É um dia especial para a NASA. A agência espacial norte-americana já confirmou que estabeleceu contacto com o asteroide Bennu, avaliado em 670 milhões de dólares (o equivalente a 571 milhões de euros) que dentro de 150 anos pode vir a colidir com o planeta; e que pode desvendar a origem da vida na Terra. É a primeira vez que a NASA recolhe uma amostra num asteroide.

O vídeo do momento deve ser partilhado na quarta-feira de manhã, mas a NASA pode demorar até 10 dias para perceber se a amostra foi realmente recolhida com sucesso. No entanto, há indicações fortes de que a operação de recolha foi bem sucedida: “Os dados preliminares mostram que o evento de recolha de amostra de hoje ocorreu como planeado. Mais detalhes virão assim que todos os dados do evento forem transferidos para a Terra”, confirmou a agência espacial.

O momento “toca e foge” da missão da sonda OSIRIS-REx — aquele em que um braço da nave é esticado até à superfície do asteroide para recolher 60 gramas de regolito — aconteceu às 23h12 de Portugal Continental. A emissão da NASA em direto da sala de controlo arrancou às 22h.

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Como o OSIRIS-REx está do outro lado do Sistema Solar, junto ao Bennu, as imagens vindas de lá demoram cerca de 18 minutos e 30 segundos para chegar à Terra. No entanto, a sala de controlo utiliza outros dados para alimentar uma simulação que mostrou como deverá estar a nave naquele preciso momento.

As câmaras a bordo da nave filmaram todo o procedimento, mas essas imagem são enviadas para a Terra depois da recolha a amostra. Os painéis solares estão numa configuração em Y, para receber a maior energia possível vinda do Sol sem se correr o risco de colidirem com rochas ou partículas do asteroide.

A Rádio Observador também acompanhou esta missão em direto, com comentários de Paulo Gil, investigador e professor no Instituto Superior Técnico na área da engenharia aeroespacial, e Pedro Machado, investigador do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço. Pode ouvir a emissão aqui e rever a transmissão da NASA aqui.

Em busca da origem da vida num fóssil espacial

A nave acionou o o espectrómetro de emissão térmica, que já começou a reunir dados sobre a temperatura da superfície e sobre a composição mineral do asteroide. Além disso, as câmaras do OSIRIS-REx já estão a reunir imagens do asteroide para, comparando com um catálogo de fotografias incorporado na nave, identificarem características do solo e determinarem automaticamente a localização do veículo.

OSIRIS-REx partiu da Terra a 18 de setembro de 2016 e chegou a Bennu, a 321 milhões de quilómetros do planeta, a 3 de dezembro de 2018. Passados quase dois anos, fez uma complexa aproximação ao asteroide para recolher uma amostra em Nightingale, uma cratera com 20 metros de diâmetro perto do pólo norte.

Por estar numa região tão fria do asteroide, as rochas ricas em carbono de Bennu devem estar bem preservadas — um ponto a favor para quem quer estudar o que existe num corpo celeste que testemunha os primórdios do Sistema Solar. Além disso, como a cratera é recente, o regolito foi recentemente exposto e pouco modificado pelas radiações e impactos de outros corpos celestes. É a amostra mais imaculada que se pode obter no asteroide.

Para a recolher, quando o braço da nave esteve em contacto com o asteroide, foi expulso um feixe de azoto que levanta partículas de regolito com menos de dois centímetros. Ao fim de cinco segundos, o OSIRIS-REx afastou-se ligeiramente do asteroide. Tudo isto correu com esperado, mas a nave poderia ficar nas proximidades do Bennu para o caso de ser necessária uma nova recolha.

A nave utilizou imagens para perceber se adquiriu a amostra necessária. No caso de falha na tentativa de amostragem, o OSIRIES-REx reaproximar-se-ia do asteroide para outra tentativa. A bordo da nave está azoto suficiente para três tentativas de amostragem. Uma vez completada a operação, a tampa da cápsula de retorno foi fechada com a amostra no interior.

O interesse em Bennu também está relacionado com a órbita do asteroide. Bennu é um Objeto Próximo à Terra cuja órbita cruza com a do planeta, podendo colidir com ele nos próximos tempos. O estudo deste asteroide permite enriquecer as investigações em torno da possibilidade de desviar estes corpos celestes.

Isto evitaria muitos eventos catastróficos. Todas as semanas, um a três objetos passam entre a Terra e a Lua, mas são demasiado pequenos para fazer soar alarmes. Mas todos os meses há um objeto potencialmente perigoso a passar precisamente nessa rota. Um dia, um desses objetos pode realmente aproximar-se demasiado do planeta, motivando preocupações de segurança.

Esta é uma aventura que o Japão já cumpriu com sucesso uma vez e que está prestes a executar pela segunda. Em junho de 2010, a Agência Japonesa de Exploração Aeroespacial (JAXA) conseguiu trazer de regresso a casa uma amostra com menos de um grama de pó asteroidal vindo do asteroide Itokawa. Agora, a missão Hayabusa 2 também está a caminho da Terra com uma amostra do asteroide Ryugu.

