Os três seguranças foram filmados a agredir violentamente dois jovens à porta do estabelecimento, em novembro de 2017, foram condenados esta sexta-feira com penas superiores a cinco anos de prisão efetiva, pelo crime de homicídio qualificado na forma tentada, pelo Tribunal Central Criminal de Lisboa. Os arguidos terão ainda de pagar indemnizações que chegam aos 12 mil euros.

David Jardim e João Ramalhete foram condenados a 5 anos e 4 meses de prisão. Já Pedro Inverno foi condenado a 5 anos 6 meses prisão. “Os factos são graves, tão graves que não tenho nada a acrescentar”, lamentou a presidente do coletivo, a juíza Catarina Pires, acrescentando que considera a decisão “absolutamente justa” — quem não concorda é a defesa: os advogados de todos os arguidos já revelaram que vão recorrer da pena.

[A decisão] é extremamente insensata, censurável e, portanto, ilegal. E, daí, vamos recorrer. Pareceu-nos que este tribunal se limitou a obter a prova que era necessária só para fundamentar a acusação. Muito, muito desiludida”, disse Maria Edite Sousa, advogada de David Jardim, à saída do tribunal.

Sandra Cardoso, advogada das vítimas, disse aos jornalistas que a decisão lhe pareceu “justa face aos factos que ficaram provados nas audiências de julgamento” e “razoável tanto na medida da pena como no pedido de indemnização cível”. Pedro Inverno e João Ramalhete foram condenados a pagar 12.747 mil de indemnização a Magnunsson Brandão. David Jardim terá de pagar 7500 mil euros a André Reis. Embora o pedido de indemnização fosse muito superior (a defesa pedia o pagamento, cada um, de 50 mil euros às vítimas),  a advogada referiu que concordou com o valor final, “não obstante ainda de analisar o acórdão e verificar se de facto corresponde ou não aquilo que foram os prejuízos”.

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O tribunal deu como provado que o arguido Pedro Inverno “tirou do bolso uma navalha” e provocou um corte na perna de Magnunson Brandão. O coletivo de juízes também considerou que o arguido David Jardim saltou a pés juntos para cima de André Reis, atingindo-lhe na cabeça. “André Reis temeu pela sua vida”, disse a juíza Catarina Pires, considerando que os arguidos sabiam que os arguidos ao cometerem estas agressões sabiam que podiam atingir órgãos vitais e provocar a sua morte.

A juíza apontou também que os arguidos “não manifestaram arrependimento e revelam fraco juízo crítico”, considerando que “os arguidos não gostaram de se sentir desafiados” e “não gostaram de ver questionada a sua abordagem”.

Nas alegações finais do julgamento, no final de maio, o Ministério Público (MP) tinha pedido a condenação de todos três ex-seguranças pelo crime de homicídio qualificado na forma tentada, de que cada um estava acusado. “Não restam dúvidas de que os arguidos praticaram os factos descritos na acusação. Temos um vídeo e, neste caso, uma imagem vale por mil palavras”, disse o procurador do MP José Leão.

Os arguidos baseiam-se numa legítima defesa, mas, neste caso concreto, é descabida, pois, das provas, não restam dúvidas de que praticaram os factos: agrediram calma e serenamente as vítimas. Agrediram e voltaram a agredir: agora vou eu, agora vais tu”, acrescentou o procurador.

Em maio do ano passado, Pedro Inverno, João Ramalhete e David Jardim foram acusados de homicídio qualificado na forma tentada, depois de terem agredido Magnunson Brandão e André Reis no exterior da discoteca. Foi o primeiro caso de agressões à porta do Urban Beach — entre centenas de agressões reveladas e denunciadas— a chegar à justiça. O julgamento arrancou em fevereiro deste ano.

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Segurança disse que saltou com os pés em cima da vítima porque o jovem tinha um x-acto na mão

Um dos aspetos que gerou mais polémica — e que motivou a sentença — foi o facto de um dos seguranças parecer estar a saltar em cima da cabeça de um dos dois jovens, André Reis. Esse segurança é David Jardim, que garantiu durante o julgamento que só saltou numa tentativa de libertar o x-acto na mão que André Reis tinha na mão e porque estava com receio de ser atingido. O arguido explicou também que saltou com os pés em cima dos braços do jovem — e não na cabeça — porque lhe pareceu “mais indicado”:

Estava com receio do que poderia fazer com o x-acto e de meter ali as mãos. Não sabia se me poderia cortar, se não poderia cortar”, explicou.

O ex-segurança disse que foi chamado ao exterior por um “superior hierárquico” porque estariam a acontecer um “problema”. Já lá fora, David Jardim deparou-se, segundo as suas declarações, com o colega de trabalho rodeados por várias pessoas. Chegado ao local, estaria a tentar levantar o jovem que já se encontrava no chão, quando André Reis terá começado a insultá-lo e a ameaçar que iria ao carro e que “as coisas não iam ficar assim”.

[Recorde o vídeo que mostra as agressões à porta do Urban Beach, na madrugada de 1 de novembro de 2017]

Terá sido nesse momento, em que André Reis começou a dirigir-se para o tal carro, que David Jardim o apanhou e colocou no chão, agarrando-lhe no capuz para o fazer, uma vez que tinha receio do que poderia ter no carro. “Pedi-lhe para largar [o x-acto]”, explica. “Não é por acaso que seguranças já foram executados em discotecas, não muito longe dali. Não sabia o que é que ele tinha no carro, se tinha mais gente”, disse David Jardim.

No dia após ter sido divulgado o vídeo — e quando o caso já era notícia por todos os jornais nacionais –, os três seguranças, além de afastados da empresa, foram detidos: o primeiro, durante a madrugada, e os outros dois ao início da tarde. Ao mesmo tempo, o Ministério da Administração Interna ordenou o encerramento da discoteca — reaberta meses depois. No dia seguinte, 4 de novembro de 2017, os três seguranças foram ouvidos por um juiz no Tribunal de Instrução Criminal, que considerou que os arguidos cometeram as agressões “movidos por um desejo de violência gratuita e no gozo de um sentimento de superioridade”.

Ainda assim, as medidas de coação aplicadas foram diferentes. Pedro Inverno e David Jardim, indiciados pela prática do crime de homicídio na forma tentada, ficaram em prisão preventiva — mas já se encontram em liberdade, com apresentações periódicas e proibição de contactar os outros dois arguidos, depois de a medida de coação ter sido revista. Já João Ramalhete saiu em liberdade, embora sujeito ao termo de identidade e residência, proibição de contactos e de exercer a atividade de segurança privada — no entanto, está em prisão preventiva, depois de detido em julho do ano passado, no âmbito de outro processo relacionado com o processo dos Hells Angels.

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