Já há acordo para os cargos de topo da UE: a Comissão Europeia fica para a alemã Ursula von der Leyen (do PPE e primeira mulher a ocupar o cargo), o Conselho Europeu para o primeiro-ministro belga, Charles Michel (dos liberais), e Christine Lagarde vai substituir Mario Draghi no BCE. Para os socialistas fica o cargo de alto representante para as relações externas da UE (o ministro dos Negócios Estrangeiros espanhol, Josep Borrel, será o responsável pela pasta) e garantem a primeira vice-presidência da Comissão Europeia, que ficará para o candidato socialista à Comissão Europeia, Frans Timmermans. Ao que tudo indica, a presidência do Parlamento Europeu fica dividida entre os conservadores do PPE e os socialistas europeus: metade do mandato para Manfred Weber, o spitzenkandidat do PPE, e a outra metade para o italiano David-Maria Sassoli.

Esta solução foi conseguida ao fim de dois dias de negociações em Bruxelas, com o PPE dividido em torno do nome a apontar para a Comissão Europeia. Havia uma primeira distribuição de cargos acordada entre Angela Merkel, Weber e o presidente do PPE. No entanto, a solução que tinha o spitzenkandidat apoiado pelos socialistas à cabeça não vingou, com a família de centro-direita a recusá-la, sobretudo por causa do peso ao grupo de Visegrado a opor-se ao nome do socialista holandês que também teve a oposição do primeiro-ministro italiano Salvini. Merkel nunca conseguiu fazer passar esta solução e acabou por colocar à frente da comissão aquela que durante muitos anos foi apontada como sua sucessora na Alemanha.

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A distribuição de cargos agora acordada deita por terra o modelo do spitzenkandidat, ou seja, dos candidatos principais à Comissão Europeia, aqueles que foram apoiados pelas famílias políticas durante as eleições ao Parlamento Europeu. Tanto o apoaiado pelo S&D, Frans Timmermans, como o do PPE, Manfred Weber, acabaram por não ser colocados em lugares de topo. Timmermans ficará como primeiro vice da Comissão e Weber deverá ficar com a segunda metade do mandato de presidente do Parlamento Europeu.

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A solução está a ser vista como positiva entre os socialistas portugueses, apesar de não terem conseguido — como desejavam — ter na presidência da Comissão um elemento da sua família política (coisa que também já não era vista como essencial). O copo está a ser visto como meio cheio, já que em relação à composição anterior, onde o acordo era só entre PPE e S&D, os socialistas mantiveram os mesmos cargos com um acordo que agora envolve também os liberais. Além disso, o PPE também acabou por  ceder a presidência do Conselho Europeu a um liberal, Charles Michel.

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Quanto à representação geopolítica, a distribuição de cargos deixou de fora França, o que foi resolvido incluindo no pacote negociado a presidência do Banco Central Europeu. Christine Lagarde, antiga diretora do FMI, vai suceder ao italiano Mario Drahgi. Quanto a Portugal, a expectativa é que o primeiro-ministro António Costa, perante esta distribuição, possa ter vantagem na escolha da pasta na futura comissão.

Costa admite “desilusão dos socialistas” com acordo final

O primeiro-ministro já reagiu à solução encontrada pelos líderes europeus para a distribuição de cargos de topo da UE. Numa conferência de imprensa à saída da reunião extraordinária do Conselho Europeu, António Costa reconheceu que “os socialistas estão desiludidos” com a solução encontrada. “Preferia o acordo anterior“, admitiu, referindo-se àquela solução que ficou conhecida como “acordo de Osaka” e que foi concebida pelo próprio e por Martin Schulz — onde a presidência da Comissão Europeia ficaria para Frans Timmermans.

