natureza humana está “muito escamoteada por muitos filtros e máscaras sociais” que fazem com que o ser humano tente projetar uma coisa que não corresponde à realidade da sua personalidade.

“E não há melhor pretexto para nós nos revelarmos do que quando sentimos a integridade dos nosso filhos atacada”, frisou. Esta questão não é característica de uma classe social em particular, acrescenta. Ela é transversal a todas, disse, exemplificando com o caso da peça em que o casal mais burguês acaba por ser tão “bronco e bruto” como o outro.

Com tradução, versão e encenação de Diogo Infante, a peça tem cenografia e adereços de Catarina Amaro. O desenho de luz é de Tânia Neto, o espaço sonoro de Rui Rebelo e a assistência de encenação de Isabel Rosa, com direção de cena de Diogo Aleixo.

A peça vai estar em cena até 29 de abril, com espetáculos de quarta-feira a sábado, às 21h30, e, aos domingos, às 18h.