A somar às duas horas de sexta-feira, foram cinco as horas que os dois advogados de defesa do ex-presidente Portugal Telecom (PT) levaram, de pé, a tentar convencer o juiz Ivo Rosa das razões para não levar Henrique Granadeiro a julgamento pelos oito crimes de que está acusado: um de corrupção passiva, dois de branqueamento de capitais, um de peculato, um de abuso de confiança e três de fraude fiscal qualificada, no processo da Operação Marquês. Resumindo cinco horas numa frase, a defesa alegou que não foi o responsável pelo BES, Ricardo Salgado, que pressionou a PT a recusar a OPA da Sonae, muito menos a investir no mercado brasileiro com a compra de uma participação na Oi. Sobre os 24 milhões de euros que terá recebido, no entanto, nem uma palavra. Apenas um pedido ao juiz para anular a informação que deu conta desses valores nas contas da Suíça, por se desconhecer como ela chegou ao processo.

O antigo presidente da comissão executiva e do conselho de administração da PT é acusado pelo Ministério Público (MP) de ter sido corrompido entre 2006 e 2011 por Ricardo Salgado para beneficiar o Grupo Espírito Santo (GES) na gestão da Portugal Telecom (PT). O MP acredita que este arguido beneficiou de 24 milhões de euros para se opor à OPA da Sonaecom à principal operadora portuguesa, com o negócio da venda da Vivo e a entrada no capital social da empresa brasileira Oi. O advogado Nuno Líbano Monteiro começou a alegar na última sexta-feira, no Campus de Justiça  em Lisboa, mas ao fim de de duas horas, com recurso a uma apresentação em PowerPoint, ainda não tinha terminado, limitando-se ao tema da OPA e tentando demonstrar que Granadeiro não sofreu qualquer pressão e que a oposição à OPA se deveu simplesmente ao preço.

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Esta segunda-feira as alegações foram repartidas com outra advogada, Beatriz Eusébio da Costa, que começou por sustentar que o interesse da PT no mercado brasileiro foi muito anterior à OPA.  “Não se estranhe que uma operadora como a PT tivesse este desejo de se expandir no Brasil”, disse, citando várias testemunhas que disso deram conta durante esta fase de instrução.

A advogada lembrou mesmo que a PT fez vários estudos para apostar no Brasil, ainda em 1998. No Brasil e não só, dando como exemplos outros países como Angola, a Argélia ou o Botsuana. “Há vários cenários a ser estudados antes da OPA, não estavam relacionados com interesses do BES em controlar o mercado brasileiro, mas sim, em interesses da PT”, disse. E muito antes, também, de Henrique Granadeiro entrar na PT.

Quanto aos e-mails que constam no processo com uma interpretação em sentido diferente, Beatriz Eusébio da Costa disse que “houve mails usados e descontextualizados pela própria acusação”.

O Ministério Público defende que depois de a Telefonica votar a favor da OPA, as relações entre acionistas ficaram melindradas e o objetivo era então entrar numa outra operadora brasileira, a Telemar. Mas, contrariando esta tese, a defesa garante que “não havia nenhuma estratégia” definida entre Henrique Granadeiro, Zeinal Bava e Ricardo Salgado. “Nada foi feito debaixo da mesa, por trás da porta”, alegou.

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A Telemar era sim, ainda de acordo com as alegações da advogada de Granadeiro baseada em vários estudos pedidos pela própria PT, “a única opção no Brasil, era a única que se afigurava como possível”. E por isso Granadeiro deslocou-se ao Brasil para abordar estas questões. Era normal que “os administradores tentassem rondar os acionistas”. “Não é anormal este tipo de abordagem”, disse.

No entanto, explicou, a Vivo, no Brasil, estava a crescer e a brasileira Telefonica ia manifestando o seu interesse em ficar com aquela operadora. “Os administradores não iam ficar de braços cruzados a olhar, se a PT se queria expandir no mercado brasileiro”.

A defesa lembrou que em 2010 a Telefonica propôs, então, comprar por 5,7 mil milhões de euros a participação da PT na Vivo. Mas a proposta foi rejeitada por unanimidade. O comunicado divulgado pela própria PT na altura referia que esse valor não refletia “o valor estratégico deste ativo para a Telefónica”. No mesmo documento, a PT informava que tinha decidido mandatar o presidente do Conselho de Administração, Henrique Granadeiro, o presidente da Comissão Executiva, Zeinal Bava, e o administrador com o pelouro financeiro, Pacheco de Melo, para, em conjunto, discutirem a oferta com a Telefónica até à realização da Assembleia Geral.

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A defesa de Granadeiro lembrou agora em tribunal que perante esta rejeição, a operadora telefónica brasileira acabou por aumentar a proposta e o negócio acabou firmado em 7,5 mil milhões de euros. A PT queria, no entanto, permanecer no Brasil, então acabou a comprar parte do capital da Oi — uma pretensão que a acusação diz que era, afinal, do responsável pelo BES, Ricardo Salgado, e do então primeiro-ministro José Sócrates.