Nas declarações aos jornalistas, António Costa lamentou que essa solução não avançasse e responsabilizou o PPE e a redução de influência de Angela Merkel por este acordo não ter seguido em frente “à minoria de bloqueio, composta por Itália e pelo grupo de Visegrado [Polónia, Hungria, República Checa e Eslováquia]”.  E foi mais longe: “a anunciada fragilidade de Merkel em nada contribui para o reforço da Europa. Antes pelo contrário, cria um vazio no seio da sua família política [PPE] que é um vazio perigoso, onde facilmente os que são contra a Europa e os que defendem o populismo facilmente se infiltram”, acusou.

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No entanto, e apesar do duro ataque ao PPE e das preocupações com o crescimento das forças extremistas, o primeiro-ministro congratulou-se por estes países não terem podido cantar vitória. Se é certo que tiveram força suficiente para impedir um acordo que parecia reunir consenso entre os principais líderes europeus também é verdade que “não ficaram com nenhum dos lugares de topo“.

Este foi para António Costa um sinal importante dado pela Europa. Apesar de as eleições europeias terem trazido um Parlamento Europeu extremamente dividido e sem maiorias, “foi possível chegar a entendimento” antes de os eurodeputados votarem no presidente do PE, como desejavam os líderes europeus. “É um acordo equilibrado a nível de género, de distribuição geográfica e de distribuição política“, destacou Costa.

Para os socialistas a desilusão prende-se com o facto de terem estado muito perto — e “por duas vezes”, como notou o primeiro-ministro — de garantir a presidência da Comissão Europeia. Mas há uma forma mais positiva de olhar para esta solução: “em relação a 2014 mantivemos os mesmo cargos. Já o PPE cedeu a presidência do Conselho Europeu a um liberal”, afirmou António Costa, em mais um ataque aos conservadores.

Sobre o facto de o processo do spitzenkandidat ter falhado, já que nenhum dos candidatos propostos pelas famílias políticas para a Comissão Europeia ter ficado com a presidência, o primeiro-ministro tornou a apontar o dedo ao PPE. “Para aqueles que achavam que este era um bom modelo é uma derrota”, considerou, revelando ainda que Angela Merkel, uma das maiores defensoras deste processo, optou por abster-se na votação desta solução, isto mesmo tendo garantido a presidência da Comissão para o seu país — e para a sua família política.

Para António Costa “é fundamental” olhar para este elenco e ver, “além de uma repartição equilibrada”, que todos as escolhas “são boas escolhas”.

Este acordo terá agora de ser confirmado pelo Parlamento Europeu. “Já não compete a esta instância dar luz verde”, explicou o primeiro-ministro, que disse ainda não haver um plano B para o eventual chumbo desta solução. Quanto à pasta com que Portugal vai ficar na Comissão, o primeiro-ministro não quis comprometer-se. “É o próximo passo”, revelou.

António Costa revelou ainda ter sido convidado para desempenhar um dos cargos de topo da UE durante a dança de nomes que aconteceu em Bruxelas nos últimos dois dias. “É sabido que sim”, disse apenas quando foi questionado pelos jornalistas sobre se essa sondagem teria mesmo acontecido. Mas recusou entrar em pormenores. “Já disse o que tinha a dizer várias vezes sobre essa matéria: não tenciono desertar de Portugal. Estou muito empenhado em continuar a fazer aquilo que tenho vindo que a fazer, como aliás está provado”, afirmou.

Parlamento Europeu pode vetar nome de Von der Leyen

O nome do presidente da Comissão Europeia tem de ser aprovado pelo Parlamento Europeu. Foi, aliás, este o argumento que levou os defensores do modelo do spitzenkandidat a conseguirem levar avante a ideia, dizendo que se eram os eurodeputados que escolhiam o dono do cargo essa escolha devia estar associada às eleições europeias, com as diferentes famílias a apontarem antes das eleições o nome daquele que seria o candidato que apoiariam para liderar a Comissão.

O modelo foi inaugurado em 2014 e Juncker, apoiado pelo PPE, que foi a família europeia mais votada, foi escolhido. Agora, o desfecho foi diferente. “Houve duas eleições com este modelo: numa o escolhido seguiu este modelo, noutra não”, lembrou António Costa na conferência de imprensa. Antes de deixar no ar a hipótese de a escolha ser rejeitada pelos deputados do Parlamento Europeu. “Espero que o Conselho não tenha subavaliado a importância do Parlamento Europeu e a sua capacidade de decisão”, disse.