Ainda esta terça-feira, a equipa da missão Hayabusa 2 deixou uma mensagem de encorajamento para os milhares de cientistas envolvidos na missão da NASA. “Uma nova porta abre-se para a exploração do Sistema Solar. A equipa OREx deve ser capaz de alcançar grandes resultados com decisões certas e controlo requintado. Fiquem em segurança e boa sorte”, escreveu Yuichi Tsuda, o gestor de projeto, no Twitter.

A reta final da missão OSIRIS-REx, passo a passo

Pode seguir na lista aqui em baixo tudo o que aconteceu ao longo do momento central da missão OSIRIS-REx.

A quatro horas e 48 minutos da recolha, a nave OSIRIS-REx vai girar para apontar os propulsores na posição adequada à manobra de escape da órbita do asteroide Bennu.

Vinte e sete minutos mais tarde, são disparados os propulsores do Sistema de Controlo de Atitude, que orienta o veículo e que, uma vez acionado, permite-lhe sair da órbita mais estável em que está atualmente, a cerca de um quilómetro do asteroide.

Quatro horas e dois minutos antes da operação, o braço que recolhe as amostras — TAGSAM (acrónimo da expressão em inglês para “Mecanismo de Aquisição de Amostras Toca-e-Foge”)  — é lentamente esticado para a posição correta.

A três horas e 29 minutos da recolha, a nave executa uma segunda rotação que permite apontar as câmaras de navegação para o Bennu. Estas câmaras vão recolher imagens do asteroide, que serão utilizadas pelo sistema de navegação.

Trinta e três minutos depois, as câmaras começam a captar as fotografias. A OSIRIS-REx vai utilizar estas imagens com um catálogo de fotografias incorporado na nave, permitindo identificar características e determinar automaticamente a localização do veículo.

Duas horas e 21 minutos antes da recolha, o espectrómetro de emissão térmica começa a reunir dados sobre a temperatura da superfície e sobre a composição mineral do asteroide.

A quarenta e três minutos da operação, a OSIRIS-REx roda mais uma vez para apontar o braço e a câmara de navegação para a superfície do asteroide. Esta será a orientação final da nave.

Sete minutos mais tarde, os painéis solares da nave espacial rodam para ficarem com uma configuração em forma de “Y”, apontados para o Sol e afastados da superfície do Bennu. Este processo demora seis minutos.

Quando faltarem 31 minutos para a recolha, um dos complexos fotográficos da nave espacial — a OCAMS, um conjunto de três câmaras — começam a filmar e a fotografar toda a operação de aproximação ao asteroide.

Aos vinte e três minutos para a operação, o sistema de navegação prevê qual será a posição e a velocidade do OSIRIS-REx no Checkpoint — o momento em que a nave passa a fazer isso autonomamente, antes de ajustar a sua trajetória em direção à terceira manobra. Depois, o sistema ajusta os propulsores para a localização escolhida para a recolha.

Um minuto mais tarde, são acionados durante 66 segundos os propulsores do sistema de controlo de atitude para executar a manobra orbital de Checkpoint, que colocará a nave espacial numa trajetória descendente, em direção à superfície do Bennu.

A onze minutos da recolha, repete-se o procedimento para a manobra orbital de Matchpoint —o momento em que a nave espacial adota o mesmo movimento de rotação que o asteroide para pairar em concordância com a superfície dele. Acontece diretamente acima do local da recolha da amostra.

Nove minutos antes da operação, o sistema de navegação calcula a posição e a velocidade do OSIRIS-REx para prever onde fica o local onde vai acontecer a recolha da amostra.

A um minuto do momento da recolha, a nave espacial está a apenas cinco metros da superfície do asteroide. O sistema de navegação prevê novamente a localização do sítio da recolha. Depois de comparar com um mapa de risco, decide sozinho — isto é, sem precisar de esperar por ordens da sala de controlo, se deve ou não continuar para concretizar a missão.

Chegou o momento T=0. O OSIRIS-REx entra em contacto com a superfície do asteroide Bennu e, durante 10 segundos, ejeta azoto pressurizado em direção a ela e suga as poeiras que se levantam. Trinta e um segundos depois do primeiro contacto, a nave espacial afasta-se e o braço retrai para a posição de descanso.

As duas grandes coisas que o asteroide Bennu já nos ensinou

Mesmo sem a operação de recolha de amostras, a missão OSIRIS-REx já permitiu tirar duas grandes lições sobre os asteroides. Um dos primeiros aspetos que a nave demonstrou sobre Bennu é que este é um asteroide ativo, que ejeta partículas para o espaço.

Essas partículas viajam a velocidades moderadas, circulam em torno do asteroide e depois cedem à gravidade, acabando por cair na superfície. Isto já permitiu mapear o campo gravítico de Bennu.

Outra aprendizagem é que, mesmo sendo um asteroide muito escuro, essencialmente composto por rochas carbonáceas, tem regiões muito brilhantes.

Após cruzar estas novas informações com outras recolhidas noutros corpos celestes, a NASA descobriu que os materiais dessas regiões brilhantes estão relacionados com o asteroide Vesta — um dos maiores no Sistema Solar e alvo de da sonda NASA Dawn, que o explorou entre 2011 e 2012. Isto significa que os asteroides interagem entre si, trocano material quando colidem.