O secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros do atual Governo português, André Moz Caldas, revelou numa entrevista à Revista da Universidade de Lisboa que é “o primeiro membro do Governo casado com uma pessoa do mesmo sexo” na história da República Portuguesa. E defendeu que não fazendo disso “especial alarde público”, é importante “as pessoas públicas viverem a sua homossexualidade com naturalidade” para normalizar esta orientação sexual e para combater a homofobia e o preconceito. A entrevista foi partilhada pelo próprio secretário de Estado na sua conta de Facebook, através de uma publicação aberta a visitantes.

O membro do atual Governo, que é também assistente convidado da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, fez a declaração depois de ser questionado sobre a homossexualidade ainda ser considerada um crime em 70 países, sobre a homofobia ainda persistir e sobre qual a melhor maneira de “combater o preconceito”. E respondeu o seguinte:

Não sei exatamente porque é que a homofobia existe. Acho que é um jugo do qual a sociedade se libertará, mas ainda há algum caminho para lá chegar. O que é que podemos fazer? As pessoas públicas viverem a sua homossexualidade com naturalidade. Sou o primeiro membro do governo casado com uma pessoa do mesmo sexo e não faço disso especial alarde público, mas também não sinto que seja apenas um aspeto da minha vida pessoal”, afirmou.

Prosseguindo na resposta, André Moz Caldas disse ainda: “Espero que isso possa significar, para os jovens portugueses, que não estão condenados a um ostracismo. Se houver um jovem que, pelo meu exemplo, se possa sentir mais livre para viver a sua orientação sexual abertamente, eu ficaria muito feliz“.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Referindo não se ter sentido “nunca vitimizado” em relação à orientação sexual, o secretário de Estado assumiu que “sendo de Lisboa e de um contexto social e familiar progressista”, a sua “experiência não se compara com a de outras pessoas homossexuais”. Mas logo acrescentou: ” Não nos podemos permitir vitimizar-nos e devemos desarmar os nossos adversários vivendo abertamente a sexualidade. Ninguém me pode aviltar em função da minha orientação sexual, porque não o admito. Se alguém me aviltar, não me posso sentir diminuído – sinto, pelo contrário, que o outro é diminuído”.

Enquanto sociedade, temos de perceber que existe diversidade e que as pessoas não são diminuídas por integrarem uma minoria, de índole sexual ou outra. E quem pertence a uma minoria tem de ter uma grande energia para se dar permanentemente ao respeito”, rematou o governante.

Na entrevista, André Moz Caldas, que já desempenhou no passado outras funções públicas — foi presidente do conselho de administração do OPART, chefe de gabinete do ex-ministro das Finanças Mário Centeno, presidente da Junta de Freguesia de Alvalade, em Lisboa, e membro do Conselho Geral da Universidade de Lisboa — abordou ainda outros temas, como o seu percurso como estudante, as funções de um Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, a importância da música na sua vida e a tendência de crescimento de movimentos de extrema-direita em todo o mundo. A entrevista pode ser lida na íntegra aqui.

Casamento homossexual foi aprovado em 2010

O casamento homossexual foi aprovado em Portugal em 2010, durante o segundo Governo de José Sócrates. Na altura, a proposta de lei que legalizava o casamento entre pessoas do mesmo sexo foi aprovada na Assembleia da República com votos favoráveis do Partido Socialista (embora com dois votos contra de duas deputadas independentes), do Bloco de Esquerda, do Partido Comunista Português e do Partido Ecologista Os Verdes.

A proposta teve na altura a oposição do CDS e da maioria da bancada parlamentar do PSD, mas sete deputados sociais-democratas usaram a liberdade de voto para se abster. O PSD propusera, em alternativa, uma nova união civil entre pessoas do mesmo sexo que não fosse designada por casamento. Nenhum dos dois partidos, no entanto, tem manifestado desde aí disponibilidade ou vontade de reverter a legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo.

Mais recentemente, em 2015, o Parlamento aprovou a eliminação dos obstáculos legais à adoção de crianças por casais do mesmo sexo — isto é, a adoção por casais homossexuais. O diploma foi votado na Assembleia da República e nas bancadas de PS e PSD, por exemplo, foi dada liberdade de voto aos deputados. Apenas dois deputados abstiveram-se (Isabel Oneto, do PS, e Duarte Marques, do PSD), tendo 19 deputados do PSD votado a favor da adoção gay e os restantes votado contra.