Uma mensagem subtil mas que alerta para as dificuldades que pode haver na aceitação do acordo saído do Conselho Europeu. “Entre os deputados do PPE esta escolha não é consensual, mesmo que a Comissão Europeia fique nas mãos dessa família política. Por três motivos: o primeiro é o facto de esta escolha significar a morte do spitzenkandidat, que pretendia aproximar os cidadãos das instituições europeias, um modelo do qual os conservadores foram os principais defensores; o segundo é o facto de Angela Merkel ter tomado decisões ao longo do processo negocial sem consultar os eurodeputados, que não gostaram de ver a Chanceler alemã a falar em nome deles sem os ouvir — especialmente no acordo de Osaka; o terceiro motivo é o facto de Von der Leyen ter sido apoiada pelos países de Visegrado”, explica ao Observador um ex-diplomata da UE que tem estado em contacto permanente com Bruxelas nos últimos dias.

Além deste desconforto entre os conservadores, que pode dispersar os votos do PPE, os socialistas estão assumidamente desiludidos, como referiu António Costa nas declarações à imprensa, e podem bloquear a decisão. Neste cenário, afirma a mesma fonte, “alguns conservadores e os liberais — os mais beneficiados com este acordo — podem não ser suficientes“, já que as forças de esquerda votarão previsivelmente contra este acordo.

O diálogo entre os chefes de Estado e de Governo que estiveram reunidos ao longo das últimas 48 horas em Bruxelas para negociar a distribuição destes cargos de topo com as famílias europeias do Parlamento Europeu não será fácil. É obrigatório que exista e tem de ser suficientemente eficaz para garantir que, mesmo que haja  alguma dispersão de votos, não comprometa o acordo que conseguiram negociar no Conselho Europeu.

Durão Barroso elogia distribuição de cargos

Durão Barroso utilizou a sua conta oficial de Twitter para reagir à solução encontrada esta terça-feira para os cargos de topo da União Europeia. O ex-presidente da Comissão Europeia considera que “o pacote de líderes propostos para os cargos de topo da UE é realmente equilibrado, com europeus muito experientes e verdadeiramente empenhados”. E acrescenta: “Estou confiante de que irão fornecer uma verdadeira liderança para tornar a UE mais forte“.

Já o socialista Martin Schulz veio a público criticar a escolha de Von der Leyen para a Comissão. “Uma vitória para [Viktor] Orbán e companhia“, esrceveu na sua conta de Twitter. “Leyen é a ministra mais fraca [do governo alemão]. Isso parece ser suficiente para se tornar presidente da Comissão”, lamentou.

À esquerda, olha-se com desconfiança para as escolhas do Conselho Europeu. O recém-empossado eurodeputado José Gusmão, do Bloco de Esquerda, utilizou a mesma rede social para criticar não apenas a escolha de Von der Leyen mas também a entrega da presidêcia do BCE a Christine Lagarde. “Uma Ministra da defesa da direita como Presidente da Comissão Europeia e Christine Lagarde como Presidente do BCE. Sinceramente, não consigo imaginar solução pior do que esta“, escreve o bloquista.

A própria Lagarde, também no Twitter, já reagiu à indicação do Conselho Europeu. “Estou honrada por ter sido indicada para o cargo de presidente do BCE. Perante isto, e depois de ter consultado o Comité de Ética do Conselho Executivo do FMI, decidi abandonar temporariamente as minhas responsabilidades como diretora-geral do FMI durante o período de nomeação”, escreveu a francesa na sua conta oficial.

(Nota: Artigo corrigido às 22h4o com a informação de que David-Maria Sassoli será o candidato dos socialistas europeus à presidência do Parlamento Europeu, ao invés do que tinha sido inicialmente avançado, que apontava para a escolha do búlgaro Sergei Stanishev)