O Bloco de Esquerda coloca a fasquia alta: “É pelo sucesso ou pelo insucesso do programa [de regularização de  precários no Estado] que o Governo será julgado. Não apenas pelo BE, mas pelo conjunto de precários”. E a concretização do que foi aprovado há um ano, para resolver situações de trabalhadores precários na Administração Pública, está longe do que o BE quer e também não acontecerá quando esperava. No debate parlamentar desta quarta-feira, Mário Centeno, ministro das Finanças, não se comprometeu com uma data para a abertura de concursos para incluir precários e disse que existem 7.844 pareceres favoráveis das comissões de avaliação (dos 32 mil inscritos). O número não impressiona os bloquistas — que até já o conheciam — e questionaram:

Se há 7844 pareceres favoráveis das Comissões de Avaliação, porquê esperar para homologar estes processos e abrir concursos?”.

Na interpelação do BE ao Governo, no Parlamento, apareceram dois pesos pesados do Governo de António Costa: o ministro das Finanças e o ministro do Trabalho e da Segurança Social. Mário Centeno e Vieira da Silva são os dois responsáveis pelo programa cuja execução é arrasada pelo Bloco de Esquerda. Na intervenção inicial, o deputado José Soeiro disse que o processo está a ser marcado “por atrasos, por falta de informação, por tentativas de boicote, por decisões flagrantemente erradas face à letra da lei” que o BE ajudou a aprovar e que negociou com o Governo.

José Soeiro disse “não aceitar que a lei seja controlada pela Administração ou que o Governo seja menos exigente do que o que ficou na lei”. E  identificou mesmo várias situações a precisar de “resposta urgente”, como os casos em que existe uma “combinação explosiva entre o atraso no processo e falta de informação”, ou em que falta a garantia aos precários abrangidos pelo programa de que terão o seu contrato prolongado até que os concursos estejam concluídos, ou ainda em que existem “interpretações criativas” sobre o que é uma “necessidade permanente” e que o Governo “esta a caucionar”, ou em que há “falso outsourcing” para “fingir que algumas pessoas não são trabalhadores do Estado”. Tudo isto foi dito pelo deputado com o recurso a casos concretos, das “mais de 100 queixas por dia” que o BE diz receber por parte de precários do Estado.

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Está nas mãos do Governo anunciar que terminou o boicote, impedir quem está a tentar fazê-lo e na fase de concurso corrigir essas decisões”, disse Soeiro.

Mas Mário Centeno respondeu que os parceiros e o país “não podem esquecer que, além do combate aos precários, há o descongelamento de carreiras, há a reposição das 35 horas, há a reposição de salários e a regeneração de serviços públicos”. Tudo isto com números de investimento, 600 milhões para o descongelamento, 400 para reversão das remunerações dos funcionários públicos, mais 400 milhões com o pagamento das horas extraordinárias e o trabalho noturno. Já quanto às queixas do BE, o ministro diz que a apreciação individual dos casos e a representação das várias parte das comissões de avaliação “explica o tempo” que o processo tem demorado.

Mesmo assim, mostra-se agradado com os números conseguidos até agora: mais de 350 reuniões, uma das comissões já com trabalho concluído, outras seis que concluem até março e as outras todas “com a máxima brevidade” para garantir o que diz ter sido prometido. “Que até ao final e 2018” o processo esteja concluído. Além disso, Centeno confirmou o que o BE já sabia — e José Soeiro tinha até dito na intervenção com que abriu o debate –, dos cerca de 32 mil processos existentes de precários à espera de regularização, existem “7.844 pareceres favoráveis das comissões de avaliação. Destes, 854 tiveram homologação completa e estão prontos para avançar para concurso”. Não garante de maneira nenhuma o que o BE quer ouvir, que os concursos serão todos lançados este mês.

Bloco pressiona Governo e sugere que socialistas estão a boicotar a regularização de precários

O ministro também disse que o número de casos regularizados “não está subordinado a qualquer racional financeiro de carácter condicionante. É o que vier a ser apurado correspondendo a necessidades permanente com vínculo inadequado”. Mas também diz que o país está a trabalhar para “corrigir desequilíbrios económicos” e que ao corrigi-los “não pode olhar para trás, dando saltos no escuro e assumindo posições que não garantem sustentabilidade económica e financeira”.