“A PT não foi empurrada por Ricardo Salgado ou pelo BES para a Oi”, contestou a defesa. “A Oi apresentou-se como querendo ter os ativos da PT no Brasil naquela altura, ao contrário do que o MP diz”, justificou

Quanto ao valor que entrou nas contas de Granadeiro, passadas cinco horas, nada se disse. Mas nas considerações jurídicas, a defesa tocou num ponto que a leva a pedir a nulidade da acusação: “não conseguimos” perceber como é que os investigadores chegaram às provas. Granadeiro diz que nunca foi confrontado com as provas que dão conta das informações bancárias das contas que tem na Suíça, que até respondeu às questões em primeiro interrogatório pensando que as provas estavam nas mãos dos investigadores, mas na verdade essas informações não constam no processo.  “Este pedidos foram feitos sem existir no processo elementos sobre eles. Não se percebe nem como nem porque surge esta informação”, disse a advogada. “Foram ocultadas informações que constituíram o ponto de partida para a investigação”, disse a advogada, referindo que assim foi vedado o direito ao arguido de se defender corretamente.

Rui Mão de Ferro desconhecia que estava a cometer um crime

Também o advogado Carlos Pinto de Abreu, que representa o arguido Rui Mão de Ferro, começou por contestar as provas do processo. “Sentimos todos a dificuldade de aceder a toda a prova”, disse, sentado, perante o juiz Ivo Rosa, o procurador do Ministério Público, Vítor Pinto, e mais de uma dezena de advogados que estão na sala.

Mão de Ferro é sócio, administrador e gerente de diversas empresas de uma das figuras chave deste caso: Carlos Santos Silva, o alegado testa de ferro de José Sócrates. É acusado dos crimes de branqueamento de capitais e falsificação de documentos. A defesa lembra que estes crimes implicam dolo, ou seja, a vontade e o propósito de quem os pratica. Não se pode submeter a julgamento alguém que não teve qualquer conhecimento dos factos, não foi conhecedor dos crimes que se imputam a terceiros e muito menos teve qualquer intencionalidade relativamente aos crimes de que vem acusado”, rematou.

Segundo a acusação, o gestor surgiu como sócio e administrador de empresas de Carlos Silva que eram utilizadas para “a coberto de circuitos de faturação e de contratos de conveniência, sem correspondência com a realidade, receber quantias pecuniárias obtidas através da prática de crime e realizar pagamento com as mesmas a terceiros, segundo indicações recebidas do arguido Carlos Santos Silva e, por via deste, do arguido José Sócrates”. E, entre as operações que foi efetuando, surge a compra de “elevado número de exemplares do livro A Confiança do Mundo, publicado por José Sócrates, com vista a inflacionar a sua venda”.

O cofre, o contrato em Paris e o trabalho como advogado

Na mais recente sala do Campus de Justiça, no Edifício A, construída para acolher grandes processos, o juiz Ivo Rosa permitiu que fossem recolhidas imagens durante o debate instrutório. Durante as sessões existem sempre câmaras de filmar, impedidas de captar som, e máquinas fotográficas de um fotojornalista credenciado para o caso. Mas a advogada  Ana Marques, que defende um colega de profissão, Gonçalo Trindade Ferreira, tem mantido sempre a mesma posição: não quer quer a captação da sua imagem.

Em alegações finais a advogada não abriu exceções. Ana Marques não levou sequer uma hora a alegar, mas foi o suficiente para lançar críticas ao Ministério Público, que segundo ela conseguiu fazer uma acusação que mais parece um “exercício de fé”. “O MP faz sistematicamente conclusões, subentendidos, assume que ele sabia, faz um juiz de prognose errado, porque depois os factos que lemos não têm a aderência à acusação”, diz sobre o seu cliente.

Gonçalo Trindade Ferreira, detido com José Sócrates no aeroporto de Lisboa, a chegarem de Paris, é acusado de três crimes de branqueamento de capitais e um de falsificação de documento. Mas segundo a defesa, a sua intervenção junto de Carlos Santos Silva e de José Sócrates foi apenas como advogado. “Ele não escondeu dinheiro num cofre, foi-lhe pedido que guardasse uma quantia”, disse a advogada.

O advogado tratou também do contrato de arrendamento do apartamento em Paris e da venda do casa de Sócrates em Lisboa. “Tarefas normais de um advogado”, disse. Segundo ela, Trindade Ferreira sabia falar francês, mas como desconhecia a lei francesa contratou um advogado naquele país. “Se era para forjar um contrato, por que havia preocupação de pagar os impostos de pagar tudo em França?”, interrogou?

Ana Marques lembrou que o próprio José Sócrates admitiu nesta fase de instrução que só conheceu o advogado no dia da detenção e que Carlos Silva corroborou. “Como podem ser coarguidos se não se conhecem? Devo ter estudado por um livro diferente”, considerou.

Tanto ela como Carlos Pinto de Abreu pediram ao juiz que não levasse os seus cliente a julgamento.

O debate instrutório, em que os advogados dos arguidos têm a última oportunidade para convencer o juiz a não levar o caso para julgamento, prossegue quarta-feira com as alegações finais do advogado de Zeinal Bava, José António Barreiras.