A um ano das eleições legislativas, PS, PCP, BE e PEV assinalam os progressos alcançados com a atual solução de Governo, mas recusam abrir o jogo sobre a sua renovação ou fórmula a adotar na próxima legislatura.

Volvidos três anos sobre a celebração dos acordos bilaterais do PS com o PCP, BE e PEV (10 de novembro de 2015) que levaram à queda do Governo PSD/CDS-PP, chefiado por Pedro Passos Coelho, e permitiram a constituição de um executivo minoritário socialista apoiado pela esquerda parlamentar, apelidado depois de “Geringonça”, os protagonistas reagem com cautela à possibilidade da sua renovação na próxima legislatura, numa atitude de expectativa quanto ao resultado das próximas legislativas.

“A Geringonça está não só no nosso coração, como também na nossa cabeça”, assumiu o primeiro-ministro e líder socialista, António Costa, em julho deste ano, num debate quinzenal no parlamento, em resposta à bloquista Mariana Mortágua.

António Costa foi mais longe, numas jornadas parlamentares do PS, realizadas em julho, em Moura, ao abordar a perspetiva de continuidade da atual solução de Governo para lá da legislatura.

“Porque o mundo não acaba com esta legislatura e continua desde logo com uma nova legislatura, é preciso que todos provem bem sobre esta solução nesta legislatura para que haja continuidade desta solução de Governo na próxima legislatura”, sustentou, num discurso em que caracterizou o PS como “a força de equilíbrio essencial ao sucesso da atual solução governativa”.

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Mas, apesar do mote dado por Costa para o início de uma nova era na colaboração dos socialistas com os partidos à sua esquerda, e de o PCP, BE e PEV admitirem continuar a colaborar numa solução governativa, ninguém faz previsões sobre os contornos daquela que poderá ser a fórmula, designadamente sobre os moldes em que admitem integrar o executivo ou simplesmente as exigências para o estabelecimento de novos acordos, bilaterais ou de conjunto.

A “geometria eleitoral” deverá ditar as regras e, em caso de maioria absoluta socialista, a questão pode nem se colocar. Mas o “acordo histórico” do PS com a esquerda, que já permitiu a aprovação de quatro Orçamentos do Estado (o OE para 2019 já foi aprovado na generalidade), possibilitará pela segunda vez a um governo minoritário cumprir a legislatura, depois do primeiro executivo de António Guterres (1995-1999).

A secretária-geral adjunta do PS, Ana Catarina Mendes, em entrevista à agência Lusa, deixa tudo em aberto quanto à renovação dos acordos, alegando que “a democracia se reforça com a voz dos cidadãos – e são os cidadãos que vão dizer que Governo querem nas próximas eleições”.

Ana Catarina Mendes recusa-se a encarar a atual solução de governo a partir de uma “perspetiva minimalista”, sustentando que trouxe ao país “um reforço da democracia”. “Um reforço da democracia nas opções de formação de Governo, mas também quando foram repostos rendimentos às pessoas, quando se criaram empregos às pessoas – e são 330 mil novos postos de trabalho -, ou quando se tem rigor nas contas públicas. Acho que se tratou de um acordo histórico, com resultados históricos para o país”, sustenta.

Apesar de se recusar a afirmar que a esquerda parlamentar se rendeu à meta do défice de 0,2%, a secretária-geral adjunta do PS considera que PCP, BE e PEV “se renderam também àquilo que foi o rigor que se imprimiu nas contas públicas por parte deste Governo”.

Pedro Filipe Soares, líder do Grupo Parlamentar do BE, admite que “a definição das soluções está na mão das pessoas”, mas assume desde já que o partido “vai pedir o reforço da sua capacidade interventiva”. “O BE nunca negou qualquer responsabilidade, diz sempre é que depende das relações de forças. Não seremos penacho de um qualquer Governo”, assegura o líder da bancada bloquista.

Pedro Filipe Soares também não enjeita que o Bloco integre uma solução governativa, embora frisando que isso só acontecerá se tiver a possibilidade de conduzir a ação política: “Estamos disponíveis para ir para o Governo para determinar políticas. Agora, com uma responsabilidade diferente de há quatro anos porque as pessoas agora já compreendem melhor que as nossas propostas, afinal, fazem a diferença positivamente na vida delas e são possíveis porque equilibram também as contas públicas”.

O PCP, através do vice-presidente do grupo parlamentar António Filipe, reiterou a ideia de que o seu partido nem precisará de acordo escrito para manter a posição de compromisso. Mas também não revelou os contornos ou exigências dos comunistas para dar corpo a essa solução.

“Sempre dissemos, pela nossa parte, a nossa palavra bastaria, portanto, nem sequer, para nós, nunca houve qualquer necessidade de um qualquer documento escrito. Os compromissos que o PCP assume são claros e sempre para assumir, portanto é essa a posição que iremos manter”, disse, também em entrevista à agência Lusa.

António Filipe recordou os avanços alcançados para “conseguir travar o processo de empobrecimento”, acentuado com a Troika e o executivo do PSD-CDS, mas alertou que isso “não teria sido possível caso o PS tivesse uma maioria absoluta como já teve no passado”.

Em jeito de conclusão, o líder parlamentar interino do PCP deixou também a ideia de que será o resultado das legislativas a ditar a próxima solução de governo: “o que nos norteia é um compromisso com o povo português, que será sempre mantido, sejam quais forem as circunstâncias que se abram em futuras legislaturas”.

Pelo Partido Ecologista “Os Verdes”, Heloísa Apolónia também não faz previsões. “Nunca poderemos fazer futurologia certa relativamente a essa matéria. Os Verdes estarão sempre disponíveis para encontrar soluções positivas para o país”, afirmou a deputada à Lusa.

Na Assembleia da República, o PEV estará disponível “para encontrar soluções positivas para o país”. “Tudo aquilo que considerarmos que é negativo, evidentemente nunca poderemos dar o nosso voto favorável, seja qual for a solução que estiver encontrada”, concluiu Heloísa Apolónia.

Como os analistas políticos repetiram diversas vezes, a saída de cena de Passos Coelho afastou o “espectro do neo-liberalismo”, na perspetiva da esquerda, e tornou a polarização menos urgente. Até porque o atual líder do PSD, Rui Rio, recentrou o partido. Contudo, o êxito da atual solução de Governo, em que quase ninguém acreditava no início, fez com que a sua continuidade seja muito mais previsível.