Ensino Superior fica fora? Governo concorda com reitores

Mais adiante o debate, Centeno foi questionado pelo BE sobre a aplicação da lei ao Ensino Superior, com o deputado Luís Monteiro a sublinhar os mais de cinco mil pedidos que existem de docentes e investigadores e em que dos cerca de mil analisados, apenas 37 foram aprovados. O ministro foi claro na resposta, dizendo que só por “má leitura” do programa de regularização e vínculos na Administração Pública é que se podia considerar que a lei ia servir “para regularizar situações de precariedade que existam no ensino superior”. Nestes casos, aponta antes para a lei do emprego científico. Jorge Costa, do BE, ripostou: ” É esta a lei [a dos precários] que deve permitir a regularização dos precários do Ensino Superior”.

E, no final, o líder parlamentar do BE, Pedro Filipe Soares ainda voltou a questionar o ministro das Finanças sobre o mesmo assunto: “Como é possível dizer que estamos contra a precariedade e depois acompanhar argumentos como do do conselho de reitores que diz que a rotatividade é uma virtude da Universidade”. O conselho de reitores defendeu recentemente que este é “um procedimento que não garante o princípio do mérito como critério de entrada na administração público”, rejeitando a aplicação desta lei nas universidades Mas Pedro Filipe Soares diz que é “má vontade dos reitores, que querem negar aos outros aquilo que eles têm: estabilidade no seu vínculo contratual”.

Já no quanto à Educação — outra questão levantada pelo BE –, o ministro das Finanças admitiu que é a área onde os processos estão mais atrasados, tendo sido mesmo reforçada a resposta. “Há 6.895 requerimentos na area da educação, essa é uma das áreas que está mais atrasada“, admitiu Centeno que considera que esta é “uma área de grande atenção neste momento”.

Irrevogável é outro

Nas bancadas à direita, este desacerto à esquerda foi aproveitado. Com Mercês Borges, do PSD, a apontar o dedo às bancadas do PCP e do Bloco de Esquerda: “Ainda há pouco mais de um mês, estivemos aqui num agendamento previsto pelo PCP. Ora lá vai um, ora lá vai outro. Fazem todos parte do mesmo, mas depois não se entendem”, disse. E atirou concretamente ao partido que marcou a interpelação ao Governo, o BE: “Fizeram tudo, e agora estão-se a queixar? Porquê? Porque criaram uma enorme expectativa à pessoas e não dão resposta. O senhor deputado devia sentir o peso da responsabilidade”, disse a José Soeiro que tinha acabado de fazer uma intervenção.

Da mesma bancada, Álvaro Batista perguntou o motivo para incluir neste processo precário contratados até maio do ano passado. deixando no ar uma sugestão: “Se não foi para dar emprego aos jovens socialistas e outros esquerdistas… diga-nos por que foi?”. E no CDS, António Carlos Monteiro explorou o atraso na resposta aos pedidos e à abertura de concursos — que chegou a estar prevista para meio de fevereiro, que já passou: “A resolução do Conselho de Ministros dizia que a proposta de lei deveria estar aqui no Parlamento até 31 de março de 2017”. Das duas bancadas desafiava-se a esquerda: “PCP e BE devem demitir-se desta responsabilidade de serem a muleta do Governo“, disse Carla Barros do PSD; “Juntem-se a nós”, atirou aos dois partido Filipe Anacoreta, do CDS.

No final, sobrou para Vieira da Silva a tentativa de apaziguamento à esquerda e de ataque à direita. É verdade que Pedro Filipe Soares já tinha tirado alguma da carga mais radical, ao dizer que “o Governo está a tempo de corrigir este atraso e estes boicotes e de garantir que a lei é aplicada e que o Estado deve ser responsabilizado pelo trabalho precário”. Mas ainda assim, Vieira da Silva tentou pôr a esquerda toda no mesmo barco ao dizer que “podem existir formas diferente de aplicar a lei” mas que o “debate em torno das formas de concretização da política deste Governo, esse sim é irrevogável. Iniciou-se no primeiro dia da legislatura e vai continuar até ao último dia da mesma”. A palavra “irrevogável” ficou para a história do Governo PSD/CDS, coma crise do verão de 2013, em que Portas se demitiu de forma irrevogável, para depois recuar.

O ministro do Trabalho acusou ainda a oposição ao Governo de “preferir o vazio“, quando a vê classificar de “caos” o processo de regularização e vínculos precários. E ainda foi buscar o programa do último Governo PSD/CDS, chumbado no Parlamento: “Se nos dermos ao trabalho de o lermos com atenção, não encontramos uma única referência ao combate à precariedade”. Vieira da Silva garantiu que procurou e “o resultado foi zero”.