Adoção homossexual aprovada. 19 deputados do PSD votaram a favor

Graça Fonseca e os (muitos) países europeus com ministros e governantes LGBT

André Moz Caldas é o segundo membro de um Governo português a revelar que é homossexual durante uma entrevista dada enquanto desempenha funções governativas. Em 2017, numa entrevista ao jornal Diário de Notícias, a então secretário de Estado da Modernização administrativa — hoje, ministra da Cultura —, Graça Fonseca, revelava ser homossexual. Foi a primeira vez em Portugal que um membro de um governo o fez.

Na entrevista em que assumiu a sua orientação sexual, Graça Fonseca defendeu que era importante “normalizar a existência de casais do mesmo sexo e da homossexualidade” e “as pessoas afirmarem publicamente que são homossexuais”. E explicava porquê: “Se as pessoas começarem a olhar para políticos, pessoas do cinema, desportistas, sabendo-os homossexuais, como é o meu caso, isso pode fazer com que a próxima vez que saia uma notícia sobre pessoas serem mortas por serem homossexuais [as pessoas] pensem em alguém por quem até têm simpatia”.

Tal como Portugal, onde Graça Fonseca é ministra da Cultura, também outros países europeus têm ministros que assumiram abertamente a homossexualidade. É o caso da Finlândia, que tem como ministro dos Negócios Estrangeiros Pekka Haavisto, da Alemanha, que tem como ministro da Saúde Jens Spahn (casado com uma pessoa do mesmo sexo) e da Islândia, que tem como ministro do Ambiente e Recursos Naturais Guðmundur Ingi Guðbrandsson.

Também os governos de Países Baixos, que têm como ministra do Interior Kajsa Ollongren (casada com uma pessoa do mesmo sexo e com dois filhos), Noruega, que tem como ministro da Saúde Bent Høie (casado com uma pessoa do mesmo sexo) e Espanha, que tem como ministro do Interior Fernando Grande-Marlaska (casado com uma pessoa do mesmo sexo), têm ministros LGBT. Na Bélgica, o Governo atual do país inclui uma ministra transexual, Petra De Sutter.

Na Europa, alguns países tiveram já inclusivamente como primeiros-ministros governantes assumidamente LGBT. É o caso da Noruega (que teve, durante um curto período, Per-Kristian Foss como PM), Islândia (que teve Jóhanna Sigurðardóttir como primeira-ministra entre 2009 e 2013), Bélgica (Elio Di Rupo, PM entre 2011 e 2014), Luxemburgo (que tem Xavier Bettel na liderança do Governo desde 2013), Irlanda (Leo Varadkar, entre 2017 e 2020) e Sérvia, que tem desde 2017 Ana Brnabić como primeira-ministra.

O caso de Mesquita Nunes: “As minhas posições não são determinadas pela orientação sexual”

Além de André Moz Caldas e Graça Fonseca, há um terceiro político que desempenhou funções governativas em Portugal que assumiu publicamente a homossexualidade: Adolfo Mesquita Nunes. O antigo secretário de Estado do turismo de um Governo de coligação PSD-CDS, liderado por Pedro Passos Coelho, fê-lo em fevereiro de 2018 e em entrevista ao semanário Expresso, embora o tenha feito já depois de deixar o Governo.

Então vicepresidente do CDS, Adolfo Mesquita Nunes deu uma entrevista da vida na qual recordou um episódio que ocorreu durante eleições autárquicas, quando era candidato pelos centristas à presidência da Câmara da Covilhã. Um dos seus cartazes fora vandalizado com a inscrição da palavra “gay” e Mesquita Nunes pediu à equipa de campanha para não retirar a palavra, por não ser falsa.

Um dia depois da entrevista, a então líder do partido, Assunção Cristas, afirmou ter muito “orgulho” em ter Mesquita Nunes, “um dos mais notáveis pensadores da política em Portugal”, como seu vicepresidente. E o político centrista e liberal tem vincado reiteradamente desde então que a sua intervenção política não pode ser reduzida, menorizada ou condicionada nas análises pela orientação sexual. “Gosto de pensar que as minhas posições mais liberais não são determinadas pela orientação sexual, que radicam antes num apego ético e político ao valor da liberdade”, chegou a dizer.

O futuro da direita. O CDS liberal de Adolfo contra o CDS conservador de “Chicão”